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Dragão chinês está de olho na América Latina | Pixabay
Dragão chinês está de olho na América Latina| Foto: Pixabay

O dragão chinês está com os olhos atentos às oportunidades na América Latina. No ano passado, o estoque de investimentos diretos da China na América Latina e Caribe atingiu US$ 115 bilhões, 46% a mais do que em 2016, segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Mas a segunda maior economia mundial quer mais. 

“A China vê potencial na América Latina, particularmente em respeito a mercados e recursos, o que tem motivado seu impulso na região”, diz Tom Harper, pesquisador do doutorado em política da Universidade de Surrey (Reino Unido). 

A América Latina faz parte de uma quarta onda de investimentos chineses pelo mundo, destaca Daniel Lau, líder de prática chinesa da KPMG no Brasil. “A primeira onda foi na Ásia; a segunda, na Europa e nos EUA; a terceira, na África.” Somente para lá, o presidente chinês Xi Jinping anunciou, em setembro, a liberação de US$ 60 bilhões em programas de ajuda e empréstimos. 

O investimento chinês, por enquanto, está concentrado em áreas reduzidas. Dados da Cepal mostram que, entre 2005 e 2017, o investimento estrangeiro direto para a América Latina e Caribe foi direcionado a poucos setores – 80% para as áreas de mineração e hidrocarbonetos – e destinos – 81% para Brasil, Peru e Argentina. 

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“A América Latina faz parte da Nova Rota da Seda chinesa”, diz o executivo da KPMG, referindo-se à estratégia comercial chinesa, que remete historicamente aos intercâmbios comerciais entre o país e a Europa durante a Idade Média. E, segundo ele, onde houver bons projetos, as empresas chinesas estarão extremamente atentas. 

Segundo a agência de notícias financeiras Bloomberg, a China está construindo um império no século 21, no qual o comércio e os empréstimos pavimentam o caminho. E se as ambições do presidente Xi Jinping se tornarem realidade, Pequim consolidará sua posição no centro de uma nova ordem econômica mundial que abrange mais da metade do globo. 

“O empreendimento transformou-se na iniciativa ‘Belt and Road’, uma mistura de política externa, estratégia econômica e ofensiva de charme que, alimentada por um amplo montante de dinheiro chinês, está reequilibrando alianças políticas e econômicas globais”, aponta a agência. 

“Uma das principais preocupações da China no momento é diversificar as fontes de matérias-primas, como petróleo venezuelano ou soja e minério de ferro brasileiros”, ressalta Argemiro Procópio, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de Brasília (UnB). “É uma relação bastante pragmática”. 

China e Venezuela 

No caso específico da Venezuela, dona das maiores reservas de petróleo do mundo e cuja produção está em queda por causa da falta de investimentos e de manutenção na PDVSA, a petrolífera estatal, a China estuda a possibilidade de realizar investimentos por meio de empresas que tenham parcerias com a companhia. O conglomerado britânico BP estima que as jazidas venezuelanas contenham 17,9% do petróleo disponível para extração no mundo. Ao ritmo de extração registrado em 2017, elas durariam quase quatro séculos. A China não descarta, inclusive, o envio de técnicos para ajudar na extração de petróleo. 

O relacionamento mais aprofundado entre a Venezuela e a China começou em 2007, com o falecido presidente Hugo Chávez. Foi quando o país sul-americano contraiu os primeiros empréstimos em troca de petróleo. Segundo Henkel García, diretor da consultoria venezuelana Econométrica, a estimativa é de que os desembolsos foram entre US$ 60 e US$ 70 bilhões. “O interesse chinês era assegurar seu fornecimento de petróleo e este tipo de acordo o assegurava”. 

Oportunidades 

Um dos fatores que contribuem para a diversificação chinesa de fornecedores é o forte crescimento que vem registrando. A segunda maior economia mundial deve crescer a um ritmo superior a 6% até 2020, segundo o FMI. O Brasil, por exemplo, vem se beneficiando desse cenário. Nos oito primeiros meses do ano, as exportações para lá cresceram 40,71% em comparação a 2017. Até agosto, foram enviados US$ 5,62 bilhões para lá, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior. 

“A China precisa de matéria-prima e a América Latina tem produto a oferecer”, afirma Boaventura Ferreira dos Santos, diretor da BO Business Overseas Consultoria e professor de comércio exterior da Universidade Anhembi Morumbi. “Há muitas brechas se abrindo em função da guerra comercial com os Estados Unidos”. 

Mas as oportunidades na China não se restringem às commodities. “É um mercado superlativo, de grandes volumes e que dá para competir em nichos específicos”, diz Santos, da Anhembi Morumbi. E, em um cenário de guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, diz ele, há muitas brechas que podem resultar em oportunidades para as empresas da região. 

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Um dos segmentos que, segundo Santos, há oportunidades é o de confecções. Mas para atingir mercados como o chinês, diz ele, é preciso estar capacitado e entender a lógica do consumidor chinês. Só na classe média, segundo estimativas da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, são mais de 400 milhões de pessoas. 

A renda média dos chineses está crescendo a um ritmo próximo a 6% ao ano, segundo dados do Banco Mundial. E a parcela da população que vive com menos de US$ 5,50 por dia vem caindo rapidamente, de acordo com a instituição financeira: em 2008, era 60,5% da população. Sete anos depois, em 2015, era 27,2%. 

“Com isso, o padrão de consumo do chinês médio está se transformando”, diz Luiz Antônio Paulino, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Um dos reflexos disso, segundo ele, é o crescimento na demanda por alimentos com um maior teor de proteínas, como a soja e a carne de frango brasileiras e o pescado chileno, por exemplo. 

Cartas na manga 

Mas as oportunidades que a China enxerga na região são mais amplas. Particularmente, no caso do Brasil, segundo Lau, da KPMG, os chineses veem oportunidades para investimentos diretos em segmentos variados como os de infraestrutura, energia renovável, óleo e gás, imobiliária e agrícola. “As empresas chinesas precisam buscar oportunidades rentáveis no exterior porque a concorrência interna é feroz”, destaca o executivo. 

Outra carta na manga dos chineses é o conhecimento profundo que eles adquiriram em diversas áreas. O país tem, por exemplo, uma política agressiva para atrair cientistas, oferecendo recursos financeiros e facilitando a implantação de laboratórios e centros de pesquisa. 

Outro fator que tem contribuído para o avanço chinês é a ampla disponibilidade de recursos para financiar a implantação e a melhoria da infraestrutura da região. Este fator contribuiu para que, desde 2017, três países – El Salvador, Panamá e República Dominicana - estabelecessem relações diplomáticas com a China e rompessem com Taiwan. 

“Um exemplo é o caso de El Salvador, onde seu governo reconheceu a República Popular da China como parte da vontade de Pequim em construir sua infraestrutura ali, o que Taipé não estava disposto a fazer”, diz Harper, da Universidade de Surrey. 

A China vem se aproximando de outros países com os quais não tem relações diplomáticas na região. Uma empresa chinesa, a Cofco, lidera as exportações de soja no Paraguai, país com o qual não mantém relações diplomáticas. 

Idioma e pesquisas científicas 

A influência chinesa na região não se restringe aos aspectos econômicos. A China também está investindo nas áreas científica e cultural na região. 

O país do presidente Xi Jinping quer difundir a sua cultura e um dos braços para isso é o Instituto Confúcio, que tem por objetivo ampliar o conhecimento na língua chinesa. “É o equivalente chinês da Aliança Francesa, do Goethe Institut e do Instituto Cervantes”, diz o professor Luiz Antônio Paulino, diretor do primeiro Instituto Confúcio implantado no Brasil, em 2008, na Unesp. 

Segundo ele, dadas as dimensões geográficas e econômicas da China, está crescendo o interesse pela cultura e pela língua chinesa no Brasil. Só na universidade paulista, cerca de 10 mil pessoas já passaram por cursos de chinês e 500 bolsas de estudo foram liberadas para universidades e centros de pesquisa na China. No país, atualmente são dez Institutos Confúcio, vinculados a instituições de ensino superior públicas e privadas 

Na área científica, Argentina e China firmaram uma associação estratégica, em 2015, durante o governo Cristina Kirchner, que resultou na construção de uma estação espacial em Bajada del Agrio (Sul da Argentina). A área foi concedida por 50 anos e ganhou um adendo com Maurício Macri, que estabelece que a unidade não será usada para fins militares. 

Contudo, segundo o site de notícias Infobae, técnicos da companhia chinesa Satelite LaunchTracking Control General que trabalham na unidade estão vinculados diretamente ao Exército Popular chinês. 

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A influência chinesa na região tende a crescer nos próximos anos, avaliam os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. E vem se beneficiando dos espaços deixados pelos Estados Unidos que, desde o final do governo Obama, dá menos ênfase à região. “A China aproveitou os espaços deixados”, destaca o professor Argemiro Procópio, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). 

Há muito espaço para o crescimento da influência chinesa na América Latina, apontam os analistas. “A região tem sido um aspecto recente na política externa chinesa”, destaca Harper, da Universidade de Surrey. 

Ele avalia que, à medida que aumentar a influência da China, a América Latina tende a ser uma “nova arena” de conflitos com os Estados Unidos. “É provável que as já conflitivas relações entre Washington e Pequim sejam impactadas, já que o primeiro percebe que as iniciativas chinesas violam a Doutrina Monroe e tem visto os avanços asiáticos inevitavelmente às expensas dos interesses e da influência norte-americanos”. 

Mas a influência americana na região continuará por questões culturais. “Nesse aspecto, a América Latina é bem próxima dos Estados Unidos”, ressalta Procópio. 

E mesmo na economia, a influência americana tende a continuar importante. Além da proximidade geográfica, outro fator que contribui é que em alguns países - como o Equador, El Salvador e o Panamá - o dólar se tornou a moeda corrente.

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