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Venezuelanos fazem fila para conseguir água, em Caracas, em 10 de março | Foto: Cristian Hernandez / AFP
Venezuelanos fazem fila para conseguir água, em Caracas, em 10 de março | Foto: Cristian Hernandez / AFP| Foto:

Um componente cruel foi adicionado à crise humanitária e política que vive a Venezuela: a falta de energia. O apagão mais longo e abrangente da história do país entrou no quarto dia, enquanto as promessas do regime chavista em restabelecer o serviço “em poucas horas” falharam miseravelmente. E o anúncio feito na noite de domingo (10) pelo vice-presidente de Comunicação, Jorge Rodríguez, não traz boas perspectivas: aulas e trabalho foram suspensos nesta segunda-feira (11), assim como já havia ocorrido na sexta-feira passada.

De acordo com relatos publicados em redes sociais e na imprensa local, na capital Caracas a energia elétrica havia sido restituída parcialmente, mas estava inconstante durante os últimos três dias - na noite de domingo a cidade estava no escuro. Em Guarenas, um subúrbio da classe trabalhadora onde moradores enfurecidos com o apagão queimaram pneus e lixo no sábado, o serviço de eletricidade voltou cedo na manhã de domingo, mas a luz acabou algumas horas depois. Ao redor da cidade, longas filas se formavam do lado de fora de padarias, supermercados e postos de gasolina que tinham combustível. No interior do país há áreas que estão sem luz desde quinta-feira à tarde.

Trabalhadores da Corporação Elétrica Nacional (Corpoelec), a empresa estatal de energia da Venezuela, disseram ao site de notícias venezuelano Efecto Cocuyo, sob condição de anonimato, que o país deve passar por um período de racionamento até que os equipamentos do sistema elétrico sejam reparados.

Maduro tuitou no domingo que o sistema elétrico “tem sido alvo de vários ataques cibernéticos que forçaram seu colapso e prejudicaram os esforços para reconectá-lo nacionalmente. No entanto, estamos fazendo grandes esforços para que, nas próximas horas, restauremos o poder de forma estável e definitiva”.

Mas poucos venezuelanos pareciam otimistas de que o governo conseguiria restabelecer a energia. Juan Guaidó, presidente interino da Venezuela e líder da oposição, convocou novos protestos nesta segunda-feira, em resposta ao blecaute. Ele também afirmou que, com a ajuda de Japão e Alemanha, a oposição traçou um plano com medidas que "tirariam os venezuelanos da escuridão".

Parlamentares de oposição e grupos de ajuda advertiram que o apagão nacional está causando um número crescente de mortes. Em uma coletiva de imprensa no domingo, Guaidó disse que pelo menos 17 mortes ocorreram em hospitais como resultado das interrupções do fornecimento de energia – 15 deles na cidade de Maturin, no leste do país. Enquanto isso, a ONG Codevida, disse que havia relatos de 15 pessoas que morreram devido a insuficiência renal ligada à falta de energia.

Parentes empurram um homem em uma cadeira de rodas enquanto ele deixa uma clínica depois de receber tratamento para insuficiência renal, em 10 de março, em Caracas
Parentes empurram um homem em uma cadeira de rodas enquanto ele deixa uma clínica depois de receber tratamento para insuficiência renal, em 10 de março, em Caracas

O ministro da Saúde, o chavista Carlos Alvarado, foi a público negar que houve mortes decorrentes do apagão. “É uma informação tendenciosa que procura angustiar a população", alegou.

Não foi possível confirmar de forma independente os relatos. O regime chavista divulgou poucas informações sobre o apagão, responsabilizando autoridades americanas pelo blecaute. Funcionários da administração Trump negaram a acusação e atribuíram as quedas de energia a anos de subinvestimento e má manutenção.

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Os governos de Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru, membros do Grupo de Lima, prestaram solidariedade aos venezuelanos afetados pela falta de energia elétrica. Os países lamentaram a perda de “18 vidas em hospitais e clínicas” e os “inúmero contratempos na vida cotidiana que contribuem para as dificuldades que o povo venezuelano têm sofrido durante anos”.

“Esta situação apenas confirma a existência e magnitude da crise humanitária que o regime de Maduro se recusa a reconhecer”, afirmou o grupo em uma declaração.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), publicou um tuíte afirmando que “está extremamente preocupada com as consequências do apagão generalizado na Venezuela, particularmente a perda de vidas humanas; e pelos efeitos na saúde, alimentação e segurança da população”.

Hospitais

A falta de energia deixou os hospitais dependentes dos geradores - alguns nem tinham o equipamento - e também fechou o metrô de Caracas, praticamente interrompendo o transporte público. Isso significa que muitos médicos não conseguem chegar aos hospitais.

No domingo à tarde, uma mulher de 24 anos sentou-se em uma cadeira chorando em frente ao hospital da Universidade Central da Venezuela. "Meu bebê acabou de morrer", ela disse. "Não havia cirurgião pediátrico."

A mãe, Alexandra Amundaray, atendente de estacionamento, disse que seu filho de 5 meses, Emanuel, sofria de desidratação nos últimos dias. No domingo de manhã, quando acordou, ele estava pálido e frio, segundo o relato. Ela conseguiu contatar uma das poucas ambulâncias em funcionamento na cidade para levá-lo ao hospital, onde ele foi tratado na sala de emergência. "Eles foram à procura de um cirurgião pediátrico", disse ela. "E então ele morreu."

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O diretor do hospital, Earle Siso, disse em uma entrevista que nenhum paciente morreu devido à queda de energia; um gerador estava fornecendo eletricidade para casos de emergência. Ele negou a falta de pessoal médico. "Nosso maior problema é o bloqueio internacional que está em vigor desde a era do presidente Obama", disse ele.

Mas, pouco antes de falar com um repórter, ele foi cercado por médicos e enfermeiras reclamando em voz alta que seus colegas não tinham ido ao trabalho.

Uma mulher que estava esperando do lado de fora da sala de emergência por um médico que pudesse atender sua filha de seis meses, que estava sofrendo de uma infecção bacteriana, disse que foi informada que apenas um médico estava trabalhando no domingo na enfermaria pediátrica. A mulher falou sob condição de anonimato, dizendo temer a repressão do regime.

A maioria dos corredores do hospital estava sem luz no domingo e não havia água corrente nas instalações. Elias Urbaez, residente de cardiologia, disse que o domingo era seu dia de folga, mas ele decidiu não voltar para casa. Ele depende do transporte público e temia que não conseguisse voltar para seu turno na segunda-feira.

Urbaez estava vestido com a mesma camisa xadrez e gravata que usara para trabalhar na sexta-feira, quando recebeu uma carona de um vizinho. O médico estava tomando banho em uma bacia de água "mas depois a água acabou", disse ele.

O regime afirmou que um plano de abastecimento de água por meio de caminhões-tanque está sendo realizado em todo o país por causa do apagão. A ministra da Água, Evelyn Vásquez, informou que o sistema de saúde está sendo priorizado.

No hospital da Universidade Central da Venezuela, a preocupação é constante: O que aconteceria se o diesel para operar o gerador acabasse? "Todos os médicos estão obviamente com medo disso", disse Urbaez.

Alimentação e comunicação

Oscar Hernandez, 40 anos, estava comprando velas no domingo em um supermercado no leste de Caracas. "Estou me preparando para o Armageddon", disse o engenheiro, contando que sua família usou todo o suprimento durante o apagão. “O governo é muito incompetente para consertar isso no curto prazo”.

Pessoas coletam vegetais depois que um mercado de rua foi saqueado no bairro de Chacao, em Caracas, em 10 de março de 2019 | Foto de Matias DELACROIX / AFP
Pessoas coletam vegetais depois que um mercado de rua foi saqueado no bairro de Chacao, em Caracas, em 10 de março de 2019 | Foto de Matias DELACROIX / AFP

Victoria Daboin, de 27 anos, foi ao açougue na semana passada e comprou nove frangos, 16 peitos de frango e carne bovina - uma grande compra em um país que sofre uma grave crise econômica. Mas no domingo, depois de 72 horas sem eletricidade, ela teve que esvaziar a geladeira, pois a carne corria risco de deterioração. "Estou desesperada", disse Daboin, servidora municipal.

"A comida que tínhamos em nossas geladeiras estragou, as lojas estão fechadas, não há comunicação, nem mesmo por celular", afirmou a venezuelana Ana Cerrato, 49, diante de uma pilha de arame farpado. "Nenhum país consegue aguentar 50 horas sem eletricidade. Precisamos de ajuda! Estamos em uma crise humanitária!"

Incapazes de manter os refrigeradores funcionando, mercados começaram a distribuir queijos, vegetais e carnes aos clientes. "Vou dar para qualquer criança de rua que eu encontrar", afirmou Jenny Paredes, dona de um café, sobre o leite que não conseguia mais manter.

Outras lojas foram saqueadas.

"Eles levaram comida, quebraram as vitrines, roubaram balanças e caixas", afirmou Manuel Caldeira, 58, dono de um supermercado saqueado em Caracas na noite de sábado. "Chegamos e encontramos tudo destruído."

As filas para os postos de combustível se estendiam por quarteirões, e famílias inteiras se mobilizaram para comprar água, que também começou a faltar. A estatal petrolífera PDVSA afirmou que o suprimento estava garantido, mas a maioria dos postos permaneceu fechada por falta de energia.

Enquanto isso, o serviço de telefonia celular permanece irregular em grande parte do país. No domingo, cerca de 20 carros estavam estacionados no acostamento de uma importante rodovia de Caracas. Por quê? "Eu sei que pareço uma louca", disse Carolina Pardo, treinadora de 45 anos de idade em uma academia. “Mas esse é o único lugar em que posso ter sinal em toda a cidade e preciso me comunicar com minha mãe, que mora no exterior.”

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