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O presidente da Argentina, Alberto Fernández, em Buenos Aires, 10 de junho de 2020
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, em Buenos Aires, 10 de junho de 2020| Foto: ESTEBAN COLLAZO / Presidência da Argentina/ AFP

O governo de Alberto Fernández, definitivamente, não está nos seus melhores dias. Mesmo após 90 dias de quarentena - que vem sendo flexibilizada em algumas regiões, mas que ainda impede o pleno funcionamento da economia - o país, especialmente a região da capital, está tendo dificuldades para sair do isolamento, com o pico de infecções de Covid-19 previsto só para o início de julho, segundo as autoridades de saúde. Com a doença chegando às periferias das grandes cidades, onde o confinamento é praticamente uma utopia, o número de casos diários voltou a crescer.

Na sexta-feira, a Argentina registrou o número recorde de 2.060 novos contágios. Até essa data, a Argentina confirmou pouco mais de 39 mil casos de Covid-19 e 979 mortes pela doença.

Mas a Casa Rosada, sede do governo argentino, tem outros dilemas a enfrentar, em especial a pasta da Economia. Fernández foi eleito no ano passado prometendo tirar o país da recessão e uma das tarefas a serem cumpridas para tornar esse caminho possível é a reestruturação da dívida argentina, que chega a quase 90% do PIB do país - um enorme problema que herdou de gestões passadas.

Em uma primeira etapa, o ministro da Economia, Martín Guzmán, está tentando renegociar a dívida com credores privados estrangeiros que é de cerca de US$ 65 bilhões em títulos. Porém, as conversas com os credores chegaram a um impasse nesta semana, com o presidente argentino garantindo que o país não pagará um peso além do que pode e com um grupo de credores internacionais exigindo uma proposta melhor.

Realmente, o governo argentino não tem de onde tirar dinheiro. O país entrará em recessão pelo terceiro ano consecutivo, com uma situação econômica agravada pela pandemia e uma projeção de queda de 5,7% do PIB, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). A diferença entre a proposta apresentada pelo governo e o que os credores pedem é, segundo jornal argentino Clarín, de US$ 7,4 bilhões, mais de 10% do total da dívida, um valor significante. Guzmán disse aos representantes dos credores estrangeiros privados nesta semana que a Argentina não tem como pagar mais do que 50% do valor presente da dívida. Os credores estão irredutíveis e, nesta quarta-feira (18) ameaçaram levar o assunto para a justiça.

“Dado o fracasso das negociações, nosso grupo está considerando todos os direitos e recursos legais disponíveis em nossa capacidade como fiduciários para os milhões de poupadores que servimos em todo o mundo”, afirma o comunicado do Grupo Ad Hoc de Detentores de Títulos Argentinos, liderado pelo fundo BlackRock. Depois do comunicado, as negociações, mais uma vez, foram adiadas e devem ser retomadas na semana que vem.

O economista Celso Claudio de Hildebrand e Grisi, professor da USP e da Sustentare Escola de Negócios, acredita que, apesar do impasse, os dois lados devem chegar a um acordo em breve, porque há muita coisa em jogo para ambos. Para os credores, o custo e a demora na tramitação do processo são desencorajadores. Para a Argentina, se a reestruturação da dívida for por água abaixo, será oficializado o nono default da história  do país.

Um calote técnico já ocorreu no mês passado, quando o país deixou de pagar uma parcela de US$ 500 milhões em juros, mas não houve nenhuma consequência imediata porque, na época, os credores não estavam considerando acionar a justiça. Agora, a situação é diferente.

Uma moratória representaria o fechamento do mercado de capital estrangeiro para o país, a entrada de dólares ficaria mais difícil, pressionando o câmbio argentino. “Seria o equivalente à falência de uma empresa privada”, compara Grisi. “No caso argentino, ficar sem acesso ao crédito é muito pior pelo tamanho da dívida do país”.

Fernández reconheceu que “o default não é uma boa maneira de viver e é por isso que estamos fazendo um enorme esforço para chegar a um acordo”. Mas disse também que “nenhum credor vai me convencer a fazer um argentino sofrer para pagar a dívida”.

O FMI tem apoiado o governo argentino e recentemente afirmou que a renegociação da Argentina com seus credores privados é uma chance de "devolver a dívida a um nível sustentável". Porém, já avisou ao presidente Fernández que um default real, neste momento, pode gerar instabilidade na economia, que já enfrenta enorme déficit fiscal, inflação e queda na atividade econômica. A Argentina deve US$ 44 bilhões ao FMI, mas as negociações com os fundos públicos internacionais ainda não começaram.

Analistas argentinos apontam que as negociações com os credores privados ficaram mais tensas depois que Fernández anunciou, no início de junho, a intervenção do Estado na agroexportadora Vicentin, uma grande empresa do setor agro que iniciou o processo de falência no fim do ano passado.

Guillermo Mondino, fundador da Mogador Capital, disse ao jornal La Nacion que a notícia envia um sinal negativo ao setor privado e faz com que a Argentina seja percebida um país pouco atrativo para investimentos, embora considere que o impacto negativo da estatização da Vicentin tenha se diluído por causa das incertezas que cercam o processo.

Na tarde desta sexta-feira, o juiz Fabián Lorenzini, responsável pela falência da Vicentin, ordenou que o diretoria da empresa retome suas funções e substitua os interventores designados pelo presidente Alberto Fernández. A constitucionalidade do ato do governo ainda é uma questão em aberto.

A estatização também serviu para desconstruir a imagem de um presidente moderado, segundo analistas políticos argentinos, e tornou mais evidente o poder da vice Cristina Kirchner dentro da administração, embora Fernández tenha declarado que a decisão pela intervenção estatal foi sua. Uma pesquisa de opinião feita pela Management & Fit nesta semana mostrou que 42% dos argentinos acreditam que Kirchner tenha mais peso nas decisões da gestão atual. Fernández? Foi o escolhido por 39% dos entrevistados.

Por fim, o encerramento das operações da companhia aérea Latam na Argentina também é um revés para a economia do país. A subsidiária da empresa chilena empregava mais de 1,7 mil pessoas, mas não aguentou os efeitos da crise econômica, da pressão trabalhista (a subsidiária não conseguiu fechar um acordo para redução de salários com o sindicato da categoria durante a pandemia) e da concorrência da estatal Aerolíneas Argentinas, que em uma década recebeu US$ 5,5 bilhões em subsídios do governo, segundo o Clarín. Com o fim das operações da Latam, a estatal terá praticamente o monopólio do setor. Fernández e Cristina demonstraram seu apoio à Aerolíneas Argentinas no mesmo dia em que a Latam anunciou o fim dos voos ao compartilharem em suas redes sociais um vídeo promocional da estatal.

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