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O vencedor da eleição para a presidência dos EUA, Joe Biden, e sua vice, Kamala Harris.
O vencedor da eleição para a presidência dos EUA, Joe Biden, e sua vice, Kamala Harris.| Foto: AFP

Os democratas estavam apostando que, se escolhessem o menos ofensivo, o mais amigável membro do establishment para liderá-los – alguém que poderia perguntar “tenho cara de socialista?” e fazer a América responder que não, Joe Biden não parece um socialista –, eles poderiam potencializar a repulsa ao presidente Trump e conquistar não apenas a Casa Branca, mas também o Senado. Tudo isso enquanto acreditavam também poder aumentar sua maioria na Câmara para conseguir a dominação total.

Mas o que os democratas entenderam é que, sob a superfície, democratas são todos iguais. Uma vez instalado um “moderado inofensivo”, os radicais viriam e fariam a festa. Joe-cavalo-de-Troia foi escolhido para dizer aos eleitores que ele não apoiava o Green New Deal, embora seu plano de governo dissesse claramente que sim, ele o apoiava. Ele diria aos eleitores que essa eleição era, basicamente, sobre restaurar a “decência”, ainda que seus apoiadores já estivessem se organizando para reescrever as regras da política, acabando com o filibuster, aumentando a Suprema Corte e transformando Porto Rico e D.C. em estados. Ele não queria o Medicare for All, que destruiria imediatamente o setor de planos de saúde privados; ele apenas desejava uma “alternativa pública”, que fizesse essa destruição aos poucos.

Os democratas receberão a presidência, mas com um aviso: não façam muita coisa com ela

E a cada vez que ele se enrolava com as palavras ou encerrava o dia de trabalho às 9 da manhã, os ativistas democratas se deliciavam com a possibilidade de substituí-lo com a mais esquerdista entre os membros do Senado americano, uma mulher negra que várias pesquisas apartidárias colocavam à esquerda até mesmo de Elizabeth Warren e Bernie Sanders. Quando Biden venceu as primárias, o país estava às voltas com a pandemia, cujos efeitos catastróficos permitiram que ele culpasse Trump por administrar mal a crise – mesmo que a posição democrata contra a estigmatização da China e contra o fechamento das fronteiras contra o vírus provavelmente tivessem piorado muito as coisas.

Os eleitores viram tudo isso. Se, o que parece provável, os eleitores deram a Biden uma vitória apertada, eles demonstraram duas coisas: reconheceram as falhas de personalidade e estilo de Trump ao mesmo tempo em que rejeitaram enfaticamente a ideia de que é hora de reverter as políticas de Trump. A não ser que os democratas consigam ambas as cadeiras da Geórgia no Senado nos segundos turnos previstos para 5 de janeiro, Biden será um maestro sem músicos, um arquiteto sem pedreiros. O país terá escolhido remover Trump enquanto pede que a América mantenha seu curso atual: sem rever as políticas energéticas, de saúde, sem questionar o capitalismo, sem grandes programas para combater a desigualdade, sem ajuda federal a estados democratas que gastam demais. Os democratas receberão a presidência, mas com um aviso: não façam muita coisa com ela.

Isso não deveria nos surpreender. A polis americana muda com o tempo, demograficamente e de outras formas, mas não muda muito. Desde a desastrosa autodestruição da presidência de Lyndon Johnson, meio século atrás, apenas uma vez – ou talvez duas – o país votou por uma vigorosa guinada à esquerda. Tanto os governos de Clinton quanto Obama nasceram de crises econômicas agudas, mas, em ambos os casos, assim que a economia se refez por conta própria, os americanos imediatamente rejeitaram as políticas oportunistas dos dois presidentes e elegeram um congresso de maioria republicana para frear sua agenda. A Clinton só restou dizer que “a era do governo grande acabou” enquanto Newt Gingrich assumia as rédeas. Obama passou os últimos três quartos de seu governo reclamando do “obstrucionismo” republicano e usando a tal da “caneta e telefone”. No fim, eles pareciam aqueles brinquedos de desenho mecânico; Trump sacudiu a presidência de Obama e apagou grande parte dela.

Vencendo, Biden será o primeiro presidente em 32 anos a assumir o cargo sem o apoio do Senado (a não ser que os democratas consigam um feito admirável na Geórgia, e se o fizerem terão a menor das maiorias, um 51 a 50 contando a vice-presidente). E parece que os democratas estarão à frente por muito pouco na Câmara, cujos membros moderados sabem muito bem que o partido vencedor na eleição presidencial quase sempre tem perdas nas eleições de meio de mandato, e têm criticado ferozmente a ala mais radical do partido por abalar suas chances.

Um Biden vitorioso estará na posição humilhante de um presidente amplamente cerimonial. O que, para ele, cai muito bem. Ele nunca teve a coragem de lutar por muita coisa. Ele sempre quis ser popular, mas sem brigar muito por qualquer coisa em particular. O fanfarrão mais notório deste último século em Washington seria, no fim, convocado para fazer o que ele faz melhor: falar, falar e falar. Podemos prever uma presidência tão poderosa quanto o estado do Delaware.

Kyle Smith é comentarista da National Review.

© 2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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