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Jeanine Añez
Vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, acena da varanda do Palácio de Quemado, em La Paz| Foto: Aizar RALDES/AFP

Antes de se proclamar a nova presidente da Bolívia e cumprimentar apoiadores em La Paz com uma Bíblia na mão, Jeanine Áñez, de 52 anos, fez uma promessa pública. Seu "único objetivo" como líder interina seria convocar novas eleições.

No entanto, em sua primeira semana no poder, Áñez não agiu exatamente como uma conciliadora. Ela está colocando seu próprio selo ideológico no país, enquanto tenta desfazer os quase 14 anos de regime socialista sob o ex-presidente Evo Morales.

Em apenas sete dias, a líder apoiada pelos EUA substituiu os principais oficiais militares da Bolívia, ministros e chefes de grandes empresas estatais por seus próprios nomeados. Seu governo ameaçou prender parlamentares "rebeldes" e expulsou aliados do antigo governo, incluindo diplomatas venezuelanos e médicos cubanos. Seu novo ministro das Relações Exteriores anunciou a saída da Bolívia da Aliança pelos Povos da Nossa América, uma união de nações socialistas com sede em Caracas.

Enquanto os apoiadores de Morales saíam às ruas na semana passada para protestar, Áñez emitiu um decreto presidencial que concedia imunidade às forças de segurança quanto a acusações de "participar de operações para restabelecer a ordem interna". Em poucas horas, um confronto entre soldados e apoiadores de Morales, perto da cidade de Cochabamba, deixou nove mortos.

Áñez interveio na semana passada após a repentina renúncia de Morales e outros socialistas seniores em meio a acusações de fraude eleitoral. Os legisladores do partido Movimento pelo Socialismo (MAS) de Morales ainda detêm maiorias legislativas em La Paz, mas boicotaram uma sessão convocada pela oposição para escolher um sucessor. Na ausência de quórum, a oposição apoiou Áñez, que era vice-presidente do Senado. Os Estados Unidos, o Brasil e outras nações rapidamente deram boas-vindas ao novo governo. Outros, incluindo México e Cuba, não o fizeram.

"O presidente Morales destruiu instituições", disse Áñez à BBC. "É o que todos os socialistas do século XXI fazem. Vimos esse filme na Venezuela, Nicarágua e Cuba. E esse é o medo que todos os bolivianos têm".

Mas ela agora lidera uma nação onde os socialistas conquistaram vitórias eleitorais esmagadoras em 2009 e 2014, e onde Morales, que fugiu para o México, mantém uma grande base de apoio. O líder indígena, um ícone da esquerda latino-americana, criticou a ascensão de Áñez como parte do "golpe de direita" que, segundo ele, o tirou do poder.

Áñez e a oposição defendem que a queda de Morales foi uma resposta adequada para uma eleição roubada por um político agitador e sedento de poder. Eles dizem também que Morales, à distância, está instigando a violência, complicando seus esforços para "pacificar" a nação e marcar uma data para novas eleições.

Sob a constituição da Bolívia, essas eleições devem ser convocadas no prazo de 90 dias após a renúncia de Morales. Na segunda-feira (18), Áñez disse que marcará uma data "em breve", mesmo que tenha que fazê-lo por meio de um decreto.

Transição complicada

Uma coisa é certa. Em um momento em que a Bolívia está mergulhando mais fundo em uma crise constitucional, uma presidente interina que deveria dar estabilidade ao país emergiu como uma das figuras mais polarizadoras da Bolívia. Analistas dizem que sua legitimidade contestada e sua tendência ideológica estão complicando o processo para a realização de eleições livres e justas que possam ser reconhecidas por todos os bolivianos.

"Não será fácil conseguir uma transição", disse Jorge Dulon, cientista político com sede em La Paz. "Os socialistas ainda têm muito poder e popularidade, e estão apostando em mais confrontos para pressionar por um retorno de Morales".

O governo de Áñez, disse ele, "respondeu com o uso da força e com um discurso de confronto que não foi adequado. Está causando mais provocações, em vez de reconciliação e diálogo".

Na segunda-feira, as Nações Unidas, a Igreja Católica e a União Europeia procuraram intermediar conversas entre apoiadores de Morales e o novo governo. Mas enquanto isso, os partidários do ex-presidente entraram em conflito com os militares e criaram barreiras que provocaram escassez de alimentos nas principais cidades.

A procuradoria boliviana disse que "atos graves de violência" causaram a morte de 21 pessoas na última semana, a maioria delas mortas "durante intervenções da polícia e das forças armadas". O escritório citou o confronto perto de Cochabamba e instou o governo a "parar de usar forças de segurança armadas e as forças militares".

"Não queremos continuar contando as mortes", afirmou o escritório. "Isso não é bom para as chances de um diálogo ou uma discussão pacífica entre o estado e o povo".

Tuítes redescobertos

Áñez também provocou polêmica por supostamente publicar tuítes chamando Morales de "índio pobre" e declarando que uma celebração indígena de ano novo era "satânica".

"Nem Ano Novo Aimará, nem estrela da manhã!! Satânicos, ninguém substitui Deus!!", ela teria tuitado e depois apagado após assumir a presidência. O tuíte permanece acessível através do arquivo de mídia social Wayback Machine. Porém, outras imagens de tuítes atribuídos a Añez eram falsas, inclusive a que mais repercutiu nas redes sociais dos bolivianos, que dizia que a nova presidente sonhava "com uma Bolívia livre de ritos satânicos indígenas" e que "a cidade não é para os índios".

Guerra de versões

"As políticas de ódio e racismo, e de grupos violentos nas mãos da oposição, retornaram à Bolívia", disse Morales ao Washington Post na semana passada. "Esta mulher que se diz presidente da Bolívia não é constitucional. Ela se autoproclamou".

Áñez e sua equipe defenderam repetidamente suas ações e culpam Morales e seus apoiadores pela violência que assola o país. O ministro do Interior de Áñez, Arturo Murillo, disse na segunda-feira (18) que sua equipe identificou um plano de assassinato contra ela.

"Morales está causando violência em nosso país com o objetivo de se apegar ao poder", disse Áñez à CNN en Español. "Estamos usando todos os nossos esforços para pacificar o país, mas não há diálogo porque a irracionalidade é o que rege os [apoiadores de Morales]".

Diálogo

A Conferência Boliviana de Bispos Católicos convocou um diálogo para "pacificar o país" e "chegar a um acordo para novas eleições". A conferência instou os políticos a "diminuir o tom do discurso público".

O embaixador da União Europeia na Bolívia, León De La Torre Krais, disse que o país estava "em momentos delicados". Falando aos repórteres depois de se encontrar com Áñez no domingo, ele disse que sua equipe estava tentando "fazer um esforço especial para recuperar e consolidar a democracia".

Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para direitos humanos, expressou preocupação "de que a situação na Bolívia possa sair de controle se as autoridades não lidarem com isso com sensibilidade e de acordo com as normas e padrões internacionais que regem o uso da força e com total respeito aos direitos humanos".

"O país está dividido e as pessoas de ambos os lados da divisão política estão extremamente zangadas", disse ela em comunicado. "Em uma situação como essa, ações repressivas das autoridades simplesmente alimentarão ainda mais essa raiva e provavelmente colocarão em risco qualquer via possível para o diálogo".

Conteúdo editado por:Isabella Mayer de Moura
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