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Holden Roberto, líder da Frente Nacional de Libertação de Angola
Holden Roberto, líder da Frente Nacional de Libertação de Angola: durante a guerra civil angolana, seu grupo recebeu ajuda secreta de brasileiros.| Foto: Rob Mieremet/Arquivo Nacional Holandês/Wikimedia Commons

Em uma ação que permaneceu em sigilo por mais de 30 anos, um grupo de assessores com funções militares foi enviado em 1975 pelo Brasil para apoiar a ofensiva da Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA) na guerra civil. Comandada por Holden Roberto, a FNLA lutava no norte do país africano contra o governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de orientação marxista, que controlava a capital Luanda.

Os assessores brasileiros seriam precursores. Em caso de vitória da FNLA, o Brasil enviaria tropas para Angola. Mas, liderado por Agostinho Neto, o MPLA venceria a guerra civil com o apoio de tropas cubanas e de assessores soviéticos. Presidido pelo general Ernesto Geisel, o Brasil acabaria sendo o primeiro país a reconhecer o governo do MPLA, em 11 de novembro de 1975, dia da independência de Angola, que até então era colônia de Portugal.

EUA, Zaire (atual República Democrática do Congo) e África do Sul também apoiaram militarmente com homens, dinheiro e equipamentos a ofensiva do FNLA nos meses anteriores à independência. A ajuda brasileira ao FNLA foi feita por 12 especialistas em explosivos arregimentados pelo Serviço Nacional de Informações (SNI). Eles trabalharam dando instrução às tropas de Holden Roberto – que era cunhado do presidente do Zaire, Mobuto Sese Seko –, desminando terreno e preparando explosivos. Seis deles permaneceram até a ofensiva final contra Luanda e participaram da Batalha de Quifangondo, que decidiu a primeira fase da guerra civil. Liderados pelo policial civil carioca José Paulo Boneschi, o grupo contava com agentes que receberam instrução de contraguerrilha no Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha, no Rio, em 1973. "Eles fizeram o curso [no Corpo de Fuzileiros] comigo. Conheci toda a turma. A ordem para operação em Angola veio do Geisel", afirmou o Doutor Pimenta. Capitão-de-mar-e-guerra reformado, Pimenta trabalhou por quase duas décadas no Centro de Inteligência da Marinha.

Por enquanto, conhece-se um único documento sobre a missão

Quem desenrolou o novelo da participação brasileira na guerra civil foi a pesquisadora Gisele Lobato, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa. Ela localizou no arquivo público do Rio o único documento oficial, por enquanto, de que se tem notícia sobre a missão. Feito pela Brigada Paraquedista, em janeiro de 1976, ele afirma que Boneschi estava preparando um relatório sobre o tema para o SNI. O jornal O Estado de S.Paulo refez os caminhos da pesquisadora e confirmou a existência da missão com três antigos integrantes dos órgãos de informações militares brasileiros e com um veterano da guerra em Angola.

Pedro Marangoni, veterano dos combates às portas de Luanda, mantém fotos que atestam a presença dos brasileiros em Angola. Marangoni encontrara os homens de Boneschi por acaso. Ele se havia reunido a uma companhia de 155 portugueses liderada pelo coronel Gilberto Santos e Castro e pelo major Álvaro Alves Cardoso, que deixaram o exército de seu país após a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, para continuar a combater grupos marxistas nas colônias do império lusitano. "Quando cheguei, em agosto, a Ambriz [norte de Angola], Boneschi já estava lá", diz Marangoni. Quem também testemunhou a presença dos brasileiros foi o então agente da CIA John Stockwell, que a registrou em seu livro Em busca de inimigos, publicado em 1978.

Quando Stockwell publicou a foto de "um major brasileiro" ao lado de Holden Roberto, o Exército brasileiro negou que tivesse enviado a Angola qualquer grupo militar para intervir na guerra civil. De fato. O "major" na foto não era major. Era Boneschi, um policial da Guanabara, ligado a um grupo de elite da Secretaria da Segurança Pública, que participava da repressão política de então. "Ele [Boneschi] que prendeu o Cesar Benjamin, do MR-8", contou à reportagem o Doutor Pirilo, agente do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa). Pirilo morreu em 2018. Tanto na foto de Stockwell quanto nas imagens guardadas por Maragoni, Boneschi veste uma farda militar.

Stockwell estava em Angola como representante da CIA, que pôs US$ 16 milhões nas mãos de Mobutu Sese Seko para serem repassados à FNLA. A ideia era que a guerrilha tomasse a capital antes da data marcada por Portugal para conceder a independência, em 11 de novembro, e assim impedir que o país entrasse na órbita soviética.

SNI sabia da missão

Pirilo confirmou a existência da missão e, embora não tivesse provas, acreditava que ela havia sido uma iniciativa do SNI, chefiado pelo general João Baptista Figueiredo, que sucederia a Geisel na Presidência da República. O coronel Paulo César Amendola, secretário municipal de Ordem Pública do Rio, fundador do Bope e homem ligado a Boneschi e ao Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 1.º Exército, confirmou que a missão era do conhecimento do SNI. "O Brasil não poderia se comprometer de início. Por isso, enviou a missão de forma clandestina. Eram precursores. O Boneschi me disse que, se a FNLA entrasse em Luanda, o Brasil enviaria tropas, com apoio americano, a Angola", contou.

Boneschi estava em Ambriz desde julho de 1975. Em agosto, Marangoni e os comandos portugueses chegaram. Um mês depois, era a vez da equipe de Boneschi. Metade voltou ao Brasil em outubro. O restante ficou até alguns dias após a independência, quando recebeu um rádio com a ordem de retirada. Maragoni conta que conversava com Boneschi, quando a ordem chegou. "Vi seu desgosto." O Brasil havia reconhecido o governo do MPLA. A missão secreta de ajuda ao FNLA chegara ao fim.

Envio de cubanos decidiu a guerra

A equipe de assessores brasileiros chegou em Angola pouco depois de as tropas de Holden Roberto (FNLA) terem conquistado Libongos, em Barra do Dande, a 32 quilômetros de Luanda. Roberto contava com 2 mil combatentes, divididos entre 156 comandos portugueses, dois batalhões do Exército do Zaire com artilharia e blindados Panhard, com canhões de 90 mm e 60 mm, 56 soldados do Exército da África do Sul com obuses e cerca de mil homens da Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA).

Ao lado do líder rebelde, o agente da CIA John Stockwell encontrou José Paulo Boneschi, que se identificava como major do Exército brasileiro, daí a informação publicada pelo americano na foto de Boneschi e Roberto. O policial carioca era o chefe da equipe de brasileiros. Ele chegara em julho e recebeu os colegas em setembro, pouco antes do início do avanço para Luanda. A capital era controlada pelos marxistas do MPLA desde julho, quando o grupo expulsou de lá os rivais do FNLA e da União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita).

Roberto marcou a ofensiva final sobre Luanda para coincidir com as vésperas da declaração da independência, em 11 de novembro. Duas pontes e dois morros separavam as tropas do FNLA da planície que os conduziria até Luanda. A primeira das pontes, sobre a Lagoa de Panguila, foi tomada em 6 de novembro. Nesse dia, um dos brasileiros comandados por Boneschi foi ferido pelo estilhaço de uma granada disparada pela artilharia do MPLA. Boneschi e outro brasileiro, Theobaldo Lisboa, permaneceram ao lado da ponte com os portugueses, enquanto os blindados do Zaire lideravam o primeiro ataque ao Morro Quifangondo, repelido pelo MPLA e os cubanos. Estes haviam começado a desembarcar em Luanda. Era a Operação Carlota, o envio de tropas de Cuba que salvou o MPLA.

"Há duas causas para a derrota em Quifangondo: os lançadores múltiplos BM-21 colocados pelos soviéticos em posição de combate nas vésperas da batalha e usados em força máxima, provocando o pânico nas tropas africanas, e a traição dos sul-africanos, que se retiraram em pleno combate", contou o piloto brasileiro Pedro Marangoni, que lutou com o FNLA.

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