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 | Célio Martins/ Gazeta do Povo
| Foto: Célio Martins/ Gazeta do Povo

Laboratório socialista

Do Palácio de Miraflores, sede do governo, no centro velho de Ca­­racas, veem-se enormes blocos de edifícios deteriorados e um amontoado de casas de tijolos à vista sobre os morros no lado oeste da cidade. Ali fica um dos enclaves da resistência à tentativa de golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez em 2002.

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Na parte alta da região norte de Ca­­racas fica o Instituto de Estudos Su­­periores de Administração (Iesa), uma escola voltada a empreendedores. Alguns dos professores da instituição vieram das universidades mais renomadas da Venezuela, como o economista Carlos Machado Allison.

Aos 72 anos e com passagens por vários países, inclusive o Brasil, Al­­li­­son é um duro crítico do governo Chá­­vez. Seus artigos semanais publicados no jornal El Universal, o de maior circulação no país, não poupam as políticas socialistas. Escritor de livros que tratam de temas diversos, como agricultura, tecnologia e economia, o também romancista e hoje professor aposentado da Universidade Central da Venezuela conversou com a Gazeta do Povo em seu escritório na Iesa.

Após uma década de governo socialista, a sociedade venezuelana está dividida?

O governo Chávez criou um mundo paralelo, o mundo das missões de saúde, das universidades bolivarianas, da milícia bolivariana. Esse novo aparato atua ao lado das instituições históricas do Estado. Foi incorporado ao quadro público mais de 1 milhão de funcionários, os quais são forçados a apoiar o governo. Chávez tomou e criou seis canais de televisão e 150 emissoras de rádio.

O governo afirma que está construindo a nova democracia do país. Como classificar o chavismo?

Esse governo tem uma política radicalmente estatizante. Chávez prega o controle estatal das empresas estratégicas com uma visão de quartel, militar. Para ele, roupa, comida e até eletro­­domésticos são produtos estratégicos.

O governo afirma que essas medidas beneficiam os pobres, os excluídos...

O problema é a investida contra o setor privado. Uma em cada três empresas do país foi fechada ou expropriada. Paralelamente, há um crescimento recorde do setor público. De 1,2 milhão de funcionários há 10 anos, a burocracia do governo tem hoje 2,4 milhões de pessoas na folha de pagamento. A PDVSA [empresa estatal de petróleo] tinha 45 mil empregados e produzia 3 milhões de barris. Agora tem 90 mil funcionários e produz os mesmos 3 milhões.

Em alguns setores o governo canta vitórias, como a educação. Quais são os aspectos negativos da política de Chávez?

A nova legislação sobre a terra trouxe insegurança e incerteza. Com isso, não há investimentos de longo prazo. Há quatro anos o país era autossuficiente na produção de carne – hoje importa 50% do que consome. De exportadores de café, passamos a importadores. Tu­­do que depende de investimento privado de longo e médio prazo está paralisado.

O presidente diz que está incentivando a industrialização nacional...

A produção de ferro, aço e alumínio, que era considerável, foi privatizada. Depois da estatização, a queda chegou a 50%. A essa redução soma-se uma in­­flação de 30% ao ano, com pico de 40% nos alimentos.

Como explicar o apoio a Chávez?

O grande erro do período democrático no país, anterior a Chávez, foi a desigualdade social. Criou-se na Venezuela uma distância muito grande entre ricos e pobres. Chávez foi ágil e vendeu uma imagem celestial. Ele convenceu a maior parte da população de que há pobres por causa dos ricos.

A classe média está dividida nessa disputa?

A classe média também é golpeada. Um exemplo está na comunidade universitária. Esse é um caso raro de governo de esquerda que não tem apoio dos estudantes e professores das universidades públicas tradicionais. Na Uni­­versidade Central da Venezuela todos classificam o governo como militar. Chávez criou universidades fantasmas, como a Universidade Bolivariana e a Universidade das Forças Armadas, que tem 600 mil estudantes, porque a maioria não conseguiu ingressar nas universidades tradicionais.

Os candidatos governistas devem formar maioria na nova As­­sem­­bleia Nacional. O que se espera no futuro próximo?

A Venezuela não corre risco de um colapso total. Com o preço do petróleo nos níveis atuais, o governo conseguirá manter investimentos mí­­nimos. Caso o preço do petróleo caia para menos de US$ 50, aí teremos uma grave crise.

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