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Presidente Donald Trump sentado ao lado de seu ex-secretário de Defesa, Jim Mattis | Yuri Gripas/Bloomberg
Presidente Donald Trump sentado ao lado de seu ex-secretário de Defesa, Jim Mattis| Foto: Yuri Gripas/Bloomberg

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Jim Mattis, renunciou quinta-feira (20) após bater de frente com o presidente Donald Trump sobre a retirada das tropas americanas da Síria e do Afeganistão, dizendo em uma carta de despedida que o presidente merece alguém no Pentágono "melhor alinhado" com seus pontos de vista.  

A demissão surpresa do general da Marinha veio um dia depois que Trump chocou aliados americanos e vetou seus conselheiros, incluindo Mattis, ao anunciar a retirada das tropas americanas da Síria. No processo, Trump declarou vitória sobre o Estado Islâmico, apesar de o Pentágono e o Departamento de Estado dizerem durante meses que a luta contra o grupo na Síria não acabou. 

Trump também ordenou ao Pentágono, contrariando a recomendação de Mattis, que elaborasse um plano para retirar aproximadamente metade das tropas americanas enviadas ao Afeganistão, uma medida que as autoridades militares alertaram que poderia mergulhar a nação no caos. 

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A discórdia, juntamente com uma série de outras divergências, fez com que Trump perdesse um respeitado funcionário do gabinete que ganhou elogios em casa e no exterior, mas que experimentou diferenças crescentes com um chefe de Estado conhecido por seu ceticismo quanto aos aliados americanos e às operações militares no exterior. 

Visto há muito tempo como um baluarte contra os impulsos isolacionistas de Trump e propostas mais extremas, Mattis serviu como um comandante calmo enquanto o presidente enviava tuíter surpreendentes e provocativos. Sua partida provocou um coro de preocupação com o temperamento do presidente e os processos de tomada de decisão, além de injetar novas incertezas na abordagem do governo às ameaças globais. 

A carta de renúncia

Mattis apontou algumas de suas divergências com Trump em uma carta de despedida que apresentou à Casa Branca na quinta-feira, que marcou a primeira renúncia de um funcionário do governo Trump por questão de princípio que veio a público. 

O general reformado enfatizou que os Estados Unidos obtêm sua força de suas relações com os aliados e devem tratá-los com respeito. Ele disse que o país também deve ser "claro" sobre as ameaças, inclusive de grupos como o Estado Islâmico. 

"Devemos fazer todo o possível para promover uma ordem internacional que seja mais condizente com nossa segurança, prosperidade e valores, e nos fortalecemos nesse esforço pela solidariedade de nossas alianças", escreveu Mattis, que não fez nenhum elogio a Trump na carta. 

O secretário de Defesa renunciou durante o que um alto funcionário da administração descreveu como um desentendimento no Salão Oval na quinta-feira à tarde, no qual Mattis tentou persuadir o presidente a suspender a retirada da Síria, mas foi rejeitado. 

Trump recebeu mais tarde uma cópia da carta de demissão e observou aos assessores que não era positivo em relação a ele. Até então, o presidente havia chocado o Pentágono ao filmar um vídeo no gramado da Casa Branca no qual ele afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e disse que as tropas americanas que morreram em combate ficariam orgulhosas de ver seus companheiros voltarem para casa.  

Embora o anúncio da Síria pareça render pontos políticos para Trump internamente, Mattis e outros importantes conselheiros suspeitam que a vitória será da Rússia, do Irã e do líder sírio Bashar al-Assad, enquanto corre-se o risco de o Estado Islâmico ressurgir. 

Mattis também argumentou contra a retirada de tropas do Afeganistão, que Trump está inclinado a executar nos próximos meses, segundo funcionários do governo. Autoridades do alto escalão do governo disseram que Trump ordenou que os militares apresentassem um plano para remover aproximadamente 7.000 dos 14.000 soldados dos EUA enviados ao país a partir de janeiro. A guerra do Afeganistão começou há 17 anos. 

Os dois anos de Mattis no Pentágono

O Pentágono divulgou a carta de demissão momentos depois que Trump anunciou no Twitter que Mattis estaria saindo, dizendo que o já aposentado fuzileiro naval "se aposentaria". Trump não mencionou suas diferenças de opinião com Mattis. 

"O general Jim Mattis vai se aposentar, com distinção, no final de fevereiro, depois de ter servido meu governo como secretário de Defesa nos últimos dois anos", escreveu Trump. "Durante o mandato de Jim, um tremendo progresso foi feito, especialmente no que diz respeito à compra de novos equipamentos de combate. O General Mattis foi de grande ajuda para conseguir que aliados e outros países pagassem suas obrigações militares. Um novo Secretário de Defesa será chamado em breve. Eu agradeço muito a Jim pelo seu serviço!". 

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Durante seus quase dois anos no Pentágono, Mattis garantiu aumentos consideráveis nos gastos de defesa depois de anos de limites orçamentários e supervisionou o desenvolvimento de uma nova estratégia que começou a orientar os militares para a competição com a China e a Rússia e a combater as insurgências extremistas no Oriente Médio.

Um firme opositor da Rússia, Mattis se irritou com os gestos conciliatórios do presidente em relação ao presidente russo, Vladimir Putin, e comenta que isso minou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), segundo pessoas próximas a ele. Rússia e China "querem moldar um mundo consistente com seu modelo autoritário", ressaltou Mattis em sua carta de renúncia. 

Moscou e Pequim estão procurando "poder de veto sobre as decisões econômicas, diplomáticas e de segurança de outras nações", disse ele, alertando o presidente de que os EUA devem "usar todas as ferramentas do poder americano para prover a defesa comum". 

Repercussão

Legisladores, embaixadores e políticos por dois anos olharam para Mattis como uma fonte de estabilidade em uma administração caótica. Sua renúncia repentina provocou nervosismo em um sistema político que já enfrentava um colapso nos mercados financeiros e uma possível paralisação do governo. 

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A líder da minoria da Câmara, Nancy Pelosi, da Califórnia, disse que ficou "abalada" com a renúncia e descreveu-a como "muito séria para o nosso país". 

Os republicanos também ficaram consternados com a decisão. O senador Ben Sasse, republicano de Nebraska, disse que foi "um dia triste para os Estados Unidos porque o secretário Mattis estava dando conselhos que o presidente precisa ouvir". O líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, disse que os Estados Unidos devem manter suas alianças cuidadosamente construídas e um claro entendimento de seus amigos e inimigos, reconhecendo que países como a Rússia estão entre os piores. 

Ruptura

Conhecido como o "Monge Guerreiro" no período em que serviu o exército, Mattis desenvolveu uma reputação de um pensador central no Corpo de Fuzileiros Navais, alguém que gostava de deliberar, ler e estudar todas as possibilidades antes de tomar decisões importantes. 

Esse estilo colidiu com a administração presidencial mais livre no pós-guerra, mais notavelmente nesta semana, quando Trump decidiu se retirar da Síria sem primeiro executar um processo de política que considerasse as opções e ramificações. 

As frustrações de Mattis cresceram com a chegada do assessor de segurança nacional John Bolton, que reprimiu as reuniões de tomada de decisão e as discussões de políticas entre as agências que o secretário de defesa valorizava, segundo pessoas a par do assunto.

A ruptura final entre o secretário de defesa e o presidente veio depois de semanas de tensão sobre os interesses de Trump contra os aliados, suas exigências para se retirar dos envolvimentos militares no Oriente Médio e decisões pessoais. 

Mattis disse a uma confidente no mês passado que ele não iria embora porque ele tinha muitas mudanças para fazer no Departamento de Defesa, particularmente em pessoal. Mas o secretário de Defesa perdeu a batalha mais crucial neste mês, quando o presidente desconsiderou sua recomendação de tornar o chefe do Estado-Maior da Força Aérea, general David Goldfein, o próximo presidente do Estado-Maior Conjunto e, em vez disso, escolheu o chefe do Estado-Maior General Mark Milley.  Uma pessoa próxima a Mattis disse que a escolha foi particularmente ofensiva para o secretário de defesa.  

"É a principal seleção que o secretário de Defesa costuma receber", disse a pessoa, que, como outras, falou sob condição de anonimato para discutir as opiniões particulares do secretário de Defesa. "E o presidente o rejeitou totalmente". 

Não foi a primeira vez. O presidente anunciou a criação de uma Força Espacial como um ramo separado das forças armadas, apesar de Mattis ter se oposto à ideia. Trump também impôs outras iniciativas que o secretário de Defesa não considerou particularmente importantes, desde uma implantação na fronteira dos EUA com o México até um desfile militar que não se materializou. 

De acordo com funcionários da Casa Branca, Trump não achava que Mattis estivesse totalmente a bordo com algumas de suas principais iniciativas. Mattis expressou ceticismo sobre as perspectivas de negociações de desarmamento nuclear com a Coreia do Norte e se irritou com a decisão do presidente de suspender certos exercícios militares com a Coreia do Sul, como um gesto de boa vontade com Kim jong-un. Trump disse aos conselheiros que ele confiava no secretário de Estado Mike Pompeo, que liderou as negociações da Coreia do Norte, mais do que ele confiava em Mattis.  

Desde o início, Trump e Mattis demonstraram atitudes completamente diferentes em relação às antigas alianças americanas. Trump deu balas à chanceler alemã Angela Merkel dizendo “nunca diga que eu não te dei nada” e repreendeu a primeira-ministra britânica Theresa May; Mattis voou ao redor do mundo agradecendo a tais aliados por suas contribuições à segurança americana.

Especulação sobre o sucessor

Várias pessoas que poderiam substituir Mattis condenaram a decisão de Trump de sair da Síria, e o Senado pode se mostrar hesitante em confirmar um substituto que executaria tal retirada. O general aposentado do Exército, Jack Keane, considerou o movimento um "erro estratégico". Os republicanos Lindsey Graham e Tom Cotton assinaram uma carta exigindo que Trump reconsiderasse a decisão, advertindo que a retirada reforçaria o Irã e a Rússia. Existe uma especulação de que Trump poderia buscar um nome fora do mundo de generais e políticos aposentados e procurar alguém da indústria de defesa. 

É provável que a partida de Mattis seja recebida com sentimentos mistos entre os militares, muitos dos quais o reverenciavam como um comandante de fala direta com profundo conhecimento de assuntos militares. Ainda assim, os membros do serviço estão proibidos de falar negativamente sobre Trump ou outros líderes seniores. 

Sargento aposentado, o major Carlton Kent, principal recruta da Mattis quando os dois foram enviados para o Iraque, disse na noite de quinta-feira que seu telefone "está tocando sem parar" porque os militares e veteranos queriam falar sobre a saída do secretário de Defesa. 

"Eles estavam preocupados porque ele era o homem certo para o trabalho certo, e agora ele está em transição", disse Kent. "Eles pensaram que ele estava liderando o departamento na direção certa. E foram guerreiros endurecidos em combate dizendo isso, pessoas que o testemunharam em combate".

Retirada de tropas do Afeganistão

A administração Trump está planejando a retirada de cerca de 7.000 soldados americanos que estão no Afeganistão nos próximos meses, segundo afirmaram autoridades ao jornal The Wall Street Journal. O número equivale à metade dos cerca de 14 mil que estão no país, e seria o primeiro passo para encerrar o envolvimento dos Estados Unidos em um conflito que já dura 17 anos —teve início pouco após os atentados de 11 de Setembro. 

Segundo o jornal, Trump tomou a decisão no mesmo dia que resolveu retirar os cerca de 2.000 militares americanos que estão na Síria. A redução seria um esforço para que as forças afegãs dependessem mais de suas tropas, e não do apoio do Ocidente, para conter os grupos extremistas. 

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Os 14 mil soldados americanos no Afeganistão atuam treinando e aconselhando forças afegãs e uma missão contraterrorista que tem como alvo grupos como o Estado Islâmico e a al-Qaeda. Lá, os EUA fazem parte de uma missão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que inclui outros países. Por isso, a retirada deve envolver deliberações. 

O número de soldados americanos no Afeganistão atingiu o pico de mais de 100 mil em 2010. Quatro anos depois, o então presidente, Barack Obama, anunciou o fim das principais operações de combate no país, reduzindo as tropas para cerca de 10 mil em 2015. Mais de 25 mil soldados afegãos morreram desde que os militares americanos encerraram suas operações de combate, no final de 2014. 

 Em 2017, Trump enviou 3.000 soldados ao Afeganistão, levando ao patamar atual de 14 mil. 

Nos últimos dois meses, seis soldados americanos morreram no conflito e em todo o ano de 2018 foram 14 vítimas fatais. 

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