G2 abalado
As rusgas diplomáticas entre Estados Unidos e China se multiplicaram nas últimas semanas:
Em janeiro, o Google ameaçou encerrar suas operações na China em decorrência do crescente ataque de hackers a seu serviço de buscas, e acabou colocando a questão delicada da censura chinesa à internet na jogada.
A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, criticou a falta de liberdade, o que foi rechaçado por Pequim.
Armas para Taiwan
Há uma semana o Pentágono enviou ao Congresso uma proposta de venda de armas para Taiwan no valor de US$ 6,4 bilhões.
Para a China, que considera a ilha de Formosa uma "província rebelde" apesar da separação entre os Estados em 1949, o negócio representa interferência em questões internas.
Dalai-lama
Nesta semana, a Casa Branca confirmou um encontro entre o presidente Obama e o líder espiritual do Tibete para fevereiro. A China reagiu, já que considera o religioso exilado uma ameça desde a anexação do Tibete, em 1959, e das revoltas decorrentes.
Apoio ao Irã
Os EUA insistem para que Pequim use sua força na Ásia e pressione os aiatolás para encerrar o programa nuclear.
A China prefere o diálogo a impor mais sanções.
Yuan artificial
Obama pressiona a China para que permita que sua moeda flutue, acusando o país de comprar dólares para valorizá-lo, consequentemente desvalorizando o yuan.
Fonte: Da Redação
A ameaça do Google de sair da China após ataques a seus sistemas pode se revelar um episódio comparável ao assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria, em 1914, estopim da Primeira Guerra Mundial. A afirmação, do editor da revista americana Fortune Adam Lashinsky, soa exagerada, mas dá uma ideia da preocupação trazida pela nova reação chinesa às costumeiras críticas ocidentais.
Aparentemente, EUA e China trarão cada vez mais suas diferenças políticas para a arena econômica.
O atrito pela venda de armas "made in USA" a Taiwan, a briga cambial e a ojeriza chinesa ao encontro de um presidente americano com o dalai-lama são fatos recorrentes na História. O que mudou é que agora a China mostra estar disposta a ameaçar acordos comerciais ainda que benéficos a ela para defender o status quo de seu regime autoritário, as execuções e prisões de opositores, a censura explícita, entre outros detalhes espinhosos que permeiam a identidade chinesa desde a revolução de 1949. Após a resposta da China à crise econômica, muito mais rápida que a americana, o país está mais confiante para também erguer a voz na diplomacia.
"A questão é maior do que uma disputa de câmbio ou um caso de espionagem comercial. É sobre uma China confiante que cada vez mais quer confrontar, reagir e desafiar os EUA, que por sua vez parece cada vez mais fraco e inseguro", diz Lashinsky.
Por outro lado, a China se parece cada vez mais com os EUA. As inéditas retaliações comerciais ameaçadas por Pequim como resposta ao negócio de US$ 6,4 bilhões em venda de armas americanas a Taiwan mimetizam hábitos ocidentais. E, assim como os EUA jogam para a plateia no caso do câmbio, a China agrada sua população ao desafiar os padrões ocidentais de pensamento.
Essas ideias são tratadas no livro que está para ser lançado The End of the Free Market: Who Wins the War between States and Corporations? (O fim do livre mercado: quem ganha a guerra entre Estados e companhias, em tradução livre), de Ian Bremmer, consultor da Erasia Group.
Batalha cambial
Talvez o problema mais sério na relação do mundo com a China, ainda que não novo, seja a desvalorização artificial do yuan (estimada entre 25% a 40%) como estratégia competitiva de exportação. Analistas temem que o endurecimento de Washington pela correção cambial resulte numa recusa ainda mais teimosa. "Há a possibilidade plausível de que a China reconheça que precisa permitir que sua moeda reflita o mercado. Mas, se houver pressão explícita muito forte, fica mais difícil tomar esse passo", afirma Roy.
As rusgas parecem desnecessárias quando se observa a interdependência das duas economias. "Hoje não tem como falar em China sem Estados Unidos nem o contrário, no campo econômico ou no estratégico", diz a professora de relações internacionais da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) Cristina Pecequilo.
Mas, como ela frisa, a forte pressão exercida sobre o governo americano por grupos defensores dos direitos humanos pesa muito na popularidade de Barack Obama. Para eles, o país que é o paladino da democracia no mundo não pode negociar livremente com outro em que a oposição ao governo é sufocada.
Futuro
Ainda que diferente de todas as outras, a atual crise aberta dentro do "G2" (como é chamada a dobradinha dos gigantes) é considerada passageira. "Os chineses estão reagindo mais firmemente, mas não de uma forma que ameace a relação entre os países", acredita o professor Stapleton Roy, diretor do Instituto Kissinger para a China e os EUA do Woodrow Wilson Center.
Em opinião publicada sobre o tema, a revista Economist sugere que o ideal seria aproveitar a pressão do momento para cobrar da China uma postura diante dos grandes problemas globais, como o clima, condizente com seu tamanho e com resultados de longo-prazo.
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