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Oh Eun-jeong se prepara para ir à igreja em Seul, na Coreia do Sul | Jean Chung/Washington Post
Oh Eun-jeong se prepara para ir à igreja em Seul, na Coreia do Sul| Foto: Jean Chung/Washington Post

Quando ondas de norte-coreanos começaram a chegar ao Sul durante uma devastadora fome há 20 anos, muitos encontraram um mundo que poderia, muito bem, estar em outro planeta. 

Eles tiveram de aprender a usar cartões de crédito e smartphones, resistir ao barulho, à agitação e às luzes de néon, para manter os empregos que apareciam para eles. Tiveram de lidar com comentários depreciativos ou perguntas insistentes quando os sul-coreanos ouviam seu sotaque ou ficavam maravilhados se não podiam usar um computador. 

Mas muitos dos jovens que saíram do Norte estão prosperando. O espírito empreendedor, a expressão artística e a vontade de competir estão florescendo à medida que saem abruptamente de um país dedicado a um culto à personalidade em direção ao tumulto do capitalismo sul-coreano. 

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E mesmo quando eles perdem o sotaque do Norte e adotam a moda do Sul, não escondem suas raízes. 

"Estou orgulhosa pelo fato de ser norte-coreana. É uma grande parte da minha identidade", disse Park Su-hyang, de 27 anos, que ajudou a fundar a Woorion, uma rede que ajuda refugiados a se estabelecerem no sul. Ela também faz parte de uma safra de videoblogueiros que tentam mudar estereótipos. 

"Muitas vezes pensamos nos refugiados como vítimas. Os norte-coreanos, ao se ajustarem a uma sociedade muito diferente na Coreia do Sul, inevitavelmente enfrentam desafios", disse Sokeel Park, diretor sul-coreano da Liberty in North Korea, organização que ajuda os fugitivos do Norte.

Mas no meu trabalho com centenas de norte-coreanos que se instalaram aqui, fiquei muito impressionado não apenas com sua resiliência, mas também com sua criatividade, ambição e seu espírito para realmente aproveitar ao máximo suas vidas.

Estes jovens e determinados, dizem os ativistas, serão os que preencherão a lacuna entre as duas Coreias, se um dia os países se reunificarem. Eles são o laboratório de testes para a reunificação. 

Aqui estão as histórias de cinco jovens que empreenderam a perigosa fuga da Coreia do Norte e se fixaram na Coreia do Sul:

A poetisa: Oh Eun-jeong 

  • 26 anos 
  • De Kyongsong 
  • Deixou a Coreia do Norte em 2009

Oh Eun-jung, perto de um café, em Seul, onde ela escreve suas poesiasJean Chung/Washington Post

Meu pai era marinheiro e tinha problemas com álcool. Mesmo assim tive uma infância feliz. Costumava nadar no mar todas as manhãs e todas as tardes depois de sair da escola. Minha testa ficava sempre branca por causa do sal do mar. 

Mas, então, minha mãe foi embora e meu pai morreu em um acidente de trânsito. Minha irmã, que é 11 anos mais nova que eu, foi morar com a nossa avó. Estava morando sozinha em nossa casa de família. Então, em 2009, eu fugi. 

Na Coreia do Norte, havia lido apenas um romance, que peguei emprestado de um vizinho. Estava rasgado e faltavam páginas, mas era tudo que eu tinha. Na Coreia do Sul, sempre estava lendo. Na faculdade, descobri um maravilhoso professor de literatura coreana cuja maneira de ensinar era muito emocional e acabei fazendo três disciplinas com ele. 

Durante todo o tempo, escrevia pequenas anotações no meu celular. Nem sabia que as notas que eu escrevia eram poesia. Estava apenas rabiscando espontaneamente. 

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Um dia de outono, vi uma árvore com folhagem vermelha no campus. Era tão bonita, mas sabia que tudo desapareceria na semana seguinte. Pensar nisso me fez pensar na última vez que vi minha irmã. Nesse momento, nem sabia o que era uma metáfora, só escrevi. 

A maior motivação para escrever poesia é porque sinto tanta falta de minha irmã. Estava tão cheia de dor, transbordando de dor, que deixei-a cair nas páginas. Foi um mundo totalmente novo para mim. Senti como cada célula do meu corpo estava voltando à vida. 

Meu primeiro livro saiu em 2015. Chama-se "Chamando para casa". Fui convidado para um canal de TV e fiz leituras de poesia. Assim foi que fui selecionada como poeta emergente e me pediram para contribuir com outra coleção. 

Muitos dos meus trabalhos estão relacionados à Coreia do Norte. Tenho tantas boas lembranças de lá. Embora haja opressão, também houve momentos de felicidade e não tenho que negar esses tempos. As pessoas estão com fome e a vida é difícil, mas a essência da humanidade é a mesma. 

 O empreendedor: Kang Min 

  • 31 anos 
  • De Bukchong 
  • Deixou a Coreia do Norte em 2007  

Kang Min, ao lado do local onde trabalha, em SeulJean Chung/Washington Post

Quando tinha 10 anos, durante a fome, minha mãe e eu estávamos viajando juntos, mas nos separamos e nunca mais a vi. Daquele momento em diante, tive que me defender sozinho. No começo, estava com tanta fome que comeria qualquer coisa que encontrasse no chão. Comecei a mendigar, mas as pessoas não me ofereciam comida. Então, aprendi a roubar. Teria morrido se não tivesse roubado. 

Quando tinha cerca de 15 anos, comecei a vender damascos nos trens. Depois vendi cigarros e passei para artigos plásticos de cozinha de origem chinesa, como lancheiras e outros utensílios. No final, vendia pneus de bicicleta. 

Quando cheguei na Coreia do Sul, pensei em ir para a faculdade. Mas queria começar um negócio e ter uma experiência real. Pude ver que os smartphones eram um grande negócio, assim abri uma loja online. Eu comprava bagas de aronia, um alimento saudável e popular, perto da data de vencimento, e as vendia na internet. Logo comecei a cultivar rosas silvestres para fazer sabão e perfumes e chá. 

Trabalhar em plataformas de compras on-line abriu meus olhos para as oportunidades de TI. Então, em 2016, também iniciei um negócio de design de sites. Este é o meu principal empreendimento agora. 

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Um dia, estava caminhando na frente da estação de Seul e pensei comigo mesmo: por que existem tantas lojas de fast-food na Coreia do Sul quando há opções coreanas saudáveis? Pensei na comida coreana que poderia ser servida como fast-food. Comecei a fazer bolsas de tofu recheadas com arroz e vendê-las em caixas de papel. 

Investidores potenciais perguntaram quem iria comer comida norte-coreana? Mas a razão pela qual eu escolhi o arroz tofu não é porque é comida norte-coreana, mas porque tem potencial de mercado. Porque é conveniente comer em qualquer lugar. 

Quando as pessoas percebem que sou da Coreia do Norte, elas dizem: você sabe alguma coisa sobre negócios ou capitalismo? Mas tinha fé na minha perspicácia nos negócios e nas minhas habilidades. Agora estou recebendo consultas sobre franquias do meu negócio de arroz com tofu. Não conseguiria nada se ficasse desiludido. E vou aos Estados Unidos para aprender sobre empreendedorismo. 

No futuro, quero estar em um negócio relacionado à Coreia do Norte para poder ajudar crianças que tiveram uma infância difícil como eu. 

 O executivo: Kim Sang-woon 

  •  30 anos 
  • De Tanchon 
  • Deixou a Coreia do Norte em 2009 

Kim Sang-un (à direita) limpa, com um colega, a igreja que frequentaJean Chung/Washington Post

Quando eu estava na faculdade na Coreia do Norte, assistia a dramas sul-coreanos e acompanhava meios de comunicação estrangeiros. Percebi que meu país estava tão atrasado. Queria viajar de avião e aproveitar a vida. Então, decidi fugir. 

Quando cheguei à Coreia do Sul, tive de passar um ano me preparando para entrar na faculdade. Me candidatei para trabalhar em um call-center porque achava que seria fácil. Mas quando ouviram meu sotaque, perguntaram-me como eu achava que poderia trabalhar em um call center. Assim, comecei a pregar cartazes às 4 horas, todas as manhãs, e trabalhei em uma linha de montagem de telefones. 

Então, em 2011, entrei na universidade e comecei a estudar comércio internacional e chinês. Eu sabia que, mesmo na Coreia do Norte, as pessoas que estavam envolvidas no comércio internacional podiam viajar pelo mundo e ganhar muito dinheiro. Durante o meu último ano, fiz um estágio na Hyundai Heavy Industries e passei algum tempo no escritório de Pequim, por causa dos meus conhecimentos em chinês. 

Todo mundo parecia tão competente e talentoso, e pensei que poderia entrar em uma dessas grandes empresas. Tentei dando passo a passo. Tinha essa convicção, então estudei muito e surgiram oportunidades como o estágio. 

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Tive a oportunidade de ir para os Estados Unidos com uma fundação de empreendedorismo. Fui a Nova York e Boston e, inclusive, visitei Harvard. 

Quando me formei, candidatei-me a uma vaga na SK. Fiz o exame de admissão e passei por duas rodadas de entrevistas. Havia muitas pessoas inteligentes entre os concorrentes, mas acredito que, vindo da Coreia do Norte, e tendo superado tantas dificuldades me ajudou a conseguir meu emprego. Nunca escondo de onde venho. É um grande orgulho para mim. 

Agora que sou gerente da cadeia de suprimentos, sou encarregado de fazer licitações. Meu trabalho é conseguir o preço certo. Conheço o gosto do dinheiro. 

Em 10 anos, quero estar de volta à Coreia do Norte, dirigindo o escritório da SK em Pyongyang. Os norte-coreanos são muito trabalhadores, como os sul-coreanos, mas a sociedade não é meritocrática e impede que as pessoas vivam de acordo com seu potencial. Quando a Coreia do Norte se abrir, acho que haverá muito potencial para o desenvolvimento.  

A vlogger: Park Su-hyang 

  • 27 anos 
  • De Hamgyong do Norte 
  • Deixou a Coreia do Norte em 2009 

Park Su-hyang grava vídeo no YouTube, em SeulJean Chung/Washington Post

Depois que me formei no ensino médio na Coreia do Sul, comecei a trabalhar em uma loja de conveniência para ganhar dinheiro e pagar os US$ 12.000 em dívidas tinha com a pessoa que me tirou da Coréia do Norte. Também estava me preparando para o vestibular e, em 2014, comecei a estudar serviço social na universidade. 

Mas percebi que os sul-coreanos não conheciam a realidade da Coreia do Norte. Há aspectos da Coreia do Norte que são exagerados na Coreia do Sul, sensacionalizados por questões políticas. Queria contar às pessoas sobre a vida real na Coréia do Norte e assegurar-me que eles soubessem que há pessoas que vivem lá. 

Eu me considero introvertida, mas senti que poderia fazer o que pretendia no YouTube. Não sabia nada como fazer vídeos. Comecei a usar meu telefone e aprendi a editar. 

Meu primeiro vídeo foi sobre o Ano Novo Lunar e como ele é comemorado na Coreia do Norte. É bem diferente da Coreia do Sul. 

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Meu vídeo mais popular é "10 coisas que achei mais interessantes na Coreia do Sul". Falei sobre como fiquei surpresa ao ver tanta variedade na televisão na Coréia do Sul. Na Coreia do Norte, há apenas um canal. Também achei incrível que você podia abrir a torneira e saia água quente. Em casa, na Coreia do Norte, tínhamos de ferver a água para tomar um banho.

Não ganho muito dinheiro fazendo isto, mas esta não é a razão pela qual eu faço. Realmente queria separar as vidas do povo norte-coreano da política e neutralizar as visões exageradas sobre a Coreia do Norte. 

Também queria que as pessoas entendessem como é difícil para os norte-coreanos morar na Coreia do Sul. Apesar de falarmos a mesma língua, os desertores norte-coreanos enfrentam muitas dificuldades. Na Coreia do Norte, não temos palavras de origem estrangeira. Quando comecei a trabalhar na loja de conveniência, não conhecia palavras como band-aid.

Em 2015, tornei-me membro fundador da Woorion, uma rede para ajudar os desertores norte-coreanos. Com os vídeos, espero poder promover o entendimento mútuo. 

A florista: Jum Geum-joo  

  • 32 anos 
  • De Hoeryong 
  • Deixou a Coreia do Norte em 2008 

Jum Geum-joo monta um buquê de flores no centro onde dá aulasJean Chung/Washington Post

Tinha boas notas no ensino médio, então acreditava que iria para a faculdade. Mas descobri que só os filhos de funcionários de alto escalão tinham esse privilégio. O estado me designou para trabalhar em uma fábrica de calçados que não produzia nenhum sapato. Acabei fazendo trabalhos manuais, como cavar e plantar árvores. 

Um dia, quando tinha 20 anos, conheci uma garota chinesa que viajara com a família para a Coreia do Norte e me contou sobre a Coreia do Sul. Foi um momento crucial para mim. Eu nunca tinha saído da minha cidade, mas me inspirei a sair dela. 

Tinha 24 anos quando cheguei na Coreia do Sul. Estava em conflito comigo mesmo por ir à faculdade. Teria 30 anos quando me graduasse. Fiz um curso de contabilidade porque era boa em matemática. 

Meu sonho de infância era ser florista. Costumava ir às montanhas da Coreia do Norte e colher flores. Então, comecei a trabalhar gratuitamente para uma florista nas quartas e sextas-feiras à noite, depois do trabalho, e aos sábados a partir do amanhecer. Também estava tendo aulas de inglês. Estava realmente cansada, mas quando trabalhava na floricultura, estava muito feliz. Comecei a pensar nisto como uma possibilidade de carreira. 

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Vi que muitos floristas de sucesso tinham estudado na Europa. Poupei parte meu salário do trabalho como contadora por três anos para poder estudar na Europa. 

Mas primeiro, tive a oportunidade de estudar nos EUA para aprender inglês por um ano. Não consegui o visto. Então, fui ao Canadá por três meses. 

Depois, viajei ao Reino Unido para fazer um curso de floricultura por seis meses. Adorei tanto. Consegui um estágio com uma florista de grande prestígio em Londres. Comecei em um trabalho menor, como limpeza, mas, às vezes, me permitiam arrumar as flores. Assim, sempre estava disponível bem cedinho, de manhã, e tarde da noite. Por causa disto, as portas se abriram para mim. 

Atualmente, trabalho em uma faculdade como professora de floricultura e gerencio uma loja virtual vendendo buquês de flores. Meu sonho é abrir minha própria loja de flores. Normalmente, as pessoas compram flores e vão embora, mas eu quero que o meu empreendimento seja um lugar onde as pessoas possam se sentar e conversar cara a cara, cercadas de flores.

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