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Um vendedor tenta se esconder com seus produtos enquanto soldados dispersam manifestantes que protestaram contra a eleição de Emmerson Mnangagwa, em 1º de agosto de 2018, em Harare | ZINYANGE AUNTONY/
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Um vendedor tenta se esconder com seus produtos enquanto soldados dispersam manifestantes que protestaram contra a eleição de Emmerson Mnangagwa, em 1º de agosto de 2018, em Harare| Foto: ZINYANGE AUNTONY/ AFP

Austin Mushanguri balança a cabeça em desânimo e se afasta dos refrigeradores de um abastado supermercado na capital do Zimbábue depois de ler uma placa dizendo que os clientes só podem comprar uma garrafa de cerveja em vez das 12 que ele gostaria de comprar. 

Cenas semelhantes estão ocorrendo em toda a nação do sul da África, onde a escassez de câmbio e medidas de austeridade fazem com que os consumidores tenham que enfrentar longas filas para tudo, seja para comprar combustível a pão e açúcar, além dos preços mais altos. É o mais recente desafio ao governo recém-eleito do presidente Emmerson Mnangagwa , que está tentando reconstruir uma economia destruída pelo desgoverno do ex-líder Robert Mugabe. 

"Como eles esperam que eu fique em filas de mercados mais de 12 vezes para comprar uma única garrafa dessa cerveja?", perguntou Mushanguri, de 41. "Isso não é o que votamos, não é o que esperávamos depois das eleições". 

Os zimbabuanos estavam otimistas em relação a um renascimento econômico quando os militares derrubaram Mugabe em novembro do ano passado, após quase quatro décadas no poder. Isso levará tempo e "acarretará dor e a necessidade de sacrificar ganhos de curto prazo para prosperidade a longo prazo", segundo o ministro das Finanças, Mthuli Ncube, que Mnangagwa nomeou no mês passado para atrair investimentos estrangeiros, reduzir o desemprego em massa e o déficit fiscal. 

Ncube introduziu um aumento de impostos nas transferências de dinheiro na semana passada para tentar estabilizar as finanças do governo. O anúncio provocou um aumento nos preços básicos das commodities, alimentando temores de uma espiral inflacionária e levando à formação de longas filas nos postos de gasolina. 

Muitas lojas, sob pressão do governo, estão restringindo as compras dos clientes para evitar o acúmulo e garantir que todos recebam alguma coisa. Outros foram mais longe: a Yum Brands Inc., dona de cadeias de fast-food, fechou temporariamente algumas de suas lojas KFC nesta semana, dizendo que não conseguiu encontrar dólares suficientes para pagar fornecedores. 

Na quinta-feira, a polícia prendeu e espancou dois líderes do principal sindicato do país em protestos pelo aumento do custo de vida, disse o grupo trabalhista em um comunicado. 

Moeda

O Bond, uma espécie de nota promissória usada como moeda, despencou em valor. Agora, são necessários 4,3 delas para comprar um dólar dos EUA – a taxa de câmbio mais fraca já registrada, de acordo com o Zim Bollar Index, um site local. No início de setembro, a taxa era de 1,75. 

Esta ‘moeda’ foi introduzida há dois anos e deveria representar o valor de um dólar. O Zimbábue, depois de ter desmantelado seu próprio dólar para acabar com a inflação de 500 bilhões de euros em 2009, aceita o bond, o dólar americano, o euro e o rand (África do Sul), entre outros, como moedas legal. 

O valor das ações também está variando bastante. O principal índice do mercado de ações subiu 60% esta semana. 

Nos mercados distorcidos do Zimbábue, o aumento dos preços das ações é – como na Venezuela, onde o Fundo Monetário Internacional diz que a taxa de inflação chegará a 1.400.000% – um sinal de que as tensões estão aumentando no sistema financeiro. Os operadores locais acumulam ações quando os bonds se desvalorizam, acreditando que a inflação irá acelerar. 

"O aumento das ações é um espelho inverso da escassez local de dólares", disse Hasnain Malik, diretor global de pesquisa de ações da Exotix Capital, em Dubai, em nota a clientes no dia 11 de outubro. 

Falta confiança

A escassez de moeda estrangeira está tornando a vida mais difícil para os zimbabuanos. 

"Agora estamos cobrando 20 dólares americanos por um raio X ou 100 bonds", disse Itai Chamunorwa, que trabalha em uma clínica privada de cirurgia na capital Harare. "Estamos apenas seguindo o que os outros estão fazendo".

Outras empresas pararam de aceitar bonds ou pagamentos eletrônicos – que são ainda menos valiosos do que as notas – e só aceitam dinheiro vivo.  

O presidente do Banco Central, John Mangudya, disse nesta semana que o Zimbábue tem divisas estrangeiras suficientes para pagar as importações de combustível, trigo e outros itens. A queda do valor dos bonds é causada por "oportunistas" que tentam semear "pânico e desânimo desnecessários", segundo ele.  

Mnangagwa, de 76 anos, pediu calma. 

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"Todos devemos ser realistas", escreveu ele no Twitter. "Não há balas de prata ou soluções rápidas. Não há necessidade de entrar em pânico. O governo está garantindo a disponibilidade de todas as mercadorias essenciais". 

Os zimbabuanos ainda precisam ser convencidos, de acordo com John Robertson, economista em Harare. 

"Tudo se trata da falta de confiança na capacidade do governo para resolver problemas", disse ele. "As pessoas facilmente entram em pânico. Tornou-se um problema psicológico e não de sentido econômico". 

Para Mushanguri, que gosta de tomar cerveja, a realidade está muito longe do que ele achava que aconteceria depois das eleições. 

 "Todas as grandes esperanças que tivemos estão desaparecendo rapidamente", disse ele.

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