A provável derrubada da decisão que autorizou em 1973 o aborto nos Estados Unidos em determinadas circunstâncias, indicada no rascunho de uma decisão majoritária da Suprema Corte divulgada pela imprensa esta semana e que devolveria aos estados americanos a liberdade de legislar sobre o assunto, transformou a interrupção voluntária da gravidez no assunto mais importante das eleições de meio de mandato no país, marcadas para novembro.
Nesse pleito, estarão em disputa todas as 435 cadeiras da Câmara dos Representantes e 35 dos cem assentos no Senado. Além disso, haverá eleições para governador em 39 estados e territórios, além de outras disputas estaduais e locais.
Eleições de meio de mandato costumam ser complicadas para o presidente do momento, e Joe Biden tinha pela frente uma perspectiva ruim devido às altas taxas de inflação: em março, o índice atingiu 8,5%, o maior para um período de 12 meses desde dezembro de 1981.
Nesta quarta-feira (4), o Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, efetuou o segundo aumento de juros consecutivo, desta vez com uma elevação em 0,5 ponto percentual, a maior desde 2000.
A oposição republicana esperava que a insatisfação dos americanos com os preços em alta a ajudasse a obter a maioria tanto no Senado, onde a legenda e os democratas dividem a casa, mas há o voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris, quanto na Câmara dos Representantes, onde os democratas têm 221 cadeiras e os republicanos, 209.
Não há dúvida de que a definição sobre a jurisprudência federal relativa ao aborto, que deve ser anunciada oficialmente pela Suprema Corte antes das eleições de novembro, terá grande peso na votação – a dúvida é qual lado será mais beneficiado.
O analista político Chris Ellis, codiretor do Instituto Bucknell de Políticas Públicas, destacou à Fox56, afiliada da rede Fox no nordeste da Pensilvânia, que a derrubada da decisão Roe vs. Wade não mudaria os votos de muitos eleitores, “porque as pessoas que pensam sobre o aborto quando estão tentando definir como votar já estão bem decididas, mas pode ajudar a mudar a lacuna de entusiasmo [entre republicanos e democratas]”.
“O que temos visto há muito tempo é que as pessoas do lado pró-vida estão consistentemente mais engajadas, mais motivadas, mais propensas a votar baseadas nesta questão do que as pessoas do outro lado”, ressaltou.
Na terça-feira (3), Biden fez um apelo para que os americanos votem em candidatos favoráveis ao aborto nas eleições legislativas. “Se a Suprema Corte anular Roe vs. Wade, ficará a cargo dos legisladores eleitos em todos os níveis a responsabilidade de proteger o direito das mulheres de decidir”, alegou o presidente.
A deputada Susan Wild, democrata da Pensilvânia, disse ao New York Times que acredita que a questão do aborto contribuirá para um maior comparecimento de partidários de Biden às urnas.
“As pessoas estavam preocupadas com a apatia dos eleitores para as eleições de meio de mandato e o não comparecimento para votar – bem, a Suprema Corte acaba de nos dar uma razão para as pessoas votarem”, argumentou.
Entretanto, a eventual derrubada de Roe vs. Wade também pode aumentar a mobilização do lado contrário.
“Qualquer um que apoie o aborto até o fim e queira que os contribuintes paguem por ele não é um candidato viável. E acho que os democratas vão começar a ver isso nas urnas”, argumentou Marjorie Dannenfelser, presidente do grupo ativista antiaborto Susan B. Anthony List, em entrevista à MSNBC na terça-feira.
O estrategista republicano Glen Bolger também acredita que a decisão da Suprema Corte poderá estimular o voto antiaborto.
“O consenso agora é que [a derrubada de Roe vs. Wade] ajuda os democratas porque vai estimular a participação [de eleitores favoráveis ao aborto], mas certamente também pode estimular o comparecimento dos republicanos de base”, apontou, em entrevista ao New York Times.
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