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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, antes da cúpula dos Bricas no Itamaraty, Brasília, 14 de novembro de 2019
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, antes da cúpula dos Bricas no Itamaraty, Brasília, 14 de novembro de 2019| Foto: Pavel Golovkin / POOL / AFP

Enquanto as bombas e os foguetes russos caíam sobre a cidade de Debaltseve, em fevereiro de 2015, as tropas ucranianas no local começaram a receber curiosas mensagens de texto anônimas em seus celulares. "Seus camaradas ao redor já deixaram suas posições, então você deve deixar a sua também", dizia uma mensagem.

As mensagens também afirmavam que Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia na época, e comandantes militares ucranianos haviam "traído" seus soldados.

Mais tarde, os militares ucranianos concluíram que as forças militares russas haviam assumido a rede local de celulares com estações móveis de interferência.

As mensagens de texto faziam parte de uma operação psicológica contra as tropas ucranianas - com intenção não muito diferente da estratégia de soltar folhetos de propaganda de aviões, uma técnica de guerra psicológica que remonta à Primeira Guerra Mundial como uma maneira de desmoralizar as tropas.

"As notícias falsas são uma arma", disse-me meu amigo Viktor Kovalenko.

Kovalenko, que é ex-jornalista e veterano de combate do exército ucraniano na batalha de Debaltseve, acrescentou: "Por meio de notícias falsas, os russos queriam derrotar os ucranianos da mesma maneira que por artilharia e tanques".

Na Ucrânia, as forças militares russas combinaram armas e táticas da Primeira e da Segunda Guerra Mundial - como bombardeios de artilharia, ataques por tanques e guerra de trincheiras - com armas exclusivas do campo de batalha do século 21, como ataques cibernéticos e sofisticadas campanhas de propaganda nas mídias sociais.

Em 1943, no meio da Segunda Guerra Mundial, os comandantes da Força Aérea Britânica declararam que o objetivo de sua ofensiva combinada de bombardeiros era "destruir progressivamente os sistemas militar, industrial e econômico da Alemanha e minar o moral do povo alemão a um ponto em que sua resistência armada estivesse fatalmente enfraquecida".

Esse decreto da década de 1940 parece muito com os objetivos da guerra híbrida russa contemporânea.

Assim como o poder aéreo estratégico no século passado, as táticas híbridas da Rússia têm como alvo a infraestrutura, o complexo industrial militar e o moral civil da Ucrânia.

Em setembro de 2014, o general norte-americano Philip Breedlove, então comandante da OTAN, chamou a guerra híbrida da Rússia na Ucrânia de "a mais incrível tática de guerra de informação blitzkrieg que já vimos na história da guerra de informação".

Entramos em uma nova era de conflito, em que o poder de um país no cenário mundial não é mais medido por seu poderio econômico, militar ou diplomático. Em vez disso, o audacioso uso da desinformação para moldar a opinião pública internamente e no exterior permite que um país como a Rússia se supere ao tentar definir eventos mundiais.

A Rússia é o mestre neste jogo. Os EUA, por sua vez, estão lutando para acompanhar.

Em 2014, os Estados Unidos e a União Europeia aplicaram sanções econômicas punitivas a Moscou por sua agressão na Ucrânia. Desde então, as relações entre a Rússia e o Ocidente atingiram o seu ponto mais baixo desde a Guerra Fria.

Usando a guerra cibernética e um império de propaganda transformada em arma, a Rússia embarcou em uma guerra híbrida relâmpago contra as democracias ocidentais. Olhando para trás, está claro que a Ucrânia foi a salva inicial da guerra em curso da Rússia contra a ordem mundial democrática liderada pelos americanos.

A Rússia usou a guerra na Ucrânia como campo de teste para suas doutrinas modernas tanto de guerra convencional quanto híbrida, fornecendo um estudo de caso para os novos tipos de ameaças à segurança que os EUA e seus aliados ocidentais podem prever de Moscou.

As forças militares dos EUA na Europa tomaram nota, prudentemente, e estão se esforçando para prever como a Rússia pode integrar vários domínios de combate em uma ofensiva militar híbrida.

A guerra híbrida russa não é uma guerra secreta. Pelo contrário, ela é o uso combinado da força militar convencional com outros meios, como ataques cibernéticos e propaganda - tanto no campo de batalha quanto por detrás das linhas de frente.

Na guerra convencional, os efeitos do combate são limitados ao alcance das armas utilizadas. Na guerra híbrida, no entanto, o campo de batalha não conhece limites.

Os velhos paradigmas da justiça da guerra - que incluem métricas como a proporcionalidade do uso da força mortal - estão sendo desafiados nesta era da guerra híbrida. Por exemplo, é eticamente defensável lançar ataques aéreos letais em retaliação a um ataque cibernético?

Para agravar esses dilemas éticos, a guerra híbrida é inerentemente projetada para criar confusão no campo de batalha, principalmente no processo de comando e controle, atrapalhando o reconhecimento da situação pelas tropas da linha de frente e por seus comandantes.

Para os militares ocidentais, que preferem ataques de precisão com risco mínimo de danos colaterais, esse tipo de confusão pode ser paralisante.

Não há dúvida de que as forças armadas americanas são superiores às da Rússia. Os gastos com defesa dos EUA em 2018 atingiram US$ 649 bilhões, em comparação com os US$ 61 bilhões da Rússia naquele ano. Economicamente, também, a Rússia está longe da América, com um produto interno bruto que equivale a cerca da metade do da Califórnia - similar ao da Coreia do Sul.

No entanto, nesta nova era de guerra híbrida, a Rússia é capaz de ameaçar os interesses de segurança dos EUA e minar a estabilidade da ordem mundial democrática sem recorrer à ação militar direta.

Em vez disso, ao transferir o ônus da escalada de conflitos para seus adversários, a Rússia testa se nossos líderes, no Ocidente, estão dispostos a retaliar contra atividades não letais, as chamadas "zonas cinzentas", com força militar letal. Assim, apesar de suas fraquezas convencionais, a Rússia é uma superpotência híbrida com uma capacidade incomparável de controlar a economia da atenção no mundo.

A Rússia transformou informações em arma ao enviar suas organizações de mídia estatais para minar as sociedades e as instituições democráticas ocidentais. E, aproveitando os níveis historicamente baixos de confiança no jornalismo, a guerra de informação da Rússia é direcionada com precisão às populações ocidentais por meio da Internet e das mídias sociais.

Essas atividades manipularam e inflamaram divisões na sociedade americana - muitas vezes colocando os americanos uns contra os outros.

As audiências do processo de impeachment do presidente Donald Trump na semana passada foram uma evidência clara da atual polarização da política americana e de como nossa sociedade se tornou irremediavelmente dividida. Esse novo status quo deve preocupar os americanos de todas as posições políticas. Acima de tudo, essa é uma vitória para a Rússia.

Em um de seus discursos mais famosos da Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill disse:

Nós lutaremos nas praias; lutaremos nas pistas de aterrissagem; lutaremos nos campos e nas ruas; lutaremos nas colinas. Nunca nos renderemos.

Em nosso próprio tempo, já estamos em conflito com a Rússia, mesmo que não saibamos.

Mas as futuras batalhas desse conflito não serão necessariamente as disputadas por território, usando tanques, tropas ou aviões de guerra. Em vez disso, lutaremos contra a Rússia no ciberespaço e nos campos de batalha da informação.

Acima de tudo, lutaremos pela soberania da mente de nossos cidadãos.

E, no final, devemos reconhecer que a verdadeira origem das ameaças contra nossa nação vem do exterior e não cair na armadilha da Rússia, lutando contra nós mesmos.

©2019 The Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês

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