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Juan Guaido cumprimenta um voluntário do movimento "Ajuda e Liberdade da Coalizão Venezuela", que desmaiou durante uma manifestação em Caracas | YURI CORTEZ/AFP
Juan Guaido cumprimenta um voluntário do movimento "Ajuda e Liberdade da Coalizão Venezuela", que desmaiou durante uma manifestação em Caracas| Foto: YURI CORTEZ/AFP

Desde janeiro, a oposição venezuelana, sob a liderança de Juan Guaidó, vem mostrando que as ações pela saída do ditador Nicolás Maduro e realização de novas eleições não serão interrompidas como em outras ocasiões – a mais recente nos protestos de 2017. Guaidó se declarou presidente interino, obteve apoio de mais de 50 países, entre eles EUA e Brasil, e tornou-se uma boa opção para manter a oposição unida e liderar o país por um ciclo eleitoral completo. 

Analistas políticos e articuladores dos partidos de oposição estimam que pode levar até um ano entre a saída do chavista e a realização de novas eleições. A questão é como se comportarão os diferentes grupos opositores com relação à eleição. 

"Já existe na Venezuela um processo de transição democrática que não será detido. Está surgindo um governo de transição. Juan Guaidó é o presidente interino", afirma Lorent Saleh, ativista venezuelano que ficou preso quatro anos e hoje integra o grupo que articula a redemocratização. 

Saleh foi preso em 2014, na mesma época que Leopoldo López (fundador do partido Voluntad Popular) e Daniel Ceballos. Ele explica que o movimento opositor atual surgiu em 2007 e está unido para concretizar a mudança de governo. "Somos todos da mesma geração, os mesmos que foram presos lutando, em 2007, e hoje temos o papel de liderar esse processo. Há uma unidade de ação, de objetivos e de metas a cumprir. Há uma força opositora que a cada dia está maior e mais consolidada."

Dentro do VP, se discute apoiar a candidatura de López, atualmente em prisão domiciliar. A mulher do político, Lilian Tintori, anunciou na semana passada que o marido "com certeza decidirá se apresentar candidato", quando estiver em liberdade e com seus direitos políticos recuperados. 

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Para isso, Guaidó deve construir o caminho da transição como presidente interino, convocar as eleições e então apoiar López, seu mentor político e articulador de sua ascensão repentina. "Ele conversa com Guaidó, que agora é o presidente, com todos os membros do Voluntad Popular e dos outros partidos - os maiores e o menores. Ele se encarregou de unir a oposição", disse Lilian ao Washington Post. 

Outros partidos estão representados no governo paralelo e líderes opositores têm apoiado Guaidó. Julio Borges, do Primero Justicia, por exemplo, representa o autoproclamado governo na OEA. Entre os embaixadores que Guaidó designou está María Teresa Belandrio (Brasil), coordenadora do Vente Venezuela, e Humberto Calderón Berti, do partido Copei. 

A histórica fragmentação da oposição venezuelana, porém, pode inviabilizar a candidatura de Guaidó. Outros líderes, como María Corina Machado (Vente Venezuela) e Henry Ramos Allup (Acción Democratica) já declararam que também serão candidatos. 

"Talvez seja necessário articular a candidatura de Guaidó como único capaz de manter a oposição unida e liderar o país por um período um ciclo completo, o que então configuraria uma ruptura importante no processo político venezuelano", explica o jornalista Daniel Lara, que fugiu do país após perseguição do governo. 

Participação de chavistas e militares nas eleições

Alguns líderes da oposição venezuelana já falam publicamente em uma transição que inclua autoridades chavistas e militares, depois de a oferta de anistia combinada com a pressão pela entrada de ajuda humanitária provocou poucas deserções na cúpula das Forças Armadas. Nos últimos dias, o vice-presidente do Parlamento, Stalin González, e o representante diplomático do líder opositor Juan Guaidó nos EUA, Carlos Vecchio, deram declarações nesse sentido. 

A pouca probabilidade de a Casa Branca recorrer a uma intervenção militar e o forte apoio ao chavista Nicolás Maduro de China e Rússia, que têm investimentos na Venezuela, assim como as ressalvas da União Europeia ao modo como os EUA têm articulado a mudança de regime, também contribuem para uma transição negociada, segundo analistas consultados pelo Estado.

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Na quinta-feira, González, do partido Um Novo Tempo, disse ser a favor de o chavismo e os militares terem papel na transição. Para ele, a oposição deveria apresentar uma candidatura única em eleições democráticas monitoradas internacionalmente, com o chavismo entre as forças políticas habilitadas a disputá-las. 

Vecchio, um dos líderes do partido Voluntad Popular, disse que esse papel pode ser desempenhado pelos deputados chavistas eleitos para a Assembleia Nacional, de maioria opositora. 

"Temos de resgatar a convivência democrática", disse Vecchio em debate promovido pela revista digital Efecto Cocuyo. "Os chavistas podem construir a transição a partir da Assembleia. A base chavista não pode pagar pela corrupção da elite madurista."

A mudança de tom se explica pela pequena adesão da cúpula militar a Guaidó. Até agora, apenas um general e dois coronéis romperam com Maduro. Os mais de 2 mil generais comandam setores importantes da economia, como a PDVSA, a extração de ouro e a distribuição de alimentos. 

"Ficou claro que a oposição precisa de um plano B. É por isso que muitos já falam da necessidade de novas eleições, até mesmo com o reconhecimento por parte da oposição de que a transição terá de envolver o chavismo", disse ao Estado Geoff Ramsey, especialista do Washington Office on Latin America. "Você tem de oferecer algo ao regime além da anistia. Por isso, é positivo que a oposição considere este cenário.

Casos de corrupção também pesam sobre a oposição

Henrique Capriles era principal político opositor ao chavismo em 2013, quando concorreu contra Maduro e perdeu por uma pequena margem de votosJUAN BARRETO/AFP

A ascensão de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela levantou uma questão: como um jovem de 35 anos, aliado do opositor preso Leopoldo López, se tornou a principal voz da oposição? Além da perseguição política do chavismo e da fuga de muitos líderes opositores, denúncias de corrupção ajudaram a manchar a imagem de muitos políticos tradicionais. O caso mais emblemático é de Henrique Capriles. 

Em 2013, Capriles quase derrotou Maduro na primeira eleição presidencial após a morte de Hugo Chávez. Desde então, apesar de alguns lampejos de liderança, desapareceu. Seu desterro começou com a série de denúncias de que ele teria recebido propina da construtora Odebrecht. 

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Um levantamento realizado pelas autoridades da Suíça revelou que a oposição venezuelana recebeu da construtora milhões de dólares em contas em paraísos fiscais. Segundo o relatório, pelo menos dez campanhas eleitorais de grupos de oposição foram turbinadas por recursos ilegais da empresa brasileira entre 2006 e 2013. 

Um dos principais beneficiados teria sido o grupo de empresários e pessoas aliadas de Capriles, com movimentações de mais de US$ 15 milhões.

Em um documento produzido pelos suíços, ainda em 2017, as autoridades afirmam que "Capriles teria recebido subornos relacionados a obras realizadas em Miranda, Estado no qual o grupo Odebrecht realizou obras importantes". Parte da investigação tem como base documentos de bancos suíços repassados às autoridades venezuelanas ainda em 2017. 

A forma utilizada para permitir que o dinheiro chegasse à oposição era o uso de uma série de empresas de fachada e em nome de aliados de Capriles, entre eles Romulo Lander Fonseca e Juan Carlos Briquete Marmol, irmão de Armando Briquet, um político do Estado de Miranda, onde Capriles havia sido governador. 

Uma das contas identificadas e suspeita de fazer parte de um esquema de apoio à oposição é da empresa de fachada Link Worldwide Corp, com sede no Panamá. A conta 1446568, no HSBC Private Bank da Suíça, foi aberta em 4 de agosto de 2005 e tem como beneficiários os dois empresários. Entre 26 de agosto de 2011 e 10 de abril de 2013, a conta recebeu 940 mil euros e US$ 3,9 milhões em pagamentos da Odebrecht. 

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Para fazer os depósitos, a construtora brasileira usava suas próprias empresas de fachada, entre elas a Klienfeld e a Trident, também identificadas na Operação Lava Jato. 

Ainda existem contas relacionadas aos empresários no banco Sarasin, fechadas em 2016. Entre 24 de outubro de 2012 e 14 de novembro de 2012, a empresa Blue Skies Investments, com sede no Panamá e também tendo Fonseca como beneficiário, recebeu na Suíça mais US$ 785 mil. O dinheiro foi depositado pelos intermediários da Odebrecht. 

Briquet Marmol ainda aparece como beneficiário da empresa de fachada Briq Corp, também com sede no Panamá. Entre maio e junho de 2012, foram registrados pagamentos para essa conta no valor de US$ 2,6 milhões por parte das intermediárias da Odebrecht. Em fevereiro de 2017, essa conta somava US$ 6,5 milhões. 

Um dos intermediários destacados é justamente Armando Briquet, irmão de Juan Carlos Briquet Marmol. Armando chegou a ser um dos expoentes, em Miranda, do partido Primero Justicia, comandado por Capriles. Em 2013, em seu canal na Internet, o líder opositor declarou que, se os "corruptos do governo me atacam, isso quer dizer que vamos pelo bom caminho". "Que digam o que queiram", afirmou Capriles. "Eles têm ciúmes."

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