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Vista geral do bairro Petare, em Caracas, a maior favela venezuelana
Vista geral do bairro Petare, em Caracas, a maior favela venezuelana| Foto: EFE/RAYNER PEÑA R

Em pouco mais de uma década, a Venezuela deixou de ser um dos países mais ricos da América Latina para se tornar a nação mais pobre das Américas, passando o Haiti.

Uma pesquisa sobre as condições de vida na Venezuela publicada em setembro apontou que 94,5% da população vivem em situação de pobreza, e mais de três em cada quatro venezuelanos sofrem com a pobreza extrema, com renda insuficiente para garantir suas necessidades alimentares básicas.

Entre as causas desse colapso estão “mais de duas décadas de políticas econômicas compostas por controle de preços, controle de câmbio das divisas, violações ao direito à propriedade privada, irresponsabilidade fiscal na gerência de recursos públicos, especialmente aqueles decorrentes da indústria do petróleo, e corrupção”, resume o cientista político venezuelano William Clavijo, doutor em politicas públicas, estratégias e desenvolvimento.

A evolução dos indicadores econômicos nos últimos anos demonstra o agravamento da crise e a deterioração das condições de vida na Venezuela.

Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), até o final deste ano, o PIB per capita da Venezuela deve cair para US$ 1.630, o menor valor entre os países das Américas, incluindo o Haiti (US$ 1.690). Em 2011, o PIB per capita no país era superior a US$ 12 mil.

Em 2011, o Produto Interno Bruto da Venezuela atingiu o seu pico da última década, na faixa de US$ 353 bilhões. Ainda segundo o FMI, o PIB venezuelano caiu para US$ 47 bilhões em 2020, uma redução de mais de 86% no período.

Desde 2017, o país enfrenta ainda a hiperinflação. Para este ano, a estimativa do FMI é de uma inflação de 2.700% na Venezuela. O ápice da hiperinflação foi em 2018, em torno de 136.000%.

O trabalhador venezuelano precisa ainda lidar com a profunda desvalorização do seu salário. Enquanto em 2012 o salário mínimo venezuelano era de cerca de US$ 200, com base na cotação do preço do dólar no mercado paralelo, em maio de 2020 ele já tinha caído para a faixa de US$ 2,30 mensais.

As causas

Dona das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela é um petroestado, ou seja, sua economia é altamente dependente da indústria do petróleo. Isso significa que o país é vulnerável às mudanças de cenário dessa indústria no mercado internacional – quando o preço do petróleo sobe, as suas receitas aumentam, e vice versa.

Assim como outros grandes produtores de petróleo, a Venezuela foi afetada pela queda nos preços da commodity, especialmente a partir de 2014. Essa não foi a primeira vez que isso ocorreu. Porém, dessa vez, decisões políticas colaboraram para o declínio econômico.

“As diferenças do processo atual, durante os 20 anos dos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, são muito mais graves, porque esse problema estrutural da Venezuela teve como agravante adicional a opção por um corolário de políticas econômicas que violaram os direitos econômicos da população”, diz Clavijo, que também é bolsista de pós-doutorado em programa da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Controle de preços

A primeira dessas políticas que contribuíram para que a Venezuela chegasse à situação atual foi o controle de preços, aponta Clavijo.

“O chavismo acabou com o sistema de preços. E, ao querer controlar os preços, desestimulou a produção nacional”, diz.

Muitas vezes, os custos da produção eram mais altos do que os preços estabelecidos pelo Estado, e quem não vendia por esses preços estava sujeito a multas, expropriações ou outras penalizações.

Estatização

Outro fator foi a estatização de mais de mil empresas de diversos setores da economia, incluindo telecomunicações, energia e agricultura. “Isso acabou destruindo a capacidade produtiva que existia no país”, avalia o cientista político.

Segundo ele, durante o período democrático, a Venezuela conseguia fornecer serviços de eletricidade, água, entre outros, com qualidade e estabilidade. Mas os governos de Chávez e Maduro “acabaram com isso, porque essas empresas quebraram”.

Controle do câmbio

Para Clavijo, outra decisão política que foi “muito perniciosa” para a economia venezuelana foi a decisão do governo Chávez, em 2003, de controlar o câmbio de divisa.

O governo passou a controlar a venda de dólares, estabelecendo um preço artificialmente baixo para a moeda estrangeira. Com isso, ficou mais barato importar produtos do exterior do que produzi-los no país, o que “desestimulou fortemente a produção nacional”, diz Clavijo.

Corrupção e falta de autonomia

Completando a equação estão problemas associados à corrupção na administração federal venezuelana, principalmente envolvendo a estatal de petróleo PDVSA.

No começo dos anos 2000, a PDVSA era uma empresa pública eficiente, com grande capacidade de produção e refino de petróleo e ambiciosos planos de internacionalização que estavam dando certo.

“Hugo Chávez chega com um pacote de reformas, toma o controle da empresa e acaba com as suas políticas de autonomia e meritocracia, que permitiam que a empresa tivesse bons resultados”, relata Clavijo.

Chávez começa então a usar as receitas petrolíferas da PDVSA para atividades não essenciais à indústria do petróleo e para financiar políticas sociais e planos de internacionalização. Isso inclui os supostos financiamentos de partidos políticos aliados na América Latina e na Europa.

“A exploração de petróleo envolve riscos. A empresa precisa usar parte de suas receitas para financiar atividades de exploração e produção. Isso não aconteceu da forma como deveria”, explica o especialista, acrescentando que o governo Chávez demitiu milhares de trabalhadores capacitados, enquanto também começaram a acontecer casos de corrupção na empresa estatal de petróleo, fatores que prejudicaram a capacidade técnica da empresa de manter a produção e a qualidade.

Sem retomada

Somado a tudo isso, a Venezuela começa em 2007 a fazer emprétimos e a se endividar com a China e outros mercados internacionais.

“Quando em 2014 o preço do petróleo cai, descortina-se uma crise muito mais complexa do que só a questão conjuntural associada à cotação do preço do barril”, afirma Clavijo.

Quando ocorreu a queda dos preços do petróleo, todos os países produtores foram afetados e tiveram que reformular seus planos de negócios. Porém, a Venezuela não estava preparada para lidar com esse cenário, porque “não manteve uma política econômica responsável”.

Portanto, quando esses países começam a se recuperar, a Venezuela não se recupera – devido à falta de investimentos, falta de poupança, de boa gestão da política macroeconômica do país e da empresa estatal de petróleo, entre outras questões.

O regime chavista e seus apoiadores culpam as sanções impostas pelos Estados Unidos pelo declínio da produção de petróleo na Venezuela e consequente crise econômica. A primeira sanção dos EUA contra a PDVSA foi imposta em 2017, impedindo a estatal de usar o sistema financeiro norte-americano para pagar por produtos e serviços.

“Porém, nos meses anteriores, a PDVSA já experimentava uma queda na produção de barris de petróleo. Desde 2014, a empresa já tinha entrado em uma linha de declínio acelerado, que nada tem a ver com as sanções”, afirma Clavijo.

Em 2019, o governo do presidente americano Donald Trump proibiu a importação de petróleo da Venezuela, o que causou um impacto muito grande sobre a PDVSA.

Naquela época, lembra Clavijo, o país enviava grande parte da sua produção de petróleo para a China, como pagamento da dívida. Uma parte da produção era destinada ao mercado interno, com preços subsidiados, e uma parte ainda era enviada para Cuba, para cumprir compromissos assumidos com a ditadura cubana, em troca de assessoria técnica nas áreas de contrainteligência, educação, saúde, entre outros.

“O principal destino das exportações do petróleo venezuelano, que geravam caixa para a empresa, eram os Estados Unidos. Quando o país impôs o embargo, obviamente a empresa ficou sem caixa, o que acelerou o declínio”, explica o cientista político.

Êxodo venezuelano

Nesse contexto, houve o aprofundamento do colapso dos serviços públicos. A população sofre com constantes crises no fornecimento de energia e nos sistemas de saúde e educação, entre outros, além da escassez de alimentos, medicamentos e combustíveis.

A Organização das Nações Unidas (ONU) classifica a situação da Venezuela como uma “emergência humanitária complexa”.

A deterioração das condições de vida em diversas formas provocou o êxodo migratório da Venezuela, que é a segunda maior crise migratória atual, atrás apenas da Síria – um país que passa por uma guerra civil que já dura mais de dez anos.

Desde o início da crise até novembro deste ano, mais de 6 milhões de venezuelanos deixaram o país, a maioria deles para outros países da América do Sul, principalmente a Colômbia.

Estima-se que, até 2022, haverá cerca de 8,9 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos em 17 países da América Latina e Caribe, segundo o a Plataforma de Interagencial de Coordenação para Refugiados e Migrantes da Venezuela (R4V), liderada pela Acnur, a agência da ONU para os Refugiados, e a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

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