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Crianças buscam água para levar para acampamento de refugiados internos em Juba, no Sudão do Sul, em novembro de 2018 | AKUOT CHOL / AFP
Crianças buscam água para levar para acampamento de refugiados internos em Juba, no Sudão do Sul, em novembro de 2018| Foto: AKUOT CHOL / AFP

Se um professor no Sudão do Sul quiser comprar um frango para o jantar, ele teria que guardar tudo o que ganha por dois meses inteiros – e ainda não seria suficiente.

Cinco anos de intensa guerra civil dizimaram a economia do Sudão do Sul e mataram cerca de 380 mil pessoas. Um terço da população está deslocado, metade das pessoas passa fome e centenas de milhares correm o risco de morrer de fome no país mais novo do mundo, segundo as Nações Unidas. 

Partes do Sudão do Sul – incluindo as principais áreas agrícolas – estão quase vazias porque as pessoas fugiram procurando segurança ou comida. Isso significa que aqueles que permanecem no Sudão do Sul estão contando com importações, mesmo que a queda na taxa de câmbio resulte em alimentos importados extremamente caros. E apesar do influxo de bilhões de dólares em ajuda alimentar, ataques a entregas, estradas ruins, inundações e interferência deliberada do governo significam que a comida muitas vezes não chega às pessoas que precisam dela. 

O resultado, de acordo com dados da ONU, é que, mesmo quando há comida disponível, muitos preços são tão altos – uma única refeição custa duas vezes a renda diária nacional, segundo um relatório divulgado este ano – que as pessoas não podem comprar o que veem nos mercados ou lojas. Isso está ameaçando piorar uma crise que já é o maior êxodo de refugiados da África desde o genocídio de Ruanda nos anos 90. 

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As pessoas estão sendo forçadas a fazer sacrifícios para sobreviver, disse Nicholas Kerandi, analista de segurança alimentar da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Alguns comem apenas uma refeição por dia. Outros cortam os custos de educação ou saúde. Muitos se tornam refugiados. 

“É uma maneira de lidar. Você tem menos dinheiro, mas ainda precisa comer”, disse Kerandi. 

Para alguém como John Leju Celestino Ladu, essas escolhas difíceis são reais demais. Ladu é professor assistente na Universidade de Juba. Ele ganha o equivalente a cerca de US$ 40 por mês. 

“A situação é tão terrível”, disse ele. “É muito ruim. É muito difícil”. 

Pegar o ônibus para ir e voltar do trabalho custa cerca de US$ 10 por mês. Como muitos sudaneses do sul, ele está cuidando não apenas de sua família mais próxima; ele também abriga outras dez pessoas. Alguns não têm instrução e não conseguem um emprego no mercado, que é altamente competitivo. Outros perderam membros da família na guerra e precisam de apoio. 

Um quilo de carne para alimentar 15 pessoas custa cerca de US$ 5. Em vez de gastar dinheiro com carne, na maioria dos dias eles comem uma mistura de feijão e farinha de milho cozida chamada ugali. 

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Ladu, que tem um doutorado em ciências ambientais, complementa sua renda dirigindo sua motocicleta como táxi ou fazendo trabalhos como operário. Ele é uma das pessoas com maior nível de educação em um país onde menos de um terço da população sabe ler. Mas até ele pensou em se tornar um refugiado para sobreviver. 

No ano passado, as Nações Unidas declararam fome em algumas partes do país – e disseram que milhões de pessoas estavam em risco. Bilhões de dólares americanos foram enviados para ajuda alimentar. Somente os Estados Unidos, o maior doador, deram US$ 1,78 bilhão desde o início do conflito, segundo a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional, incluindo US$ 336 milhões este ano. Em maio, o governo Trump ameaçou cortar o financiamento para o Sudão do Sul, a menos que o conflito do país termine. 

Mas não é só conseguir doações de alimentos no país. O Sudão do Sul é um dos lugares mais perigosos do mundo para trabalhadores humanitários. O governo e as forças da oposição impedem ativamente que os alimentos cheguem a áreas de necessidade urgente, de acordo com uma declaração do secretário-geral da ONU. Autoridades do governo do Sudão do Sul disseram repetidamente que não negam o acesso. 

Michael Makuei Lueth, ministro da Informação do Sudão do Sul, disse que as estimativas da ONU sobre pessoas que passam fome não são substanciadas e que a realidade no país é diferente. Ele reconheceu que alguns no Sudão do Sul se tornaram refugiados econômicos, mas apontou para o acordo de paz como um sinal de progresso. 

“Definitivamente, com o acordo, a economia vai melhorar”, disse ele. “Porque tudo o que estava sendo gasto na guerra será usado para outras questões, especialmente para a melhoria da economia.” 

Em julho de 2013, dois anos após o país se tornar independente e antes do início da guerra, um professor ou funcionário do governo recebia um salário de cerca de US$ 350 por mês. Cinco anos após o início da guerra, o mesmo salário vale cerca de US$ 6 por causa da desvalorização da libra sul-sudanesa. 

Para esses professores, meio litro de leite agora custa quase a metade do orçamento mensal, US$ 2,70. 

Mas nem o salário de todos está perdendo valor. Peter Garang é uma das pessoas mais sortudas do Sudão do Sul. Ele trabalha como guarda de segurança em um prédio da capital e é pago em dólares americanos. Isso significa que toda vez que o valor da libra do Sudão do Sul cai, ele recebe mais dinheiro em troca. Mas ele diz que ainda não pode sobreviver sem economizar. 

“Isso não é suficiente para comprar comida”, ele disse. “Quando você desconta o seu salário, você não pode comprar nada”. 

Garang tem quatro filhos, mas apenas um está na escola. As mensalidades são muito altas. Ele também é responsável por seus três irmãos, duas irmãs e os pais dele e de sua esposa. 

Ele não compra mais frango ou grãos de sorgo. Até mesmo o preço de uma xícara de chá de um vendedor de rua o obriga a pensar duas vezes. 

Desde o início da última rodada de discussões de paz entre o presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, e o líder da oposição, Riek Machar, Garang diz que os preços caíram um pouco. Ele espera que desta vez o acordo se mantenha. 

Os líderes sudaneses do Sul fizeram inúmeras tentativas de negociações de paz – e quase todas falharam. Depois que o último acordo de paz entrou em colapso em julho de 2016, mais de 1 milhão de pessoas se tornaram refugiadas. 

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As esperanças são maiores para este acordo de paz porque foi negociado com o Sudão, país do qual o Sudão do Sul se separou em 2011 após décadas de guerra civil. 

O petróleo é o principal item de exportação e um dos principais motores da sua economia. Quando o país se separou do Sudão, concordou em canalizar seu petróleo para o norte. Os combates fecharam vários campos de petróleo, mas o Sudão prometeu fazê-los funcionar novamente como parte deste acordo de paz. 

“É claro que há um incentivo para o Sudão ajudar”, disse Thomson Fontaine, conselheiro sênior de gestão econômica e financeira do Joint Monitoring and Evaluation Commission, o grupo responsável pelo monitoramento da implementação do acordo de paz do Sudão do Sul. 

“Há uma sensação de que com a paz a economia poderia realmente decolar”, disse Fontaine. 

Além do petróleo, o país poderia contar com exportações de recursos naturais como ouro; exportações agrícolas de vegetais e goma arábica; e madeiras como mogno e teca. 

Mas grande parte da área mais produtiva do Sudão do Sul, chamada Equatoria, quase não tem mais habitantes desde que os combates se espalharam na região há dois anos. Por medo de serem acusados de ajudar os soldados da oposição ou para não serem pegos nos combates, muitas pessoas deixaram suas fazendas sem serem colhidas. A agência de alimentos da ONU estima que a área colhida foi reduzida em quase 50% desde o ano passado, distorcendo ainda mais os preços do mercado. 

“Isso está afetando minha família terrivelmente”, disse Ladu, o professor universitário. “A vida é miserável. Muito miserável”.

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