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itália coronavírus
Itália está em isolamento há mais de um mês| Foto: ANDREA PATTARO / S fornasier / AFP

Era a noite de 11 de março, há mais de um mês: o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, assinou o decreto que transformou toda a Itália em uma zona de guerra, uma medida anunciada dois dias antes em face do avanço de contágios e mortes, que primeiramente haviam sido dramaticamente subestimados.

Tudo fechou, excluindo as atividades essenciais, até 25 de março: “A Itália fecha por duas semanas”, era a manchete de Corriere della Sera. O efeito desse grande esforço, disse então Conte, só veremos em algumas semanas. Cálculo lógico: se a incubação do vírus pode durar até 14 dias, é somente após esse período que teremos uma diminuição nas infecções. Em 11 de março, havia 12.462 casos e 827 mortes no total.

Chegamos em 25 de março e vimos os efeitos desse grande esforço: o número total de casos registrados subiu para 74.386, mas os mortos subiram para 7.503. O aumento de casos era previsível, mas a multiplicação das mortes por quase dez não estava exatamente nos planos.

Desde então, outros vinte dias de segregação nos domicílios e de inatividade econômica se passaram e alcançamos 162.488 casos totais apurados (mas o número, como sabemos, é altamente subestimado), enquanto as mortes ultrapassaram 21 mil, com um crescimento que continua a ser cerca de 600 por dia (ou seja, mais de 463 no total contabilizado até 9 de março, o dia em que o governo decidiu bloquear).

Portanto, não vimos os resultados anunciados em 11 de março duas semanas depois, e nem agora que se passou mais de um mês, embora com um esforço de otimismo continuemos a dizer que estamos no auge. Além disso, nos últimos dias, foi declarado por várias partes que mesmo o número de mortes é definitivamente maior do que o que é registrado oficialmente. Seria o suficiente para questionar a estratégia "fique em casa". Ou pelo menos, para se fazer algumas perguntas sobre por que o bloqueio não funcionou.

Mas não, o bloqueio italiano funciona oficialmente e, se for o caso, é tudo culpa de quem passeia ou vai ao supermercado duas vezes por semana em vez de uma. Assim se desencadeia a guerra entre os pobres; o raciocínio é simples: se o senhor “da Silva” dá um passeio, tenho que passar mais tempo isolado. Pouco importa se, à luz da razão, não funcionar assim, a propaganda entra na cabeça e dita reações.

Assim, todo mundo se transforma em denunciante contra qualquer pessoa apanhada na rua, sem sequer se perguntar se ele tem um motivo reconhecido por lei; no supermercado, também verificam quantas compras você faz: nunca saia de casa apenas por algo estúpido; e se por acaso você encontra um conhecido e troca duas palavras, há quem feche a cara para você. O jornalismo que apoia o Estado desencadeia a caçada ao transgressor, dando a impressão de que as ruas ainda estão cheias de pessoas que, no entanto, estranhamente não se veem de nossas janelas.

É o socialismo real, sem que nem mesmo nos demos conta. Isso permite que aqueles que nos governam cubram suas deficiências e incapacidade e evitem responder a perguntas desconfortáveis. Por exemplo: deixemos de fora os 62 mil infectados confirmados no período entre 11 e 25 de março, finjamos que estavam infectados antes do fechamento total e também finjamos que várias restrições ainda não estivessem nas duas semanas anteriores; bem, mas aqueles 90 mil infectados de 25 de março a 15 de abril, como eles podem ser explicados? E como você explica essas 13.564 mortes no mesmo período (cerca de 65% do total)? Você realmente quer que acreditemos que tudo depende do cavalheiro que leva o cachorro para fazer suas necessidades e da senhora que vai ao supermercado, ou mesmo de quem, sozinho, foi dar uma corridinha?

Teria sido importante realizar uma investigação epidemiológica séria para entender onde e como as pessoas são infectadas, a fim de adotar medidas precisas, mas ninguém parece ter pensado nisso. E, assim, todo mundo em casa, é mais simples. E, em vez de investir em exames, testes, dispositivos médicos, compram-se drones para verificar estradas, montanhas e praias. Todos em casa, e indefinidamente, porque - agora está claro - o vírus não nos deixará facilmente. Enquanto isso, 60 milhões de pessoas estão sob prisão domiciliar.

Sim, 60 milhões de pessoas em casa, indiscriminadamente. No entanto, o total de infectados, mesmo multiplicando os números oficiais por dez (apenas para aumentar), é inferior a 3%. Você tem certeza de que políticas focadas nos infectados e no círculo de seus contatos não podem ser implementadas em vez de bloquear 95% da população? Mesmo que o país tenha demorado em responder, houve muito tempo para adotar contramedidas. E faz sentido tratar da mesma maneira a população que vive nos municípios mais afetados da Lombardia e nos da Sardenha, onde existem cerca de mil casos para 1,7 milhão de habitantes?

A Itália é o país com a maior taxa de mortalidade por Covid-19. Mas o governo e a grande imprensa da corte estão aqui para se gabar do modelo italiano, que todo mundo obviamente tentaria imitar. Aqui, no entanto, as coisas são diferentes, como este outro artigo explica. Não existe uma maneira única de lidar com o coronavírus, e certamente existem abordagens que funcionaram melhor do que a estratégia “chinesa” do governo de Conte. Porque aqui está uma grande mentira: fazer de conta que existem apenas duas opções: ou todos em casa ou todos fora. Não é assim.

Mas, nesse ponto, os modelos matemáticos intervêm, que nos dizem que se o governo italiano não tivesse fechado tudo, haveria centenas de milhares de mortes. E diante desse argumento, deve-se calar. Nas mídias sociais há então um surgimento de “pequenos estatísticos” que todos os dias nos mostram curvas, parábolas, vários modelos para demonstrar que em relação ao fechamento total – e por tempo indeterminado – não há alternativa.

Mas a verdade é que esses modelos não têm confiabilidade, são puros exercícios. É o mesmo discurso que se aplica aos modelos que prevêem o clima na Terra pelos próximos 50-100 anos e que pretendem nos convencer de que estamos à beira do abismo e que estamos destinados a morrer assados – sem mencionar que o que os modelos previram há vinte anos pontualmente não ocorreu.

Para o coronavírus, está muito na moda o estudo publicado em 16 de março pelo Imperial College London, obviamente muito influente, que sem o lockdown previa pelo menos 250 mil mortes para o Reino Unido e 1,1-1,2 milhões para os Estados Unidos. O estudo foi a base para a mudança na direção política do governo de Boris Johnson no Reino Unido. No entanto, como aponta uma análise publicada pelo Wall Street Journal, outro estudo foi publicado após alguns dias, desta vez da Universidade de Oxford, que em vez disso deu um cenário muito menos aterrorizante e até mesmo previu uma saída rápida da pandemia. Quem está certo? Provavelmente nenhum dos dois, aponta o Wall Street Journal, porque os modelos matemáticos não são confiáveis.

O motivo é simples: para haver um grau mínimo de confiabilidade, os modelos devem ser construídos com dados seguros e homogêneos, o mais numerosos possíveis. O que, no caso da Covid-19, é praticamente impossível: são poucos os elementos seguros sobre origem, contágio, evolução; portanto, qualquer resultado será condicionado pela percepção subjetiva da doença que têm aqueles que participam do estudo.

A questão é que os governantes não podem tomar decisões drásticas, com enormes custos sociais, econômicos e de saúde com base em modelos matemáticos construídos com dados incertos. Em vez disso, é preciso agir com cautela, calculando todos os fatores envolvidos. Ao contrário da percepção que temos hoje, na Itália não morremos apenas de coronavírus, pelo contrário: em 2019, 647 mil pessoas morreram na Itália. É preciso dizer que esta epidemia não pode ser absolutizada como se nada mais existisse; além disso, os danos à saúde causados pela permanência prolongada em casa, as consequências psicológicas e psiquiátricas que isso implica, sem mencionar o desastre econômico resultante da longa paralisação das atividades que, por sua vez, terão consequências dramáticas para a saúde e o sistema de saúde como um todo.

O que parece ser o cenário mais realista hoje é a presença do coronavírus por muitos meses, talvez anos, pelo qual se torna necessário conviver com ele. Continuar o fechamento total do país significa apenas estabelecer as bases para um desastre muito pior do que o vírus em si. É preciso mudar radicalmente o caminho para minimizar os danos seja da Covid -9 ou de seus efeitos colaterais.

*Riccardo Cascioli é bacharel em Ciências Políticas, jornalista e diretor do periódico “Il Timone”, e autor de “Il complotto demografico”, “Le Bugie degli Ambientalisti 1 e 2” (2004 e 2006) e “I padroni del pianeta”.

© 2020 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.

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