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Ted Osius começou sua carreira diplomática em 1984 | QUINN RYAN MATTINGLY/
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Ted Osius começou sua carreira diplomática em 1984| Foto: QUINN RYAN MATTINGLY/ NYT

Enquanto o presidente eleito Donald Trump se preparava para sua posse em 20 de janeiro de 2017, Ted Osius supôs que estava prestes a perder o emprego dos seus sonhos como embaixador dos Estados Unidos no Vietnã. "Pensei que seria jogado fora junto com lixo em 21 de janeiro", disse Osius, de 57 anos, diplomata de carreira há quase três décadas que trabalhou para o ex-vice-presidente Al Gore. 

Não foi o que aconteceu, no entanto, Osius rapidamente se desentendeu com o governo por causa dos esforços de Trump para deportar milhares de refugiados do antigo Vietnã do Sul que haviam ido para os EUA depois da Guerra do Vietnã. No final do ano passado, exigiram abruptamente que o ex-embaixador deixasse o Vietnã, poucos dias antes de Trump chegar para fazer um discurso no fórum da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico. 

Pouco depois, Osius pediu demissão do Departamento de Estado e se mudou para a cidade de Ho Chi Minh, capital comercial do Vietnã, como cidadão. Ele é um dos muitos diplomatas de carreira que trabalharam para presidentes de ambos os partidos, mas que deixaram seus empregos por causa de objeções às políticas do governo Trump. 

Em entrevistas, funcionários da Casa Branca e do Departamento de Segurança Interna defenderam as políticas de imigração do presidente para os vietnamitas. Eles disseram que quase todas as deportações planejadas a que Osius se opunha eram de refugiados vietnamitas condenados por crimes nos Estados Unidos, e que o governo Trump estava apenas pressionando o Vietnã e outros países "recalcitrantes" a cooperar com as leis de imigração dos EUA. 

"Se o ex-embaixador quiser que as leis mudem, damos as boas vindas a ele para ir ao Congresso e pedir aos legisladores para mudá-las", disse Katie Waldman, porta-voz do Departamento de Segurança Interna. Osius, no entanto, explica que se vê não como um rebelde, mas como um construtor de pontes.  

Perfil

Ele nasceu em Maryland, filho de um médico e uma professora de inglês do ensino médio, e cursou o ensino médio em Vermont. Seu interesse precoce em culturas estrangeiras foi forjado durante o ano sabático que passou no Oriente Médio após a formatura.  "Tenho fascínio pelas culturas que são muito diferentes da nossa", explicou ele em uma manhã recente na sala de sua casa em Ho Chi Minh, cercado pelos móveis que colecionou durante os anos que morou no Vietnã, na Índia e em outros países da Ásia. 

Osius entrou para o Departamento de Estado em 1984 depois de se formar em Harvard, e o primeiro de seus dez postos foi nas Filipinas. Ele contou que rapidamente descobriu que seu instinto diplomático natural – construir relações de confiança baseadas em interesses compartilhados – às vezes não estava de acordo com a política oficial dos Estados Unidos. 

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Ele culpou, por exemplo, o tom desdenhoso das negociações com a presidente Corazon Aquino, das Filipinas, pela perda de acesso dos Estados Unidos a importantes bases aéreas e navais naquele país no começo da década de 1990. "Ela era mulher e tinha pele escura", disse Osius sobre Aquino. "E nós éramos espertos, arrogantes e não conseguimos ouvir." 

Osius passou décadas construindo relações diplomáticas no Vietnã, um estado de partido único, onde serviu como autoridade política no final dos anos 1990. Uma de suas primeiras tarefas foi ajudar a abrir o Consulado dos EUA na cidade de Ho Chi Minh, antigamente chamada Saigon. Para ele, a ideia de ser escolhido embaixador no Vietnã – ou em qualquer outro lugar – era inconcebível em grande parte porque a cultura conservadora do Departamento de Estado tornou esses postos superiores proibidos para os diplomatas abertamente gays como ele. 

Oportunidade

Em 2014, porém, quando o então secretário de Estado John Kerry o recomendou ao presidente Barack Obama como o próximo embaixador no Vietnã, a política mudou. "Para ele em particular, vir para cá foi uma imensa alegria", contou Clayton Bond, marido de Osius e colega diplomata que também se demitiu do Departamento de Estado no ano passado. "Parecia que tinha ganhado na loteria." 

Inicialmente, segundo Osius, sua prioridade como embaixador era pressionar as autoridades vietnamitas a concordarem com padrões trabalhistas e ambientais ligados às negociações comerciais da Parceria Trans-Pacífico. (Trump mais tarde retiraria os Estados Unidos do acordo, um movimento que Osius descreveu como uma "ferida auto-infligida" nos interesses americanos.)  

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Em 2015, ele também convenceu o governo Obama a receber pela primeira vez um chefe do Partido Comunista do Vietnã na Casa Branca, um esforço para conquistar a elite do partido, que ainda mantinha uma visão profundamente antagônica dos Estados Unidos.  "Em retrospecto, isso acabou sendo a coisa mais importante que fiz", disse ele. O Vietnã e os Estados Unidos veem cada vez mais a cooperação em segurança e comércio como uma proteção contra a crescente influência regional da China. 

 A fluência de Osius na língua vietnamita e suas frequentes aparições públicas, às vezes junto com Bond e seus dois filhos, ajudaram a colocá-lo em uma posição de grande importância entre os vietnamitas.  O casal também serviu de modelo para homossexuais vietnamitas cujas famílias temem que sua orientação sexual os impeça de ter filhos ou carreiras de sucesso, explicou Luong Minh Ngoc, diretor do iSEE, grupo vietnamita de pesquisa que defende os direitos humanos.  

Virada de rumo

No entanto, as coisas mudaram depois da eleição de Trump em 2016. Entre outras coisas, o casal se perguntou se deveria deixar de exibir na porta do banheiro a placa "sexo neutro" – ou mesmo fotos dos dois e de seus filhos.  "Agora eu me tornei um problema porque sou negro?", perguntou-se na época Bond, cujo primo é o líder de defesa dos direitos civis Julian Bond. 

 Osius disse que apesar de suas profundas objeções à proposta do presidente de proibir pessoas de vários países de maioria muçulmana de viajarem para os EUA, ele decidiu trabalhar para o governo de qualquer maneira – em parte por lealdade à equipe da embaixada, mas também porque queria evitar danos às relações entre os EUA e o Vietnã. 

 No entanto, isso ficou mais difícil, segundo ele, quando lhe pediram que pressionasse o governo do Vietnã a aceitar a planejada deportação de mais de 8 mil vietnamitas dos Estados Unidos, a maioria dos quais refugiados do antigo Vietnã do Sul, que viajaram após o fim da guerra em 1975. Ele disse temer que muitos deles se tornassem casos de direitos humanos e afirmou que a medida poderia irritar Hanói e minar os interesses de Washington no comércio e na segurança da Ásia. 

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Em um comunicado, um alto funcionário do Departamento de Estado expressou seu "desapontamento" com os comentários de Osius. "O Departamento de Estado está tentando garantir que todos os nossos parceiros estrangeiros cumpram sua obrigação internacional de aceitar o retorno de seus cidadãos que violaram nossas leis", disse o oficial.  

 Hoje, Osius se tornou vice-presidente da nova Universidade Fulbright Vietnã, na cidade de Ho Chi Minh. No entanto, afirmou que planeja deixar o cargo em dezembro, em parte para escrever um livro. 

 Osius contou que terminou uma carreira diplomática de quase 29 anos porque não suportava a ideia de continuar a ser o representante pessoal de Trump. "Não pude imaginar de que maneira isso poderia ser consistente com o que eu sou e com o que valorizo", afirmou. 

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