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coronavírus
Membro da equipe médica verifica a temperatura corporal de uma paciente que apresentou sintomas leves do coronavírus COVID-19| Foto: Divulgação/China/AFP

Era 22 de janeiro quando o navio Kota Pemimpin deixou o Porto de Yantian, na província de Guangdong, na China, rumo ao Brasil, com paradas em Hong Kong e Singapura. Naquele momento, o novo coronavírus estava sendo monitorado, mas ainda não era uma situação de grande risco, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O boletim divulgado pela instituição naquele dia indicava um total de 314 casos, em 4 países. A chegada da embarcação na zona portuária de Santos, na quarta-feira passada, ocorreu em um cenário completamente diferente: o painel de situação da OMS apontava para mais de 75 mil casos naquele dia, espalhados em 26 países.

Pelas semanas transcorridas entre a saída da China até a chegada ao Brasil, uma eventual contaminação da tripulação do Kota Pemimpin pelo coronavírus já teria se manifestado. O tempo médio de incubação é de 5 dias, com intervalos que chegam a 12 dias, período necessário para os primeiros sintomas aparecerem. Mas a cautela passou a ser palavra de ordem, depois que a China e a própria OMS foram questionadas sobre as iniciativas tomadas após o início do surto.

A OMS recebeu a primeira notificação da China de casos de pneumonia de origem desconhecida em 31 de dezembro. Até 3 de janeiro, foram reportados 44 casos. As suspeitas sobre a origem da contaminação recaíam sobre o mercado de peixes de Wuhan, na província de Hubei, epicentro do surto – o local havia sido fechado já no dia 1º. Em 7 de janeiro, autoridades chinesas identificaram o agente causador da doença, um novo coronavírus, que teve a sequência genética compartilhada alguns dias depois para auxiliar na prevenção de outros países. Logo alguns países anunciaram casos importados, de pessoas infectadas na China: Tailândia, Japão e Coreia do Sul.

Mas as informações na China não estavam claras. Em comunicado enviado à OMS em 11 de janeiro, a Comissão Municipal de Saúde de Wuhan afirmou que “nenhum novo caso foi detectado desde 3 de janeiro”, o que não era verdadeiro. Em 21 de janeiro, a OMS divulgou o primeiro boletim epidemiológico da doença, inicialmente classificando a situação como risco moderado e depois elevando para alto risco. Em discurso no dia 23, o presidente da entidade, Tedros Adhanom, afirmou: “Esta é uma emergência na China, mas ainda não se tornou uma emergência global de saúde. Pode ser que vire uma”. Com base nisso, o governo chinês determinou nesse mesmo dia a quarentena de cerca de 40 milhões de pessoas na província de Hubei, na tentativa de conter o surto, que tinha infectado mil pessoas até então.

Entretanto, os números do contágio não paravam de crescer. Em 30 de janeiro, o boletim da OMS indicava 7.818 casos, concentrados na China (7.736) e espalhados por outros 18 países. Nessa data, a agência finalmente anunciou a declaração de emergência global de saúde. A iniciativa é importante porque a partir dela a OMS pode traçar recomendações aos países quanto a regras sobre viagens, quarentena, triagem, tratamento e protocolos básicos para atendimento. Em 11 de fevereiro, a OMS anunciou o nome oficial da nova doença: COVID-19.

Maior estudo

Ao longo das últimas semanas, o COVID-19 se alastrou por um total de 29 países, com mais de 76 mil casos, ainda concentrados na China (98,9%). Neste sábado (22), a Itália registrou a segunda morte causada pela doença, de uma mulher de 75 anos. O país europeu já soma 31 casos confirmados, a maioria na Lombardia, no norte italiano.

De acordo com a agência de notícias EFE, a região amanheceu neste final de semana com ruas vazias, atividades comerciais suspensas e órgãos públicos fechados. A população foi orientada a não sair de casa durante os próximos cinco dias. As medidas de precaução afetam cerca de 50 mil pessoas. Além das duas vítimas na Itália, a Europa também registrou uma morte na França, há uma semana.

Apesar da escalada no número de infectados, algumas notícias recentes podem soar tranquilizadoras. No dia 17, uma equipe do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China (CCDC, na sigla em inglês) publicou o maior estudo até então sobre a nova patologia: foram analisados dados de 72.314 pessoas, das quais 44,6 mil contraíram o COVID-19. O levantamento comprova uma baixa taxa de mortalidade (2,3%) e de gravidade da doença: 80,9% dos pacientes apresentaram sintomas moderados; 13,8% tiveram sintomas severos e 4,7% críticos. Os dados estão disponíveis na publicação China CDC Weekly.

O governo chinês também está divulgando notícias positivas, como a queda no número de novos casos diários: com exceção de Hubei, epicentro do surto, a tendência de queda está sendo observada desde 3 de fevereiro. Outra notícia destacada por Pequim é que pessoas já recuperadas do COVID-19 estão doando plasma sanguíneo para os convalescentes. Conforme anunciado pela Comissão Nacional de Saúde da China, o plasma de ex-pacientes que foram infectados pelo coronavírus contém anticorpos que podem reduzir a carga viral em pacientes graves.

Quarentena: a “velha” medicina no combate ao vírus

No Brasil, Planalto e Congresso precisaram correr para criar uma legislação prevendo a quarentena sanitária a tempo de tirar um grupo de brasileiros de Wuhan, epicentro do surto do novo coronavírus na China, antes de uma possível infecção. A condição para o retorno era o isolamento, para garantir que nenhum contágio ocorresse em território brasileiro – há pessoas que permanecem sem sintomas, mesmo infectadas pelo SARS-CoV-2, causador da COVID-19.

O projeto foi encaminhado pelo Executivo em 4 de fevereiro e dois dias após, já tinha virado a Lei nº 13.979/2020, dispondo sobre as medidas de emergência a serem tomadas com relação ao novo coronavírus. Com o texto vigente, foi dada largada à Operação Regresso, ação interministerial que possibilitou o retorno de 34 brasileiros da China. Eles desembarcaram em Anápolis (Goiás) em 9 de fevereiro, para uma quarentena de 18 dias. O período foi determinado em função do período de incubação do vírus e do resultado dos exames para comprovar o estado de saúde.

A quarentena está sendo uma medida largamente usada em todo o mundo no combate ao novo coronavírus. A China impôs o maior isolamento da história, inicialmente com cerca de 40 milhões de pessoas na província de Hubei, e depois estendendo-o para cerca de 56 milhões de moradores. O Vietnã impôs a quarentena para cerca de 10 mil pessoas.

Um dos casos mais tensos de quarentena foi o do navio de cruzeiro Diamond Princess. Com cerca de 3,7 mil pessoas entre passageiros e tripulação, a embarcação iniciou a quarentena de duas semanas no Porto de Yokohama, no Japão, em 3 de fevereiro. Mas as medidas tomadas para evitar a propagação da doença foram criticadas por autoridades sanitárias: quando começou o desembarque, na quarta-feira (19), havia 621 casos confirmados.

O pesquisador Richard Stein, professor da Escola de Engenharia Bioquímica e Molecular da Universidade de Nova York, destacou recentemente em artigo na Revista Internacional de Clínica Prática que as quarentenas, apesar de controversas e gerarem altos custos, têm sido usadas historicamente para retardar a propagação de vários surtos. “Uma lição que a gripe nos ensinou é que intervenções não farmacêuticas [como quarentenas] são pelo menos tão importantes quanto drogas ou vacinas no controle de uma pandemia”, afirmou Stein no artigo.

Novos desafios

Stein destaca que o crescimento global favorece a propagação de doenças: “Em 2014, pela primeira vez, o número diário de voos excedeu uma média anual de 100 mil. Tornou-se cada vez mais fácil chegar a qualquer continente dentro de 24 horas, período mais curto que o tempo de incubação da maioria das doenças contagiosas. Isso nos aproxima da inevitabilidade das pandemias futuras sobre as quais os especialistas alertam há muito tempo, seja influenza ou SARS.”

A epidemia também apresenta desafios econômicos. A suspensão de várias atividades produtivas na China e o cancelamento de embarques e desembarques de cargas provoca um efeito dominó em toda a economia global. A consultoria Capital Economics estima que a epidemia custará ao mundo cerca de US$ 280 milhões e vai interromper uma série de 43 trimestres ininterruptos de crescimento mundial, iniciados em 2009.

Tira-teima do coronavírus

1- O que é coronavírus e o que significam as siglas SARS-CoV-2 e COVID-19?

Coronavírus é uma família de vírus que causam uma série de infecções respiratórias. Os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela primeira vez em 1937. No entanto, foi em 1965 que o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência do perfil na microscopia, parecendo uma coroa. Os tipos de coronavírus conhecidos até o momento são: Alpha coronavírus 229E e NL63; Beta coronavírus OC43 e HKU1; SARS-CoV (causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave ou SARS); MERS-CoV (causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio ou MERS). O novo agente descoberto na China é o SARS-CoV-2 e a doença associada a ele foi batizada de COVID-19.

2- Qual a origem do vírus? Veio de morcegos?

A suspeita de que o consumo de carne de morcego tenha causado o vírus surgiu após a identificação do código genético do SARS-CoV. A Comissão Municipal de Saúde de Wuhan já havia fechado o mercado de frutos do mar desde 1º de janeiro, quando a análise dos casos conhecidos mostrou influência do local. Entretanto, pesquisa divulgada por uma equipe chinesa em 31 de janeiro no periódico científico Lancet ressalta que não é comum a venda de morcegos naquele mercado, e que os animais inclusive estão em período de hibernação no período. Além disso, outros coronavírus como o primeiro SARS-CoV e a MERS-CoV tinham o morcego como reservário natural, mas com outro mamífero agindo como hospedeiro intermediário (civeta de palmeira mascarada no caso da SARS e dromedários para a MERS). No caso da SARS-CoV-2, as pesquisas ainda são inconclusivas. Pesquisadores da Universidade de Agricultura do Sul da China apontaram a possibilidade deste animal ser o pangolim, um mamífero com escamas, mas isso ainda não foi confirmado. Essa informação é importante porque ajudaria na prevenção e controle do vírus.

3- O COVID-19 é mais grave do que a SARS e a MERS?

Pelos dados disponíveis, a taxa de letalidade do COVID-19 está em 2,3%, bem abaixo do que a de outras síndromes respiratórias. A SARS, que se espalhou pela China e outros países entre 2002 e 2003, infectou cerca de 8 mil pessoas e matou 774 – taxa de letalidade de 10%. A MERS, no Oriente Médio, foi contraída por 2494 pessoas e matou 858, taxa de 34%.

3- O que torna o COVID-19 tão preocupante?

Segundo Rodney Rohde, professor da Escola de Saúde da Universidade do Texas e membro da Associação de Cientistas Clínicos, novos surtos de qualquer micróbio devem sempre ser um problema de saúde pública. Em material divulgado pela Elsevier, editora especializada em conteúdo científico e médico, ele destaca que o risco desses surtos depende das características do vírus. O SARS-CoV-2 não é semelhante aos coronavírus mais comuns, como os que causam resfriados. No entanto, análises genéticas sugerem que esse vírus surgiu de um vírus relacionado à SARS. Existem investigações em andamento para saber mais.

4-Quais os sintomas principais e no que eles diferem do resfriado comum?

Os sintomas gerais incluem febre, dificuldade para respirar e tosse. Em quase todos os casos diagnosticados, as pessoas têm autonomia para as atividades; alguns desenvolvem falência dos rins ou outra disfunção de órgão. Os sinais e sintomas do coronavírus são principalmente respiratórios, semelhantes a um resfriado. Podem, também, causar infecção do trato respiratório inferior, como as pneumonias. O quadro completo do COVID ainda não está claro. Segundo estudo clínico de 44,6 mil infectados, 80,9% tiveram sintomas moderados. No início da doença, não existe diferença quanto aos sinais e sintomas de uma infecção pelo novo coronavírus em comparação com os demais vírus. Neste momento, apenas pessoas com histórico de viagem para a China nos últimos 14 dias e que apresentem febre e sintomas respiratórios podem ser considerados casos suspeitos.

5-Como se prevenir contra o coronavírus?

O Ministério da Saúde orienta cuidados básicos para reduzir o risco geral de contrair ou transmitir infecções respiratórias agudas, incluindo o novo coronavírus. Entre as medidas estão: lavar as mãos frequentemente com água e sabonete por pelo menos 20 segundos, ou um desinfetante para as mãos à base de álcool; evitar tocar nos olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas; evitar contato próximo com pessoas doentes; ficar em casa quando estiver doente; cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar com um lenço de papel e jogar no lixo e limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com frequência. Também se deve evitar o consumo de produtos de origem animal cru ou mal cozido. Profissionais de saúde devem utilizar medidas de precaução padrão, de contato e de gotículas (máscara cirúrgica, luvas, avental não estéril e óculos de proteção).

6- Quais cuidados devo ter se for viajar para a China?

Com a declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, aumentando o nível de alerta para alto em relação ao risco global do SARS-CoV-2, o Ministério da Saúde orienta que viagens para a China devem ser realizadas apenas em casos de extrema necessidade. Essa recomendação vale até que o quadro todo esteja bem definido.

7- O Brasil está preparado para combater o coronavírus?

O Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública para preparar a rede pública de saúde para o atendimento de possíveis casos no Brasil. Já estão definidos os protocolos para confirmação dos casos e hospitais de referência para atendimento. Especialistas dizem que as altas temperaturas do verão dificultam a chegada e avanço do novo vírus.

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