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Tensão entre EUA e OMS. Entenda as críticas ao modo como a organização reagiu à pandemia
| Foto: AFP

Enquanto os países enfrentam a pior pandemia em um século, a principal organização de saúde do mundo se vê enredada em uma briga política entre a China e os Estados Unidos. Nesta semana, a Organização Mundial de Saúde foi alvo de críticas do presidente americano Donald Trump pela resposta lenta à crise do novo coronavírus e pelo respaldo que dá ao governo comunista da China. Outros governos e líderes políticos ecoaram a condenação vinda da Casa Branca.

Em resposta, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, pediu que os governos "não politizem" o coronavírus. "[O vírus] explora as diferenças que existem em nível nacional. Se você quer ser explorado e se quer mais cadáveres, então faça isso [politize a questão]", disse Ghebreyesus em coletiva de imprensa em Genebra, Suíça, nesta quarta-feira (8).

Críticas à OMS

Trump acusa a OMS de ser "centrada na China" e de ter orientado os países de forma errônea no início da epidemia de Covid-19.

"Felizmente, rejeitei os conselhos (da OMS) de manter nossas fronteiras abertas à China no início (da pandemia). Por que eles dariam uma recomendação tão ruim?", questionou nesta terça-feira, ao referir-se à decisão dos Estados Unidos de barrar a entrada de estrangeiros que chegavam da China, anunciada no fim de janeiro.

Os Estados Unidos foram um dos primeiros a adotar medidas restritivas em viagens internacionais, as quais posteriormente foram copiadas por vários outros países, inclusive o Brasil. Na época, a OMS disse que as restrições de viagem eram desnecessárias e que poderiam prejudicar os esforços de responder à doença coletivamente por limitar a circulação de bens e profissionais de saúde, além de estigmatizar o povo chinês.

Nesta semana, Trump também ameaçou cortar a contribuição dos EUA à Organização Mundial da Saúde. Em coletiva de imprensa, disse que colocaria uma "suspensão muito poderosa" ao envio de dinheiro americano à organização, mas minutos depois disse que estava apenas analisando a possibilidade de cortar o financiamento à organização. O republicano disse também que a organização "recebe vastas quantidades de dinheiro dos EUA", e que quer reexaminar a contribuição americana.

De fato, os Estados Unidos são o maior doador da OMS. No orçamento de 2018, o país contribuiu com cerca de US$ 400 milhões, a maior parte em contribuições voluntárias, além do que paga para ser membro da organização. A China, por sua vez, contribui com aproximadamente US$ 50 milhões - menos do que países como Austrália, Noruega e Suécia.

Trump disse que certos programas da OMS são válidos, mas que a organização cometeu erros.

Entre esses erros, a demasiada confiança na China. Em 14 de janeiro, 15 dias depois de ter sido alertada pela China sobre um surto de uma nova doença, a OMS postou em suas redes sociais que "não havia evidências claras da transmissão de novo a humano do novo coronavírus", citando uma pesquisa chinesa.

Apesar disso, a organização já havia alertado os Estados Unidos e outros países sobre o risco de transmissão da Covid-19 entre pessoas em 10 de janeiro, segundo revelou uma reportagem do The Guardian. Também, nessa data, havia recomendado precauções, embora os estudos chineses iniciais realmente apontassem para outra direção.

A OMS também está sendo criticada por ter fechado os olhos para os desmandos do Partido Comunista da China. Quando a doença estava supostamente restrita às fronteiras chinesas, Tedros elogiou a reação do governo, mesmo em meio a relatos e reportagens de que os primeiros médicos que alertaram sobre o vírus haviam sido reprimidos pela polícia, sob a justificativa de que estavam espalhando boatos. No fim de janeiro, em uma reunião com o presidente da China, Xi Jinping, o diretor-geral da OMS chegou a parabenizar as autoridades chinesas por "estabelecer um novo padrão para o controle de surtos" e por "compartilhar informações".

Sob pressão chinesa, a OMS também falhou ao esperar até 11 de março para reconhecer a Covid-19 como uma pandemia. O governo brasileiro, desde o início de março, já vinha pressionando a organização internacional para que adotasse essa nomenclatura, mas Tedros dizia que a utilização da palavra poderia causar caos e pânico na população. Alguns especialistas argumentam que o atraso da instituição em fazer tais declarações privou outros países de tempo valioso para preparar hospitais para um grande fluxo de pacientes.

"A [atuação] da OMS ficou aquém", disse Steve Morrison, diretor do Centro Global de Políticas de Saúde do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), um think tank americano. "Eles fizeram elogios excessivos aos chineses em momentos públicos, o que realmente não era necessário. E isso deixou muitas pessoas bastante desconfortáveis, porque isso criou uma atmosfera de que a OMS não estava sendo capaz de levantar essas questões difíceis [sobre a atuação da China] com frequência", disse ele, que viu de perto isso acontecendo quando organizou um debate com o vice-ministro das Relações Exteriores da China, em 15 de fevereiro, durante a Conferência de Segurança de Munique.

A Organização Mundial da Saúde defendeu suas ações e disse nesta semana que "alertou os países-membros sobre os riscos e consequências significativas da Covid-19 e forneceu a eles um fluxo contínuo de informações" desde que as autoridades chinesas relataram o surto em 31 de dezembro.

Tedros também está pressionado, acusado de servir aos interesses do governo chinês, que apoiou a sua candidatura para a direção da OMS em 2017, enquanto os Estados Unidos se posicionaram contra. De fato, ao assumir o cargo, ele garantiu que seguiria a política "Uma China", impedindo a participação de Taiwan na OMS. Também foi sob sua gestão que a OMS endossou, no ano passado, a medicina tradicional chinesa, que é uma fonte de orgulho nacional, apesar do ceticismo de alguns cientistas sobre sua eficácia.

Taiwan

Essas críticas não vêm apenas do governo americano. No mês passado, o ministro das Finanças do Japão, Taro Aso, disse que a OMS deveria mudar seu nome para "Organização Chinesa de Saúde".

A questão de Taiwan é ainda mais complicada. A ilha possui um governo independente, mas não é considerada uma nação soberana pela comunidade internacional. A China usa de sua influência econômica e diplomática para impedir a independência do país e o intimida com exercícios militares nas águas que separam a ilha do continente.

Taiwan tem acusado a atual gestão da OMS de ceder à pressão política do governo chinês desde que foi excluída da principal reunião dos membros da organização, que ocorrerá entre 21 e 26 de maio. "Acreditamos que a OMS é uma organização não política que busca os mais altos padrões de saúde para a humanidade e não deve servir apenas à vontade política de Pequim", disse o Conselho de Assuntos do Continente de Taiwan em uma comunicado nesta semana.

Dias depois, Tedros disse, em coletiva de imprensa, que estava sendo alvo de ataques racistas e acusou Taiwan pela "campanha" contra ele, o que o governo taiwanês classificou como um "ato de calúnia extremamente irresponsável".

Apesar de não receber auxílio da OMS para lidar com a crise de coronavírus, Taiwan está tendo êxito em sua resposta à Covid-19. Até esta quinta-feira, o governo local havia informado 380 casos e 5 mortes decorrentes da doença.

Os poréns

Existe uma justificativa, pouco mencionada, para que a OMS não tenha confrontado a China. Morrison lembrou, em entrevista para o CSIS, que a organização tem alavancagem limitada, ou seja, se Tedros optasse pela via do confronto com o governo chinês, a tendência era de que o país se fechasse ainda mais, já que a organização não tem poderes supranacionais.

"A OMS não teria o apoio dos EUA ou de outros estados poderosos se tivesse escolhido enfrentar a China nesses momentos-chave. [A OMS] teria, simplesmente, seu acesso encerrado [na China]. Sob a liderança de Tedros, a OMS finalmente conseguiu enviar uma equipe, em meados de fevereiro, à China, o que foi um desenvolvimento importante".

Amanda Glassman, vice-presidente executiva e membro sênior do Centro de Desenvolvimento Global, disse ao The Guardian que, ao contrário da agência nuclear, a Agência Internacional de Energia Atômica, a OMS não tem poder contra governos que não cooperam. "Ela opera nos países com a permissão dos governos do país anfitrião. Então, no caso da China, para poder entrar na China, houve uma negociação", disse Glassman.

Outro fato que não pode escapar da análise deste confronto entre OMS, China e Estados Unidos é que as acusações do presidente Donald Trump servem a um propósito político. Ao apontar o dedo para Tedros e para o governo chinês, o republicano busca se eximir dos seus próprios erros ao lidar com a crise nos Estados Unidos, segundo críticas da oposição e da imprensa. Trump já elogiou os esforços da China no combate ao coronavírus, subestimou a epidemia antes de a doença começar a matar centenas de americanos e perdeu tempo em preparar o sistema de saúde americano enquanto a epidemia estava apenas no começo, apontam os críticos.

Futuro

Assim que o auge da pandemia de coronavírus passar, a OMS será objeto de discussão, segundo já alertou Trump. O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, disse também que o governo americano fará "perguntas difíceis" à organização sobre a forma como ela lidou com a pandemia de coronavírus.

"O presidente acredita em prestação de contas, e os contribuintes americanos fornecem dezenas de milhões de dólares à Organização Mundial da Saúde", disse Pence. "Continuaremos contribuindo, mas isso não significa que, no momento certo no futuro, não faremos perguntas difíceis sobre como a Organização Mundial da Saúde pôde estar tão errada".

Buscando colocar panos quentes na situação, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse que "mais tarde haverá tempo para avaliar sucessos e fracassos" na luta contra o vírus e suas consequências devastadoras.

"É possível que os mesmos fatos tenham tido leituras diferentes por entidades diferentes", disse. "Depois que finalmente virarmos a página sobre esta epidemia, deve haver um tempo para olhar completamente para trás para entender como essa doença surgiu e espalhou sua devastação tão rapidamente em todo o mundo, e como todos os envolvidos reagiram frente à crise".

Morrison acredita que, depois dessa pandemia, todo tipo de perguntas sobre desempenho da OMS nesta crise será revisado e que também serão discutidas quais medidas serão necessárias para tornar a OMS mais forte e mais capaz de responsabilizar os países por suas obrigações sob os regulamentos internacionais de saúde - em especial a China.

"Mas vamos ser realistas", acrescentou. "A OMS não se tornará uma presença forte e autoritária".

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