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Pedestres caminham em frente ao restaurante particular Franco, em Havana, em 3 de dezembro de 2018 | YAMIL LAGE/
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Pedestres caminham em frente ao restaurante particular Franco, em Havana, em 3 de dezembro de 2018| Foto: YAMIL LAGE/ AFP

Depois de muitas críticas, a ditadura socialista de Cuba resolveu flexibilizar as novas leis que regulam o setor privado e a censura a eventos culturais. As concessões, entretanto, estão longe de representar um avanço em direção à livre iniciativa.

Na quarta-feira (5), foi anunciado um afrouxamento das novas regulamentações sobre o trabalho autônomo na ilha comunista, que entram em vigor nesta sexta-feira (7). O recuo atende a críticas de empresários e trabalhadores, preocupados com o impacto econômico das restrições.

As limitações foram anunciadas em julho e introduziam mudanças para um maior controle do trabalho privado. Afetavam impostos, a contratação de força de trabalho, limitavam o escopo de cada atividade e estabeleciam novas contravenções. A ideia era combater o acúmulo de riqueza, a sonegação fiscal, a compra de matérias-primas e produtos de origem ilegal, entre outras irregularidades nos pequenos negócios que se multiplicaram no país.

A edição revisada da Política de Trabalho Autônomo ou Independente inclui 20 normas de diferentes instâncias do governo publicadas em 10 de julho na Gazeta Oficial cubana.

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A ministra do Trabalho, Margarita González Fernández, disse em mesa redonda transmitida na noite de quarta-feira que o governo se reuniu com trabalhadores e empresários cubanos e, atendendo a seus pedidos, decidiu suspender parte das restrições. Entre elas, a regra que permitiria apenas uma licença comercial por pessoa. Assim, quem tem um restaurante não poderia ter um bar ou um salão de beleza, por exemplo.

"Os cubanos podem ter mais de uma licença, contanto que sejam razoáveis", disse a ministra, que reconheceu o empreendedorismo como um complemento importante ao setor estatal e uma fonte de emprego, impostos e melhorias para a população. Nos últimos oito anos, o trabalho autônomo cresceu na ilha. Em 2010, pouco mais de 157 mil cubanos tinham um negócio próprio. Em 2018, esse número saltou para 589 mil, ou 13% do total de empregados, segundo o Granma, jornal oficial do Comitê Central do Partido Comunista Cubano.

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Outra medida retirada das normas foi a proibição aos restaurantes de ter mais de 50 lugares. Agora, o número de cadeiras passa a ser determinado pelo tamanho do estabelecimento.

O Granma afirma ainda que, a partir desta sexta, novas autorizações serão concedidas em 26 das 27 atividades suspensas na ilha. Permanece a limitação apenas para programador de computador, carreira em que as regulamentações ainda não foram concluídas.

Outra exigência eliminada foi a abertura de uma conta bancária fiscal para quem quiser trabalhar em um negócio próprio. A partir desta conta, o regime calcula a dedução dos impostos.

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A ministra das Finanças e dos Preços, Meisi Bolaños, afirmou que cinco áreas não serão beneficiadas pelo recuo: serviço em restaurantes, cafeterias e bares; recreação; locatário de imóveis; serviços de construção e reforma e serviço de transporte de passageiros na capital. Esses setores empregam cerca de 80 mil pessoas, o correspondente a 13% do setor privado cubano.

São "atividades complexas em sua operação, não apenas porque geram alta receita, mas porque também geram gastos", disse Bolaños.

Ainda de acordo com a ministra, a abertura e a operação dessas contas será gradual. Nelas, o titular movimentará as operações mercantis de seu negócio, podendo ter outras contas bancárias pessoais e independentes. Essas medidas teriam como objetivo evitar a evasão fiscal e impedir o enriquecimento pessoal. Elas também ampliam os requisitos burocráticos.

Analistas disseram que as regras limitavam o crescimento do setor em um momento no qual a economia estatal já enfrenta desafios consideráveis, como a redução da ajuda vinda da Venezuela, uma de suas principais aliadas na região, e das exportações, e poderiam inibir investidores estrangeiros.

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Para o economista cubano Pavel Vidal, da Universidade Javeriana da Colômbia, o líder Miguel Díaz-Canel segue "uma trilha de transformações graduais, mas não vai tocar a coluna vertebral do sistema centralizado e o monopólio da empresa estatal".

Entre as restrições mantidas, estão a proibição aos autônomos de vender serviços a entidades estrangeiras, cada vez mais numerosas na ilha, e a eliminação da isenção tributária para empresas de até cinco funcionários.

Inspetores de eventos culturais

O recuo na economia não foi o único do regime nesta semana. Também nesta quarta-feira, o regime cubano anunciou que amenizará o impacto de uma nova lei que garante a inspetores do governo o poder para fechar qualquer exibição de arte ou performance vista como uma violação dos valores revolucionários socialistas do país. 

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A lei, conhecida como Decreto 349, foi publicada em julho passado e permite a "inspetores supervisores" rever quaisquer eventos culturais, de exibições de quadros a concertos, e fechar imediatamente qualquer evento, além de revogar a licença de funcionamento de qualquer restaurante ou bar que sediar uma exibição fora das regras. 

A lei causou protestos da comunidade artística cubana e levou os mais renomados nomes do mundo da arte cubano a procurar reuniões com membros do regime. Um pequeno grupo de artistas independentes lançou uma série de protestos de rua que levou à forte repressão policial. Diversos artistas cubanos foram detidos em Havana, na segunda-feira(3), após uma tentativa de protesto contra o decreto que coibirá a criatividade e aumentará a censura a movimentos culturais em Cuba.

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A anistia Internacional condenou o decreto assinado por Díaz-Canel e a repressão às manifestações.

“A Anistia Internacional teme que as recentes detenções arbitrárias de artistas cubanos que protestam contra o Decreto 349, conforme relatado pela mídia independente cubana, sejam um sinistro sinal do que está por vir. Nós nos solidarizamos com todos os artistas independentes em Cuba que estão desafiando a legitimidade do decreto e defendendo um espaço no qual possam trabalhar livremente sem medo de represálias”, afirmou a instituição em agosto.

Depois da repercussão negativa, o vice-ministro de Cultura cubano, Fernando Rojas, afirmou à agência de notícias Associated Press que os inspetores poderão fechar apenas exibições com violações extremas, como obscenidade, racismo ou conteúdo sexista. 

Rojas disse ainda que os casos problemáticos serão levados a autoridades superiores no Ministério da Cultura. Os inspetores também ficarão limitados a espaços públicos, não podendo entrar na casa de artistas ou em seus estúdios. 

A lei entra em vigor nesta sexta-feira (7), mas os inspetores só agirão a partir da publicação de uma série de regulamentações mais detalhadas, que devem ser finalizadas nas próximas semanas, segundo Rojas. 

Internet no celular que poucos poderão pagar 

Outra mudança importante ocorreu na ilha no decorrer desta semana. Na terça-feira (4), Cuba anunciou que permitirá que seus cidadãos tenham acesso completo à internet nos celulares a partir de quinta (6). É um dos últimos países do mundo a permitir isso e, enquanto países desenvolvidos discutem a implementação do 5G, a tecnologia disponível aos cubanos será o 3G.

Mulher acessa a internet em uma rede wifi pública em HavanaYAMIL LAGE/ AFP

Mayra Arevich, presidente da companhia telefônica estatal de Cuba, anunciou a mudança na televisão cubana na noite de terça (4). Os cubanos poderão comprar pacotes de internet 3G pela primeira vez. Apesar da boa notícia, os preços podem ser proibitivos para muitos cubanos: um pacote de dados de 4 gigabytes custa US$ 30, o equivalente ao salário médio no país. O plano mais barato custa US$ 7 dólares e compra 600 megabytes de dados.

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Mesmo aqueles que podem bancar a tecnologia ficaram frustrados porque não obtiveram um código da empresa estatal de telecom Etecsa, única autorizada a vender o serviço, para conseguir se conectar pela primeira vez.

Até agora, os moradores da ilha tinham acesso via celular apenas a um serviço de e-mail, controlado pelo governo. 

Cuba autorizou o uso de internet nas casas somente em 2017 e apenas 60 mil habitantes da ilha têm acesso a esta comodidade. Além disso, o regime abriu centenas de pontos de conexão wifi públicos em parques e praças ao redor do país, que, segundo a CNN, custam cerca de US$ 1 por hora, além de terem conexão lenta e sem privacidade.

O país, comandado por um regime comunista, tem uma das menores taxas de uso da internet, mas as conexões têm aumentado rapidamente desde 2014, quando os presidentes Barack Obama e Raúl Castro retomaram as relações entre os países.  A expansão tecnológica não foi reduzida mesmo com a chegada de Donald Trump à presidência dos EUA, quando as relações entre os dois países voltaram a esfriar.

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