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Retrato de Fiódor Dostoiévski: curso sobre o escritor foi cancelado por universidade italiana, mas instituição voltou atrás após repercussão negativa
Retrato de Fiódor Dostoiévski: curso sobre o escritor foi cancelado por universidade italiana, mas instituição voltou atrás após repercussão negativa| Foto: Wikimedia Commons

Na esteira da onda de rejeição à Rússia devido à invasão da Ucrânia, artistas, obras culturais e até a gastronomia do país têm se tornado alvos de boicote em todo o mundo, com cancelamento ou adiamento de eventos e retirada ou mudança de nomes de pratos em cardápios.

No Canadá, o pianista russo Alexander Malofeev, de 20 anos, foi retirado do programa de apresentações da Orquestra Sinfônica de Montreal, que, segundo o jornal inglês The Guardian, ponderou que sua presença seria “inapropriada” neste momento e seu retorno ocorrerá “quando o contexto permitir”.

Dois detalhes: Malofeev tem familiares na Ucrânia e havia criticado antes a invasão russa. “Honestamente, a única coisa que posso fazer agora é orar e chorar”, escreveu o pianista nas redes sociais. “Eu entendo que meus problemas são muito insignificantes em comparação com os das pessoas na Ucrânia, incluindo os de meus parentes que moram lá.”

Outra orquestra, a Filarmônica de Cardiff, do País de Gales, decidiu remover obras do compositor russo Tchaikovsky de seus próximos concertos em função da guerra na Ucrânia.

“À luz da recente invasão russa na Ucrânia, a Orquestra Filarmônica de Cardiff avalia que o programa já anunciado, incluindo a 'Abertura Solene Para o Ano de 1812' [que celebra a vitória russa sobre Napoleão], seria inadequado neste momento”, informou a orquestra em comunicado.

Na Itália, um curso sobre o escritor Fiódor Dostoiévski, talvez o maior nome da literatura russa, foi cancelado pela Universidade Milano-Bicocca, uma das mais importantes do país, mas a instituição voltou atrás após a repercussão negativa.

“Não é apenas uma falha ser um russo vivo na Itália hoje, mas também ser um russo morto”, criticou o escritor e palestrante Paolo Nori, de acordo com a agência Ansa. Ao anunciar a decisão de manter a realização do curso, a Milano-Bicocca alegou ser “uma universidade aberta ao diálogo e a escutar, mesmo neste período muito difícil que gera consternação devido à escalada do conflito”.

A onda de cancelamentos chegou ao Brasil, onde a Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo, realizada em parceria com o CineSesc em São Paulo, teve a edição deste ano suspensa temporariamente após a invasão da Ucrânia.

“Estamos organizando a mostra há seis meses e não imaginávamos que algo assim poderia acontecer. Conversamos com os produtores e decidimos que não é adequado realizar o evento neste momento devido à invasão da Ucrânia pela Rússia”, afirmou à CNN o gerente do CineSesc, Gilson Packer. Um dos parceiros do festival é a Embaixada da Rússia no Brasil.

Também em São Paulo, um bar retirou o estrogonofe do seu menu (mas depois voltou atrás), enquanto outros dois estabelecimentos mudaram o nome do drinque “Moscow mule” (que mistura vodca, gengibre e limão) para “Kiev mule”.

“Lado emocional superando o racional”

Roberto Gondo Macedo, pesquisador e professor do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, lembrou, em entrevista à Gazeta do Povo, que a hostilização de culturas estrangeiras é comum em contextos de guerra.

“Em situações históricas, nas guerras mundiais e mesmo durante a Guerra Fria, ocorreram momentos críticos onde existia uma retaliação contra pessoas que exercem influência em determinados países. Em 2022, a Ucrânia foi o estopim, mas a pressão maior é sobre o posicionamento do [presidente russo Vladimir] Putin diante do Ocidente”, disse Macedo.

“É natural, como estamos vendo nas redes sociais uma cultura do cancelamento, que instituições públicas e privadas fiquem pressionadas”, explicou o professor, para quem os organizadores de eventos culturais seguem o fluxo de grandes empresas que estão anunciando a suspensão de suas operações na Rússia e dos boicotes também promovidos pelo meio esportivo.

“Ninguém, no fim das contas, quer ficar identificado como aquele que ‘peita’ a sociedade ou que ‘peita’ o lado que está sendo vitimado. Não acho que [esse boicote] perdure, mas vai deixar cicatrizes, é uma situação muito complexa, tensa, o lado emocional às vezes vai superar o racional”, projetou Macedo.

Em artigo no site Politico, o jornalista Jack Shafer alertou que, além de questionáveis em si, o boicote à cultura e à gastronomia da Rússia e medidas como retirar de cidades russas o status de cidades irmãs (o que está sendo cogitado por municípios dos Estados Unidos) dificilmente influenciarão os rumos da guerra na Ucrânia.

“A primeira obrigação ao se conduzir uma guerra é lembrar claramente quem é o inimigo. A segunda é se lembrar da inocência de muitos em uma nação inimiga, e que essas pessoas e sua cultura não merecem nossa inimizade automática”, escreveu.

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