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O único debate entre os candidatos à vice-presidência dos EUA nas eleições de 2020 ocorreu no dia 7 de outubro.
O único debate entre os candidatos à vice-presidência dos EUA nas eleições de 2020 ocorreu no dia 7 de outubro.| Foto: AFP

A menos de 30 dias das eleições e com os votos de milhões de eleitores já depositados antecipadamente nas urnas, a senadora californiana Kamala Harris, democrata, e o atual vice-presidente, Mike Pence, republicano, encontraram-se em Utah na noite de 7 de outubro para debater, pela primeira e última vez, propostas e valores em jogo na campanha pela Casa Branca. Raramente um debate entre candidatos à vice-presidência recebe tanta atenção, doméstica ou internacional, quanto os confrontos entre os presidenciáveis.

Parte da expectativa em torno da vice-presidência se deve à idade avançada dos cabeças de chapa. Trump começaria seu segundo mandato com 74 anos e Biden chegaria à presidência aos 78 anos. Até 2016, a praxe era que candidatos divulgassem detalhes sobre seu estado de saúde. Trump interrompeu a tradição e Biden não aceita as provocações da campanha republicana, que pede resultados de seus exames médicos.

A incerteza sobre a capacidade de Biden e Trump levarem o mandato até o fim pressionou Pence e Kamala a se posicionarem em temas de política doméstica e internacional ao mesmo tempo em que buscavam provar - em suas histórias pessoais e políticas - aptidão para assumir a chefia executiva dos Estados Unidos.

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O experiente ex-governador de Indiana reconheceu o pioneirismo de Harris - a primeira mulher negra eleita Procuradora-Geralda Califórnia, a segunda a ser eleita senadora e a primeira a disputar a vice-presidência - dando ao debate o tom civilizado que o diferenciou do primeiro debate presidencial. Pence ocupou minutos do seu tempo para agradecer a Biden e Harris pela solidariedade prestada a Trump e à primeira-dama diante de seus diagnósticos de Covid-19.

As escolhas retóricas de cada candidato posicionaram o confronto em Utah anos-luz à frente do debate havido entre Trump e Biden na semana anterior. Repetindo seu papel em 2016, o tom calmo de Pence o reafirmou como fiador da plataforma de Trump. Harris não se deixou desconcentrar, abriu mão de provocações e xingamentos, focando na transmissão de mensagens claras.

Olhando diretamente para câmera, a vice de Biden priorizou mensagens diretas ao eleitorado, buscando desmentir o que entendia serem fake news contra a chapa, como acusações de que os democratas aumentariam impostos para a classe média e proibiriam o fracking  - o processo de extração do gás de xisto que promoveu uma revolução energética em importantes estados na disputa pela Casa Branca.

Sem os cala-bocas e interrupções que roubaram a atenção no debate entre os candidatos à presidência, a conversa sobre a agenda de políticas públicas, a partir de perguntas da jornalista Susan Page da USA Today, expôs as principais fragilidades das plataformas democrata e republicana e as contradições nas trajetórias dos dois candidatos a vice.

Por um lado, Pence, após falhar na liderança da força-tarefa de enfrentamento ao coronavírus pela Casa Branca, não explicou qual é a alternativa republicana ao Obamacare (Affordable Care Act). Por outro, Harris não explicou a diferença entre a agenda de desenvolvimento sustentável de Biden e o polêmico "Green New Deal", apoiado no Senado por Harris e formulado na Câmara pela ala de esquerda do partido democrata.

Lembrando tempos de normalidade, temas clássicos que envolvem democratas e republicanos voltaram ao centro do debate eleitoral. Pence e Harris divergiram sobre a existência de racismo sistêmico nos Estados Unidos, sobre o aborto como direito escolha das mulheres ou direito à vida dos fetos, sobre a política tributária mais favorável à classe média e sobre a influência humana na mudança climática global. As perguntas respondidas com civilidade e o clássico ideário de cada partido, porém, não foram tão relevantes quanto as perguntas não respondidas.

O debate revelou que Pence e Harris não se comprometem com questões essenciais à estabilidade política dos Estados Unidos. O vice-presidente de Trump não deixou claro se conduziria uma transição pacífica de poder caso derrotado nas urnas, ecoando as desconfianças do chefe sobre a lisura do processo eleitoral americano.

Apesar de repetidamente perguntada se um mandato Biden-Harris aumentaria o número de juízes da Suprema Corte, a senadora californiana se recusou a descartar uma manobra que só foi tentada por Franklin Roosevelt na década de 1930. Amplos setores da opinião pública norte-americana são contrários à manobra executada em ditaduras como a de Nicolás Maduro na Venezuela.

Mike Pence e Kamala Harris são apostas de seus partidos para 2024. Seus posicionamentos em temas polêmicos revelaram que a crise política que levou Trump ao poder em 2016 manterá sua força para além de 2020. Com temas clássicos debatidos no tom típico de eleições tradicionais, mas também expondo que as inéditas fraturas nas regras não escritas da democracia americana vieram para ficar, o debate entre os vices revelou aos Estados Unidos, e ao mundo, um prenúncio do que pode ser a política americana após 2020.

* Lucas Wosgrau Padilha é formado em Direito e Relações Internacionais pela FGV e Yenching Scholar na Universidade de Pequim.

** Pedro Vormittag é formado em Direito pela USP e mestrando em Gestão Internacional na FGV.

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