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Homens oram para monges budistas em frente ao hospital onde estão internados os meninos resgatados do interior de uma caverna no Norte da Tailândia | TANG CHHIN SOTHY/AFP
Homens oram para monges budistas em frente ao hospital onde estão internados os meninos resgatados do interior de uma caverna no Norte da Tailândia| Foto: TANG CHHIN SOTHY/AFP

Nas duas últimas semanas, uma audiência global ficou impressionada com o drama de 12 garotos e seu treinador, presos dentro de Tham Luang Nang Non, uma caverna nas profundezas das montanhas que formam a fronteira entre a Tailândia e Mianmar. 

As crianças - um time de futebol que também realizou aventuras ao ar livre com o charmoso apelido de "javalis selvagens" (mu pa, em tailandês) - foram resgatadas justamente quando começaram as monções, período em que há possibilidade de acontecerem mais chuvas e inundações. 

Leia também: Termina o resgate: os 12 meninos e seu treinador são retirados de caverna inundada

O nome da caverna significa ‘caverna da dama reclinada’. Ela leva o nome de uma princesa que, segundo a lenda, cometeu suicídio depois de ter sido proibida de ficar com seu amor. 

Visitei a caverna Nang Non na estação chuvosa de 2007 para o projeto do meu livro “Ghosts of the New City” (Fantasmas da Nova Cidade). Enquanto a atenção atual se focou nas traiçoeiras passagens inundadas, as crianças presas e seus salvadores heroicos, naquela época descobri que há muito mais nessa história. 

A caverna Nang Non 

A caverna é apaixonante. Sua entrada é larga, como uma porta de catedral, e, durante a estação chuvosa, a umidade escorre de suas paredes. Parece a porta de entrada para outro mundo. E, em alguns sentidos, é. 

Comecei a descida rochosa em direção à entrada, atraído por sua grandeza e vazio. O parceiro que estava comigo percebeu a placa que proibia a entrada durante o período de chuvas e me chamou à realidade. Voltei com relutância. 

Tinha razão em me retirar. Como os alunos descobriram, durante a estação chuvosa os níveis de água nos locais mais estreitos dentro da caverna podem aumentar drasticamente, fazendo com que os exploradores se percam dentro dela. Se tivesse continuado, poderia ter vivido o mesmo que viveram as crianças do time Javalis Selvagens. 

Mas passei muito tempo em outras cavernas da região, entrevistando assistentes religiosos e guias locais sobre como as pessoas na região entendem o poder das cavernas e outros locais sagrados, e qual é o papel desses lugares na mitologia do Norte da Tailândia. 

Senhores dos lugares 

Ao sul da caverna Nang Non e a cerca de uma hora ao Norte da cidade de Chiang Mai, a capital da região norte da Tailândia, encontra-se o pico de Chiang Dao. É uma montanha impressionante, que se eleva diretamente a partir dos campos de arroz. E, como muitas das montanhas na região, há uma caverna que desce até seu coração. 

Crônicas e lendas variam sobre a história exata do local: alguns dizem que a caverna era o lar de gigantes demoníacos - "yaksha" - que, no entanto, eram governados dentro da caverna por um nobre rei. Outros dizem que um nobre governante fundou o reino de Lanna (Norte da Tailândia) e depois se retirou para a caverna, apenas para ver seu reino cair em desordem. 

Minha história favorita é a de um senhor do Norte da Tailândia - Jao Luang Kham Daeng, o Senhor do Cobre Polido - que foi enganado para seguir uma linda mulher até a caverna, onde foi devorado pelos espíritos dali. No entanto, com sua morte, de acordo com uma versão, tornou-se seu governante. 

Em cada uma dessas histórias, a caverna se torna a casa de um espírito poderoso, mas às vezes perigoso, que mantém a região do Norte da Tailândia segura, próspera e saudável, desde que o espírito e o poder perigoso da montanha seja respeitado. 

Grupo de mergulhadores durante os preparativos para o resgate do time de futebol preso em uma caverna no Norte da TailândiaRoyal Thai Navy/AFP

Pode-se inferir que as cavernas do norte da Tailândia teriam pouco a ver com o budismo. Mas a religião na Tailândia e especialmente no Norte é, como apontaram estudiosos como Pattana Kitiarsa , Erick White , Justin McDaniel e muitos outros, uma mistura de diferentes influências: uma crença no poder de determinadas pessoas e lugares , um respeito pelos ensinamentos budistas e um modelo de poder real baseado nas antigas tradições hindus na região. 

As cavernas do norte da Tailândia são lugares onde essas tradições religiosas se misturam: há santuários para Buda, eremitas hindus e os senhores do espírito da montanha, todos no mesmo espaço. 

Estas, como alguns podem esperar, não são três tradições separadas. Elas se misturam, especialmente nas lendas das cavernas. Por exemplo, há rumores de que as cavernas do Parque Nacional Sri Lanna, entre as cavernas de Chiang Dao e Nang Non, seriam o lar de duas princesas que se esconderam depois que seu reino foi destruído. 

Elas procuraram proteção em uma caverna, e Buda, ouvindo seus pedidos, designou um fantasma monstruoso para protegê-las - um fantasma que persiste, segundo a lenda, na atualidade. Assim, a realeza, o budismo e os espíritos se combinam em uma única história. 

Lugares de perigo e de possibilidades

As cavernas são espaços limítrofes. São aberturas para outro mundo, que está envolto em escuridão, de difícil acesso e, como mostra a história dos 12 garotos e seu treinador, é frequentemente hostil aos humanos. 

Nelas estão os espíritos. Na Tailândia, esses espíritos da natureza são muitas vezes mulheres e, são a contrapartida às figuras dos monges budistas. Elas oferecem a seus seguidores algo que o budismo não pode proporcionar: ajuda com amor, dinheiro e outras coisas deste mundo com as quais os monges não se preocupam. Ao mesmo tempo, elas representam um perigo potencial se forem menosprezadas. 

As cavernas sagradas da Tailândia são lugares cheios de poder, mas também cheias de perigo. Tais lugares, como eu descrevo em meu livro, frequentemente têm rituais anuais para assegurar que os espíritos abasteçam a aldeia no futuro. 

Em muitas, os espíritos adquirem um aspecto feroz. Afinal, eles são os governantes de um mundo natural inóspito que deve ser domesticado antes que possa ser útil para os humanos. 

Este reconhecimento do perigo da natureza é um drama que é representado em rituais em toda a região, muitos dos quais acompanhei como parte de minha pesquisa. Em Chiang Mai, por exemplo, a cada ano a população local tem uma tradição na qual dois espíritos das montanhas se incorporariam em dois médiuns, que, por sua vez, devoram um búfalo e bebem seu sangue antes de se renderem a Buda e concordarem em ajudar a cidade com brisas frescas e água limpa. 

A história dos 12 meninos presos, então, é aquela que pode ser lida em várias nuances. Para alguns, é uma história do heroísmo dos trabalhadores de resgate contra um ambiente inóspito. Para outros , é uma história que enfatiza a piedade budista do treinador da equipe e o poder das orações budistas para os espíritos da montanha. 

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Publicado por Thai NavySEAL em Terça-feira, 3 de julho de 2018

Em minha opinião, essas ideias de perigo e poder sempre faziam parte dos espaços limítrofes das cavernas das montanhas. As histórias dos senhores espirituais sob a terra refletem o fascínio e os medos humanos.

*Andrew Alan Johnson é professor assistente de antropologia da Universidade de Princeton (EUA)

©2018 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
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