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Hillary Clinton deve levar a maioria dos votos no Novo México, mas Donald Trump ainda pretende supreender a democrata. | Justin Sullivan/AFP
Hillary Clinton deve levar a maioria dos votos no Novo México, mas Donald Trump ainda pretende supreender a democrata.| Foto: Justin Sullivan/AFP

Os latinos do Novo México brincam que não foram eles que passaram a fronteira – foi a fronteira que os ultrapassou. De fato, a região guarda muitas características do antigo país ao qual pertenceu, a começar pelo nome. No estado mais latino dos EUA, o espanhol é idioma oficial junto com o inglês. Mas a convivência entre brancos e hispânicos, até então pacífica, fica a cada dia mais tensa. Moradores culpam a campanha presidencial, que na terça-feira escolhe o novo morador da Casa Branca entre Donald Trump e Hillary Clinton, como a principal causa disso. “A política sempre foi algo tranquilo no estado, mas agora vemos xingamentos, enfrentamentos. Essa tensão foi importada pela tevê, fruto desta campanha tão baixa”, explica Kassandra Gandara, vereadora democrata de Las Cruces.

A proposta do republicano de criar um muro na fronteira dos EUA com o México, suas promessas de deportação em massa e os constantes xingamentos aos bad hombres latinos foram o motor para que brotasse um ressentimento que não era conhecido. “Não acredito que a campanha tenha causado tudo isso sozinha, mas ela ajudou a exibir divisões e raivas que estavam bem resolvidas ou escondidas. Até as crianças, nas escolas, falam que vão mandar os latinos de volta para o México”, diz a vereadora da cidade fronteiriça.

Os latinos já somam 56 milhões de pessoas nos EUA, ou 17,6% da população. ONGs estimam que o voto deste grupo deve representar 12% do total. No estado, eles respondem por 48% da população – maior porcentual do país – e deverão virar maioria até 2020. São os principais alvos, porém não os únicos. Os 10,5% de descendentes de índios americanos, como os navajos; e os católicos, religião de 41% dos moradores locais – também o maior porcentual do país –, reclamam desta nova realidade. E estes grupos também partem para a revanche, piorando o clima. “Estamos vivendo até episódios de intolerância religiosa, algo que nunca ocorreu por aqui. O clima, em geral, está mais tenso, como só havia visto em outros locais do país onde morei”, conta o engenheiro agrônomo Gabriel Vasquez, de Las Cruces.

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Ele revela que isso gera grande estranhamento, pois o Novo México conseguia conviver muito bem com as diversas linhas de pensamento. Ao mesmo tempo em que o local tem uma forte cultura da arma, comum do Oeste americano, é tolerante e possui políticas progressistas, como um avançado debate para legalizar a maconha para fins recreativos. Apesar da grande população católica, não havia muitos projetos de lei para restringir o aborto, como no vizinho Texas, mas agora petições desta natureza começam a surgir. E a questão sexual não passa ilesa: “O povo aqui era aberto, pacífico. Tenho um amigo gay que nunca reclamou de preconceito. Agora diz que está sendo ofendido na rua”, conta Alisson Norton, nascida em Boston e moradora de Truth or Consequences – esta cidade de 6 mil habitantes, no meio do deserto, trocou de nome para homenagear um popular programa de rádio, cujo nome em português significa “verdade ou consequências”. “Acho que este clima eleitoral contaminou TorC [como a cidade é chamada]. Aqui, antes, era um oásis de tolerância no país.”

O aposentado Ron Sullivan, morador de Truth or Consequences e republicano, reconhece que os habitantes da cidade estão com os “nervos à flor da pele”, mas culpa o governo de Barack Obama por isso: “As pessoas estão perdendo a paciência com mentiras e com o governo se envolvendo ainda mais na vida delas. Não precisamos de food stamps [cupons que dão direito a alimentos aos mais pobres], precisamos de empregos”, diz Ron.

E é na política que esta nova tensão fica mais evidente. “Sempre fiz campanha eleitoral nas ruas. Todos me ouviam bem, mas neste ano já fui insultada diversas vezes”, denuncia Silvia, moradora de Albuquerque, maior cidade do estado, que preferiu não dar seu sobrenome, enquanto segurava uma placa de apoio a Trump na seca e quente cidade, mesmo no outono.

Enclave progressista entre o Texas e o Arizona, o Novo México tende a destinar seus cinco delegados no Colégio Eleitoral para Hillary Clinton (vence a eleição quem obtiver 270 delegados). Segundo a última pesquisa no local, a democrata lidera com 46% dos votos, contra 33% que apoiam Trump. Mas o republicano tenta surpreender: ele e o vice, o governador Mike Pence, de Indiana, estiveram em comícios no estado na última semana, tentando conquistar um território considerado perdido pelos especialistas. A campanha democrata enviou o popular senador Bernie Sanders, que se saiu bem nas primárias deste ano com seu discurso de esquerda, para fazer frente à investida conservadora.

O Novo México é, proporcionalmente, o estado que mais recebe investimentos do governo federal. Foram US$ 7,4 bilhões no ano passado, principalmente para gerar energia no local, abundante em luz solar e vento. “Seja quem for o vencedor, o Novo México precisa de uma boa relação com Washington”, conclui Lonna Rae Atkeson, diretora do Centro de Estudos de Votação, Eleições e Democracia do estado, a uma emissora local de televisão.

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