• Carregando...
Eric Lander, do Broad Institute, classificou o estudo como uma “fonte impressionante” de dados | Rick Friedman/The New York Times
Eric Lander, do Broad Institute, classificou o estudo como uma “fonte impressionante” de dados| Foto: Rick Friedman/The New York Times

Entrevista

"É só um primeiro passo, mas, dito isso, é um passo gigantesco"

Salmo Raskin, médicogeneticista e membro do projeto Genoma Humano.

Irinêo Baptista Netto

A descoberta de que o DNA lixo não é de modo algum descartável foi descrita como um grande avanço médico e científico, com implicações enormes na saúde humana. Essa é uma descrição acurada?

Eu tomaria mais cuidado porque sei que as pessoas leigas veem essas informações e, se você passa dessa maneira, elas acham que daqui a três meses vai surgir um medicamento para um desses problemas [como hipertensão e diabetes]. E não vai acontecer isso. No projeto Genoma Humano, uma das informações mais surpreendentes era que apenas 1% do nosso material genético são genes. Nesse 1%, estão as alterações genéticas que levam a 85% das doenças monogênicas. Apesar de o nome ser estranho, esse é um ponto crucial para nossa conversa. São doenças causadas pela alteração em um único gene. E existem milhares de doenças monogênicas – só que elas são muito raras [como o albinismo e a hemofilia]. Essas doenças tiveram sua base elucidada nos últimos dez anos e houve um avanço gigantesco na compreensão dessas doenças. O projeto Genoma Humano não conseguiu avançar muito nas doenças chamadas poligênicas, que também são multifatoriais [como obesidade, hipertensão arterial, diabete]. Que quer dizer isso: elas são determinadas por alteração em mais de um gene e ainda sofrem uma grande influência do meio ambiente. Esse grupo de doenças é pequeno em número se comparado aos milhares de doenças monogênicas.

As poligênicas são o foco da descoberta divulgada agora, não?

Exatamente. Agora chegamos ao ponto. Quando veio o sequenciamento do genoma, achava-se que, além das doenças monogênicas, ali estaria claro onde estavam as alterações que levam às poligênicas, que são muito mais comuns e importantes em termos de saúde pública. E isso não aconteceu. Foram necessários oito ou nove anos de pesquisa. Há uma lógica: os dois trabalhos do projeto Genoma Humano foram publicados na Nature e na Science, em 2001. Em 2003, já começou a ficar evidente que seria preciso explorar não só o 1% dos genes, mas os outros 99%, que, num primeiro momento, foram chamados de junk DNA [DNA lixo]. Era óbvio que esse nome era inadequado porque a natureza não faria o genoma do humano com 99% de material inútil e 1% de útil. O problema é que a gente não tinha a mínima ideia naquela época – dez anos atrás – de que a proporção era essa e do que os outros 99% faziam.

Falam que a informação divulgada pelos cientistas relacionada ao DNA lixo terá impacto no tratamento de doenças psiquiátricas, pressão alta e diabete, entre outras. Na prática, a equação não é assim tão simples, é?

É só um primeiro passo. Mas, dito isso e colocando as coisas nos seus devidos lugares, é um passo gigantesco. Há muita informação nova – como a que diz que, no mínimo, 80% do "lixo", entre aspas, não é lixo. Dando aula para os meus alunos, até a semana passada, eu falava que 50% [do DNA lixo] têm funções regulatórias. Mas 80% é bastante surpreendente.

Então estamos falando de mais alguns anos de pesquisa?

Com certeza. O que eu acho é que eles [os cientistas] realmente encontraram a porta certa para se pesquisar a genética das doenças comuns. Algo que não se conseguiria estudando 1% do genoma. O peso dessa informação [divulgada ontem] é muito grande, mas não significa que vão descobrir a causa da diabete e da obesidade na semana que vem. Não é isso. Mas é quase uma garantia de que, daqui a alguns anos, nós saberemos tudo isso.

  • Salmo Raskin, médico geneticista e membro do projeto Genoma Humano

Por que doenças complexas como diabete, hipertensão arterial e transtornos psiquiátricos são difíceis de prever e, muitas vezes, de tratar? Por que um indivíduo tem uma doença como câncer ou depressão, enquanto um gêmeo idêntico permanece perfeitamente saudável? Esses são alguns dos mistérios da biologia humana que a medicina e a genética buscam desvendar.

Agora os cientistas descobriram uma pista vital para resolver esses enigmas. O genoma humano é carregado de pelo menos quatro milhões de interruptores genéticos que residem em pedaços de DNA que costumavam ser tratados como "lixo", mas que, pelo que parece, têm um papel crítico em controlar o modo como as células, órgãos e outros tecidos se comportam. A descoberta, considerada uma grande reviravolta médica e científica, tem implicações enormes para a saúde humana porque muitas doenças complexas parecem ser causadas por minúsculas mudanças em centenas de interruptores genéticos.

As descobertas são fruto de um projeto federal imenso, que envolveu 440 cientistas de 32 laboratórios do mundo inteiro. Ao mergulharem no "lixo" – partes de DNA que não são genes de verdade com instruções para produção de proteínas –, eles descobriram que ele estava longe de ser lixo de fato. Pelo menos 80% dele são ativos e necessários.

"Interruptores"

O resultado foi um mapa comentado de boa parte desse DNA, descrevendo o que ele faz e como. Ele inclui o sistema de interruptores que, funcionando como variadores de luminosidade (interruptores do tipo "dimmer"), controlam quais genes são utilizados numa célula e quando eles são utilizados, determinando, por exemplo, se uma célula se torna uma célula hepática ou um neurônio.

As descobertas têm aplicações imediatas para compreender como as alterações nas partes não genéticas do DNA contribuem para doenças humanas, que podem, por sua vez, levar a desenvolver novas drogas. Elas também podem ajudar a explicar como o ambiente pode afetar o risco de se desenvolver uma doença. No caso de gêmeos idênticos, pequenas mudanças na exposição ambiental podem alterar levemente interruptores genéticos, resultando em um gêmeo com uma doença, e o outro gêmeo, não.

"É o Google maps [do genoma humana]", diz Eric Lander, presidente do Instituto Broad, instituição que se originou de uma união da Universidade Harvard e do Instituto de Tec­­­­nologia de Massachusetts (MIT). Lander afirma que seu­­ predecessor, o Projeto Ge­­noma Humano, que mapeou toda a sequência do DNA humano, "foi como tirar uma foto da Terra vista do espaço. "Ele (o genoma) não diz onde estão as estradas, não diz como está o tráfego numa determinada hora do dia, não diz onde estão os bons restaurantes, ou os hospitais ou as cidades e rios", acrescenta.

"O DNA humano é muito mais ativo do que esperávamos, e há muito mais coisas acontecendo do que esperávamos", diz Ewan Birney, do Laboratório Europeu de Biologia Molecular – Instituto Europeu de Bioinformática, um dos pesquisadores que lidera o projeto.

Em um dos artigos publicados na Nature sobre o tema, os pesquisadores ligaram os interruptores genéticos a uma gama de doenças humanas – esclerose múltipla, artrite reumática, doença de Crohn, doença celíaca – e até a traços físicos como altura. Em grandes estudos ao longo da última década, os cientistas descobriram que pequenas alterações nas sequências de DNA humano aumentavam o risco de uma pessoa desenvolver essas doenças. Mas essas mudanças estavam no lixo, agora chamado de matéria negra – não eram mudanças nos genes – e não estava claro qual era sua significância. A nova análise revela que uma boa quantidade dessas mudanças alteram interruptores genéticos e têm grande significância.

"A maioria das mudanças­­ que afetam as doenças não repousa nos próprios genes; repousa nos interruptores", ob­­serva Michael Snyder, pesquisador da Universidade de Stanford no projeto Encode, ou Enciclopédia de Elementos do DNA, na sigla em inglês. E isso, comenta Bradley Berns­­tein, um pesquisador do En­­code no Hospital Geral de Massachusetts, "é uma grande coisa, de verdade".

Tradução de Adriano Scandolara.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]