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O candidato presidencial democrata e ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden fala durante um evento de mobilização no Belle Isle Casino em Detroit, Michigan, em 31 de outubro de 2020.
O candidato presidencial democrata e ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden fala durante um evento de mobilização no Belle Isle Casino em Detroit, Michigan, em 31 de outubro de 2020.| Foto: JIM WATSON / AFP

Em 2012, Jack Phillips, um conceituado confeiteiro de Lakewood, no Colorado (EUA), foi procurado por Charlei Craig e David Mulins, que lhe pediram para prepara um bolo de casamento. O confeiteiro, sendo cristão, recusou o pedido, alegando que não fazia bolos para casamentos homoafetivos, mas disse aos dois que poderiam escolher qualquer produto que já estivesse preparado e à disposição em sua padaria.

Os dois não aceitaram a alternativa e reclamaram à Comissão de Direitos Civis do estado do Colorado que levou o caso à justiça. O caso escalou e foi parar na Suprema Corte americana. Lá recebeu o nome de Masterpiece Cakeshop vs. Colorado Civil Rights Comission. O que estava em jogo era a objeção que o confeiteiro tinha de colocar sua arte a serviço de algo que sua consciência discordava. Phillips ganhou a causa na Suprema Corte.

Porém, o tribunal não estabeleceu na decisão uma jurisprudência ampla para casos como esses, apenas reverteu as decisões anteriores que prejudicavam o confeiteiro. Tanto é que não demorou muito para que o padeiro fosse processado novamente, dessa vez por uma questão envolvendo um transgênero; Phillips respondeu na mesma moeda processando o estado por perseguição. No final, as partes acabaram retirando suas queixas e encerrando a batalha judicial.

Esse não é o único caso de objeção de consciência que envolve religião e que foi parar na Suprema Corte. A promulgação do Obamacare também gerou um processo famoso. A história é bastante longa e levou mais sete anos de disputas judiciais, mas é bastante emblemática e vale um resumo.

Após a aprovação do Obamacare, as Little Sisters of the Poor [Irmazinhas dos pobres], uma organização religiosa católica votada à cuidar de doentes e idosos, foi obrigada a fornecer contraceptivos aprovados pela Food and Drug Administration. Havia na lei algumas exceções para objeção de consciência de grupos religiosos, mas as irmãs alegavam que, na prática, eram obrigadas a participar das distribuições dos anticoncepcionais, e o caso foi parar na justiça.

Em 2017, Donald Trump alterou algumas regulações, expandindo significativamente as isenções de consciência sobre o caso, que agora abrangiam “não apenas igrejas e seus auxiliares integrados, mas também outras entidades sem fins lucrativos, educacionais e com fins lucrativos que têm objeções religiosas ou morais sinceras ao fornecimento de cobertura anticoncepcional”.

Mas então os estados de Pensilvânia e Nova Jersey entraram na justiça contra a decisão de Trump e as irmãs tiveram de retomar seu direito de objeção de consciência na Suprema Corte. O tribunal, porém, não decidiu se as isenções de Trump estavam abrangidas pela Lei de Restauração de Liberdade Religiosa ou se eram “arbitrárias e caprichosas”, como argumentaram Pensilvânia e Nova Jersey.

Com a mudança de rumo no Executivo federal, após a vitória democrata, as regras estabelecidas por Donald Trump podem ser revertidas e a questão pode parar novamente na Suprema Corte.

Trump frequentemente citou esse caso em seus comícios, como forma de mostrar que estava lutando pela liberdade religiosa e de consciência nos Estados Unidos.

E quais são os planos de Biden-Harris?

Em ambos os casos as propostas dos democratas são claras: acabar com o uso “indevido de isenções amplas para discriminar” e retornar o mandato de contracepção exatamente como era no governo Obama.

Com a vitória de Biden, pessoas como Jack Phillips poderão ter mais trabalho para se defender na Justiça. Em seu plano de governo para direitos LGBT, o democrata afirma que, apesar da liberdade religiosa ser um valor fundamental para os EUA, estados usaram “amplas exceções” para “discriminar as pessoas LGBTQ+” e que a administração Trump-Pence criou sistematicamente “amplas isenções religiosas para as leis e políticas de não discriminação”.

Biden afirma que irá “reverter as políticas de Trump, que usam inadequadamente essas isenções amplas, e lutar para que ninguém seja recusado de um negócio ou serviço por causa de quem eles são ou amam.”

Quanto às Little Sisters of the Poor, Biden quer retomar a política de “acomodação”, que permitirá o acesso a contraceptivos pelas mulheres atendidas por entidades religiosas – por meio de uma seguradora ou uma terceirizada. Essa política de “acomodação” é o que resultou na queixa judicial das irmãs.

Mas não é só em casos como esses que o governo Biden-Harris poderia prejudicar a liberdade religiosa. Há um projeto de lei que está no Comitê do Judiciário no Senado chamado Equality Act [Lei da Igualdade].

Biden assegurou que “fará da promulgação da Lei da Igualdade uma das principais prioridades legislativas no seus primeiros 100 dias como presidente”.

Segundo o professor Douglas Laycock, professor de Direito da Universidade da Virgínia, que foi um defensor de longa data do casamento entre pessoas de mesmo sexo, e que afirma que este pode coexistir com a liberdade religiosa, a lei tal qual aprovada na Câmara de Representantes, ao adicionar “orientação sexual” e “identidade de gênero” à Lei de Direitos Civis de 1964, iria “esmagar” a objeção de consciência.

Em entrevista à National Review, o professor Laycock afirma que “a lei vai muito longe na eliminação de isenções religiosas” e que ela “não é uma tentativa de reconciliar interesses rivais”, mas “uma tentativa de um dos lados de agarrar todo o território em disputa e de esmagar o outro lado”. Contudo, o professor contemporiza afirmando que a Primeira Emenda pode oferecer alguma garantia constitucional contra a Lei de Igualdade.

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