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Cartaz de campanha em José C. Paz coloca a candidata à vice-presidência Cristina Kirchner no topo da chapa com Alberto Fernández
Cartaz de campanha em José C. Paz coloca a candidata à vice-presidência Cristina Kirchner no topo da chapa com Alberto Fernández| Foto: Anthony Faiola / Washington Post

O peso está caindo - e, ao que tudo indica, o céu também. As taxas de inflação e pobreza estão subindo. As reservas nacionais estão encolhendo rapidamente. Em suma, a Argentina - em um terrível déjà vu de crises passadas - está mais uma vez a caminho do abismo econômico.

Mas nos bancos e cadeiras de madeira do Santa Evita, uma churrascaria dedicada a Evita Perón, a heroína política que teve uma morte digna de um musical da Broadway em 1952, os clientes estão retranquis, gíria argentina para tranquilos e calmos. Porque as eleições presidenciais estão chegando. E os peronistas - os herdeiros da complexa máquina política populista lançada na década de 1940 por Juan e Eva Perón - estão prontos para um grande retorno.

A candidatura amplamente favorita para vencer a eleição tem a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner, marcada por casos de corrupção e voltando ao cenário político como candidata à vice-presidência. A notória peronista, que governou a Argentina de 2007 a 2015, sobressai em relação ao candidato à presidência Alberto Fernández, um ex-assessor do palácio e agora seu menos conhecido companheiro de chapa.

"Você poderia dizer que Cristina é a continuação da Evita", disse Gonzalo Alderete Pagés, proprietário do Santa Evita. "Cristina está em nossos corações e estamos certos de seu retorno. Onde os não-peronistas falham, ela consegue abrir os braços para a classe trabalhadora."

Na Argentina, este momento é de renascimento peronista, construído sobre uma coalizão de uma classe média desiludida, jovens de esquerda e pobres cada vez mais indignados. E à medida que se aproxima o domingo de eleições, as linhas de batalha são traçadas sobre populismo e corrupção - a mesma mistura tóxica que agora causa inquietação pela América do Sul.

No Equador, neste mês, o governo teve que sair da capital diante da investida de milhares de sindicalistas, estudantes e manifestantes indígenas que protestavam contra medidas de austeridade anunciadas pelo presidente Lenín Moreno como um corretivo a seus antecessores populistas. No Chile, pressões de custo de vida e desigualdade econômica persistente têm provocado dias dos protestos mais violentos vistos em anos. E no Peru, uma classe política contaminada pela corrupção está em guerra consigo mesma, criando uma crise constitucional e eleições legislativas nas quais alguns candidatos devem fazer campanha da prisão.

Na Argentina, os peronistas, dizem os oponentes, destruíram o país na última vez em que estiveram no poder, quando Kirchner foi acusada de falsificar dados financeiros, atacar fundos de pensão, fazer assistencialismo social e solicitar propinas, enquanto forjava alianças com aliados como Hugo Chávez, o pai do Estado socialista da Venezuela. Embora desfrute de imunidade parlamentar como senadora, a esquerdista de 66 anos chegou à campanha com quase uma dúzia de casos criminais contra ela.

Os argentinos a substituíram em 2015 pelo presidente Mauricio Macri, descendente de um magnata do setor imobiliário e outrora queridinho de Wall Street, que prometeu levar a economia para o futuro. Como Moreno, no Equador, Macri retirou do povo subsídios estimados e buscou ajuda do Fundo Monetário Internacional.

Mas os frutos do trabalho de Macri são uma economia falida que agora é mais moribunda do que a que herdou. O preço pode ser o seu cargo. Se Macri perder no domingo, isso também provaria uma teoria: que apenas a máquina peronista, grosseira e apoiada por sindicatos, pode realmente governar a incontrolável Argentina.

No seu auge no início do século 20, a Argentina, abençoada com planícies férteis que a transformaram em uma cesta de pão global, era mais rica que o Japão e tinha mais carros que a França. Mas das cinzas da Grande Depressão não houve um renascimento, mas um longo e lento declínio marcado por destrutivos governos militares e pelo populismo de Perón.

Desde a década de 1940, o centro de gravidade do movimento peronista - oficialmente, o Partido Justicialista - oscilava entre a direita e a esquerda. Hoje, abrange escolas de pensamento em todo o espectro ideológico, unindo políticos que compartilham apenas uma devoção religiosa à nação e a Juan e Eva Perón. Tão firme é o domínio peronista sobre o país que até a escolha surpresa de Macri de seu companheiro de chapa - Miguel Ángel Pichetto, senador anti-imigração de 68 anos - é oriundo da centro-direita justicialista.

"Quando temos um governo que exclui o peronismo, sempre voltamos ao peronismo", disse Felipe Solá, um veterano peronista cotado para ser ministro das Relações Exteriores em um governo Fernández-Kirchner. "Porque esse é o nosso modelo de sobrevivência nacional".

Onda peronista

Para entender a onda peronista, dirija uma hora e meia para além dos edifícios belle époque e das varandas parisienses da elegante Buenos Aires até o subúrbio de baixa renda de José C. Paz.

Aqui, Sebastian Martínez mordeu a mão que o alimentava. Em 2009, o operador de máquinas pesadas de 38 anos e sua esposa, Yanina Sánchez, receberam pessoalmente da então presidente Kirchner as chaves de sua nova casa, construída pelo Estado. Eles também desfrutavam de subsídios à eletricidade e ao gás de cozinha concedidos a eles no governo do marido de Kirchner, o ex-presidente Nestor Kirchner, que trocou o principal cargo da Argentina com sua esposa antes de morrer de um ataque cardíaco em 2010.

Sebastian Martínez e Yanina Sánchez votaram em Macri na última eleição. Mas dizem que a retirada de subsídios do governo e a alta inflação os destruíram financeiramente. Eles votarão nos peronistas no domingo | Foto: Anthony Faiola / Washington Post
Sebastian Martínez e Yanina Sánchez votaram em Macri na última eleição. Mas dizem que a retirada de subsídios do governo e a alta inflação os destruíram financeiramente. Eles votarão nos peronistas no domingo | Foto: Anthony Faiola / Washington Post | Anthony Faiola / Washington Post

No entanto, Martínez votou em Macri em 2015. Por um lado, Kirchner não estava nas urnas, tendo atingido o limite de dois mandatos consecutivos. "Mas também acreditamos em Macri, que ele mudaria a Argentina e criaria uma vida melhor", afirmou Martínez. "Isso era mentira. Tudo o que ele fez foi ajudar os ricos e esquecer os pobres."

A decisão de Macri de reduzir os subsídios somada à inflação, disse Martínez, mais do que quadruplicou o preço que ele está pagando agora pela eletricidade. Ao mesmo tempo, medidas tomadas por Macri para restaurar a fé na economia - como o resgate do FMI - simplesmente não funcionaram, enquanto tentativas de sustentar o peso e melhorar os balanços do governo queimaram as reservas e provocaram uma recessão prolongada.

No meio da crise, Martínez perdeu o emprego em tempo integral que tinha em uma empresa de construção e agora coloca comida na mesa da família de cinco pessoas fazendo serviços de limpeza em matadouros. Isto é, quando ele não está coletando lixo e papelão nas ruas para revender por dinheiro de subsistência.

"Que tipo de vida é essa?" ele perguntou. "Foi isso que Macri fez conosco. "Eu sei que a Cristina rouba. Mas pelo menos estávamos melhor com ela."

Bombas-relógio na economia

Desde a restauração da democracia argentina em 1983, três das principais crises econômicas que o país sofreu - uma hiperinflação brutal no final dos anos 1980, uma dívida catastrófica no início dos anos 2000 e o atual atoleiro econômico - ocorreram sob governos não-peronistas.

Os críticos dizem que é porque os peronistas deixam bombas-relógio na economia antes de deixarem o poder - gastando muito mais do que o país ganha para aumentar sua popularidade e influência, enquanto distorcem a economia imprimindo dinheiro.

Mas esse, muitos dizem aqui, é um problema crônico que não é exclusivo dos peronistas. "Se eu tiver que encontrar uma raiz para todas as crises, é que permanentemente, nos últimos 100 anos, houve um déficit fiscal", disse Hernán Lacunza, ministro da Fazenda da Argentina. "O Estado gastou mais do que arrecadou. Você pode fazer isso temporariamente, mas não permanentemente. E fizemos isso por dez décadas."

No entanto, para os argentinos propensos à nostalgia, os dias agradáveis ​​do peronismo são um forte atrativo - tão forte que a chapa Fernández-Kirchner alcançou uma vantagem de 15 pontos percentuais sobre Macri nas primárias nacionais em agosto, um resultado amplamente visto como previsão para a eleição no domingo. Se nenhum candidato obtiver mais de 45% dos votos, ou pelo menos 40% com 10 pontos de vantagem, os dois primeiros vão para o segundo turno no próximo mês, em que analistas dizem que Macri pode ter uma chance.

Kirchner, analistas locais dizem, optou por assumir a vaga de vice-presidente por razões pragmáticas. Ela tem uma base sólida estimada entre 25% e 35%. Mas seu teto é baixo, em parte por causa de seus escândalos pessoais. Eles incluem uma filha que supostamente está sendo tratada em Cuba por causa de problemas de saúde, mas que os críticos dizem que na verdade está evitando um processo no seu país em um caso de corrupção ligado a um cofre com US$ 4,6 milhões em dinheiro.

Segundo analistas, o cálculo feito por Kirchner é que, como vice-presidente, ela pode trazer seu núcleo de eleitores, enquanto permite a Fernández ganhar os votos daqueles que a rejeitam intensamente.

Viviana de Matteis, 55 anos, possui uma academia em Buenos Aires. Ela viu uma queda de 20% nos seus negócios no ano passado. "Eu não a suporto, mas vou votar neles de qualquer maneira", disse ela. "Ela é corrupta, mas estou votando com meu bolso. Macri não consegue fazer nada."

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