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Muro com a imagem do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e os dizeres "Fora Trump", em Caracas, 24 de janeiro |  YURI CORTEZ / AFP
Muro com a imagem do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e os dizeres "Fora Trump", em Caracas, 24 de janeiro| Foto:  YURI CORTEZ / AFP

Os Estados Unidos e a Venezuela protagonizaram um tenso impasse internacional nesta quinta-feira (24), enquanto o governo Trump manteve os funcionários da embaixada no país apesar de uma ordem oficial para expulsá-los e a Rússia exigia que os americanos encerrassem a “intervenção” no país rico em petróleo e em crise. 

Moscou e Pequim apoiaram o Estado socialista da América do Sul durante anos, investindo bilhões por meio de empréstimos e acordos de energia e estabelecendo o que é hoje um dramático jogo de poder global sobre o futuro da Venezuela. Na quarta-feira, Washington reconheceu Juan Guaidó, cabeça da oposição apoiada pelos Estados Unidos, como o legítimo líder da Venezuela, descrevendo o presidente Nicolas Maduro – um ex-líder sindical e ex-motorista de ônibus acusado de transformar a Venezuela em um narcoestado – como usurpador. 

A medida levou Maduro, na quarta-feira, a romper relações com Washington e ordenar que diplomatas dos EUA saiam do país até este final de semana. Argumentando que Maduro havia sido reeleito no ano passado através de fraude e que não é mais o governante legítimo da Venezuela, o secretário de Estado Mike Pompeo rejeitou o pedido de Maduro e indicou que os funcionários dos EUA não iriam ceder. 

Nesta quinta-feira, Maduro declarou que chamaria de volta todo o pessoal da embaixada da Venezuela em Washington e de seus sete consulados nos Estados Unidos. Ele reiterou sua exigência de que todos os funcionários da Embaixada dos EUA em Caracas partam neste final de semana, chamando Washington de "infantil" por rejeitar sua ordem. Ele evitou diretamente as consequências por permanecer, mas menosprezou o presidente Trump. 

"É Donald Trump que quer impor um governo inconstitucional de fato", disse Maduro. "Não há dúvida de que é ele, com sua loucura de acreditar que ele é a polícia do mundo. Esta é uma grande provocação." 

Nesta quinta-feira, o presidente russo Vladimir Putin entrou na briga, telefonando pessoalmente para Maduro para oferecer seu apoio, disse o Kremlin, e referindo-se à situação na Venezuela como "uma crise política interna intensificada por forças externas". 

"A interferência externa destrutiva pisa grosseiramente nas normas fundamentais do direito internacional", disse o Kremlin. 

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Jogo de poder global

A rápida escalada da crise em um jogo de poder global sugere a importância estratégica da nação sul-americana, lar das maiores reservas de petróleo do mundo, e vista por duas décadas como ponto de apoio para a Rússia na região. Sob Maduro, no entanto, a Venezuela – que já foi o país mais rico per capita da América do Sul – caiu para o status de Estado falido, enviando milhões de cidadãos famintos para fora do país em busca de comida, remédios e empregos. Em um tweet publicado na quinta-feira, os Estados Unidos solicitaram uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para o sábado para discutir a crise venezuelana. 

Também parecia provável na quinta-feira que grande parte do pessoal dos EUA seria retirado do país em meio às crescentes tensões. 

"É quase certo que as ordens para embarque serão emitidas hoje, para permitir o início do movimento de pessoas não essenciais e seus dependentes", disse John Feeley, um proeminente especialista americano na América Latina e ex-embaixador no Panamá, que atualmente atua como consultor político da Univision. 

A embaixada dos EUA já está trabalhando com uma equipe relativamente pequena, uma vez que o governo venezuelano não aprovou vistos para diplomatas adicionais por algum tempo, disseram autoridades. 

Entre os que ficaram para trás, estaria o encarregado de negócios dos EUA, James "Jimmy" Story, um oficial veterano do Serviço de Relações Exteriores originário da pequena cidade de Moncks Corner, na Carolina do Sul, que serviu no Brasil, Colômbia e México. 

Foto de arquivo mostra a embaixada dos EUA em Caracas FEDERICO PARRA / AFP

A cena do lado de fora da Embaixada dos Estados Unidos em Caracas, normalmente cheia de requerentes de visto, estava estranhamente silenciosa, com guardas da embaixada impedindo quase todo acesso. A embaixada divulgou um boletim pedindo às pessoas da equipe que levem seus filhos da escola direto para casa, se limitem a dois bairros da capital e evitem manifestações públicas. 

A embaixada disse que permanecerá aberta para os cidadãos dos EUA que precisam de "serviços de emergência", mas cancelou a maioria dos horários de vistos para os venezuelanos. As pessoas que deixavam a embaixada na quinta-feira disseram que a situação dentro dela parecia normal. 

No entanto, a decisão do governo Trump de manter a embaixada aberta em desafio a Maduro representou uma jogada arriscada, transformando-os efetivamente em joguetes no que é hoje uma crise internacional imprevisível. 

Alguns funcionários dos EUA expressaram preocupação de que, ignorando a exigência de Maduro de que todos os americanos na Embaixada dos EUA deixassem a Venezuela em 72 horas, Pompeo estava colocando em risco as vidas e o bem-estar do pessoal dos EUA. 

"É uma situação volátil, com um homem desesperado tentando se apegar ao poder. Ninguém pode presumir que isso vai funcionar", disse um funcionário do Departamento de Estado, que falou sob condição de anonimato porque não estava autorizado a falar com a imprensa. 

O Departamento de Estado não respondeu a um pedido de comentário. 

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Pressão coletiva

Especialistas disseram que a recusa de Pompeo em cumprir a ordem de Maduro é única na história do Departamento de Estado. "Eu não consigo me lembrar de diplomatas recusando uma ordem para deixar o país vindo do governo anfitrião, que é soberano", disse Ronald Neumann, presidente da Academia Americana de Diplomacia. "A segurança deve ser da responsabilidade do governo anfitrião, e geralmente é nele que as embaixadas confiam para a segurança." 

Um funcionário da embaixada, Scott Smith, postou publicamente no Facebook que a preocupação deve se concentrar no povo venezuelano, que está enfrentando uma grave crise humanitária à medida que alimentos e remédios se tornam escassos e a repressão aumenta. 

"Até o momento em que eles me forçarem a deixar este lindo lugar, eu farei tudo o que puder – mesmo que seja o menor dos atos – para apoiar essas pessoas corajosas e ajudá-las a recuperar suas vozes", disse Smith em seu post no Facebook. "Ninguém merece o que foi jogado sobre eles e eu, por exemplo, tenho orgulho de dizer que ficarei ao lado deles – desafiadoramente – até o fim." 

No entanto, a pressão coletiva dos Estados Unidos e de uma série de nações regionais, incluindo Brasil, Argentina e Colômbia, para forçar a saída de Maduro, deu nova ascensão à oposição, que levou centenas de milhares de manifestantes às ruas nesta semana. As campanhas domésticas e internacionais enfraqueceram severamente Maduro, apresentando a ele o desafio mais sério ao seu governo desde que assumiu o cargo em 2013, após a morte de seu mentor, Hugo Chavez. 

Guaidó, o novo líder da Assembleia Nacional, controlada pela oposição, está desafiando as mortais forças de segurança do governo ao se declarar presidente interino. 

Protestos continuam

Os venezuelanos passaram por uma noite tensa enquanto protestos espontâneos irrompiam pelas favelas nos setores central, leste e oeste da capital. O Observatório Venezuelano de Conflito Social, uma entidade sem fins lucrativos, registrou protestos em 70 bairros, todos confrontados com gás lacrimogêneo e balas de borracha. Uma morte durante a noite foi adicionada ao número de 11 manifestantes mortos na quarta-feira. Todas as vítimas foram atingidas por tiros. 

Dezenas de feridos inundaram os hospitais de Caracas e, em muitas áreas, pessoas saquearam supermercados, padarias e lojas de bebidas alcoólicas. Em alguns distritos, foram relatados confrontos entre civis armados e forças de segurança. Explosões de granadas podiam ser ouvidas no centro da cidade e no bairro de Petare, enquanto forças de segurança tentavam conter protestos e alvejar casas de manifestantes. 

No entanto, houve sinais nesta quinta de que o círculo interno de Maduro pode se sentir coibido de liberar toda a força do aparato de segurança da nação contra a oposição. Em declarações à imprensa em Caracas, o ministro da Defesa de Maduro, Vladimir Padrino López, denunciou Guaidó como "perigoso" e disse que um golpe estava sendo lançado para derrubar o governante "legítimo", Maduro. Mas ele também evitou declarações belicosas contra a oposição e pediu por um diálogo nacional. 

Na quinta-feira, Pompeo instou a Organização dos Estados Americanos (OEA) a substituir os representantes de Maduro por nomes indicados por Guaidó e reconhecê-lo oficialmente como o presidente interino. 

Minutos depois de Guaidó se declarar presidente na quarta-feira, o secretário geral da OEA, Luis Almagro, disse que o órgão o reconheceria como líder do país. Há duas semanas, a OEA rejeitou a legitimidade de Maduro. 

Pompeo disse que os Estados Unidos forneceriam outros US$ 20 milhões em ajuda humanitária para alimentos e remédios para a Venezuela, para serem entregues "assim que for logisticamente possível". 

A crise entrou em erupção com uma velocidade que chocou muitos observadores, que viam que Maduro provavelmente se agarraria ao poder após as eleições do ano passado, que foram condenadas internacionalmente como uma apropriação fraudulenta de poder. Mas seu juramento em 10 de janeiro trouxe uma resposta mais firme da administração Trump, que lançou seu apoio à tentativa extraordinária de Guaidó de derrubar Maduro. 

Guaidó, um engenheiro industrial de 35 anos, encabeça uma Assembleia Nacional despojada de seus poderes por Maduro, mas que é amplamente reconhecida além das fronteiras da Venezuela como a única instituição democrática que restou no país. Ele parece oferecer uma nova esperança a uma oposição à deriva e há muito dividida, pregando anistia aos militares se isso o ajudar a derrubar Maduro. 

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Dinâmica global

A importância estratégica da Venezuela como nação que abriga as maiores reservas de petróleo do mundo e como aliada socialista da Rússia, China e Cuba, deu à crise uma dinâmica global imediata. 

A Rússia, fonte de bilhões de dólares em empréstimos para a Venezuela, insistiu que Maduro continua a ser o presidente legítimo e criticou a abordagem dos EUA. Autoridades russas e parlamentares pró-Kremlin disseram que a Venezuela – depois do Iraque, Líbia, Ucrânia e Síria – estava se tornando a mais recente vítima dos esforços globais dos EUA de fomentar mudanças de regime violando as normas internacionais. 

Os chineses, que também apoiaram Maduro, parecem oferecer um apoio mais morno. Hua Chunying, uma porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, disse que "sanções externas e interferências geralmente complicam a situação". Questionada repetidamente se a China reconhece Maduro, ela simplesmente declarou que "em 10 de janeiro deste ano, o presidente Maduro abriu um novo mandato, e muitos países e organizações internacionais, incluindo a China, participaram da cerimônia de inauguração". 

Ela acrescentou que a China espera que os lados venezuelanos possam resolver "diferenças políticas através do diálogo e de processos consultivos". 

A crise venezuelana estava dividindo a América Latina, causando uma reviravolta na noção sobre a longa adesão da região à não-interferência. 

Um grande número de nações, da Argentina ao Peru, ficou do lado dos Estados Unidos e apoiou o Guaidó. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, não apenas saudou Guaidó como presidente interino, mas ordenou que a equipe da embaixada brasileira em Caracas ignorasse as diretrizes de Maduro. 

No entanto, no México, o governo do presidente esquerdista Andres Manuel Lopez Obrador manteve o apoio a Maduro. 

Na Europa, onde Trump e Maduro são geralmente muito impopulares, vários líderes procuraram neutralizar a crise, pedindo por um caminho para novas eleições sem reconhecer formalmente a denominação de Guaidó como chefe de Estado legítimo. 

Em Bruxelas, os líderes da União Europeia propuseram "um processo político imediato que leve a eleições livres e confiáveis, em conformidade com a ordem Constitucional", de acordo com uma declaração da chefe da política externa da UE, Federica Mogherini. 

"A UE apoia plenamente a Assembleia Nacional como a instituição democraticamente eleita cujos poderes precisam ser restaurados e respeitados." 

O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, pediu calma nesta quinta-feira.

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