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Manifestantes iraquianos agitam bandeiras do seu país em frente à sede do governo na cidade de Basra durante protestos contra o governo, 30 de outubro de 2019
Manifestantes iraquianos agitam bandeiras do seu país em frente à sede do governo na cidade de Basra durante protestos contra o governo, 30 de outubro de 2019| Foto: Hussein FALEH / AFP

De Hong Kong ao Iraque, de Barcelona ao Chile, manifestantes de todo o mundo têm ido às ruas para protestar contra seus governos nos últimos meses.

À primeira vista, alguns protestos parecem ser explosões espontâneas de indignação por preocupações aparentemente pequenas. Mas quase todos os principais protestos deste ano têm raízes profundas e são o resultado de anos de crescente frustração por falta de ação, problemas econômicos, má administração, corrupção ou repressão do governo.

Para os manifestantes, faltava apenas a gota d'água.

Com protestos abalando o mundo todo, explicamos os principais números que estão provocando indignação em vários países.

Líbano: US$ 0,20

Manifestantes protestam contra o governo em Trípoli, Líbano, 27 de outubro de 2019
Manifestantes protestam contra o governo em Trípoli, Líbano, 27 de outubro de 2019| Ibrahim CHALHOUB / AFP

Com o anúncio da sua renúncia na terça-feira, o primeiro-ministro libanês Saad Hariri atendeu uma das principais demandas dos manifestantes que paralisaram o país por quase duas semanas. Mas é improvável que a medida acalme as tensões entre manifestantes e uma elite política que, segundo os críticos, é corrupta e responsável por má gestão, problemas econômicos e questões ambientais.

Enquanto os problemas do país parecem ser muito variados - de altos níveis de poluição do ar a uma crise de lixo que polui o Mar Mediterrâneo a temores de um colapso econômico - os manifestantes veem uma linha comum entre eles. Eles argumentam que um fator que afundou o Líbano é o sistema de compartilhamento de poder do país, que é baseado no domínio colonial francês e distribui assentos parlamentares com base em linhas sectárias. O presidente do parlamento é sempre um muçulmano xiita. O presidente é um cristão maronita. O primeiro-ministro é um muçulmano sunita.

Os defensores desse sistema dizem que essa configuração impede que uma religião assuma o controle e jogue o país em turbulência. Os críticos argumentam que os interesses divergentes desses grupos no parlamento tornam impossível chegar a um rápido consenso, quando chegam. O grupo Hezbollah, apoiado pelo Irã - um partido político no Líbano apoiado por muitos xiitas, embora considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos e por muitos outros países ocidentais - foi um obstáculo especialmente difícil à postura mais pró-ocidente de Hariri. O Hezbollah deve continuar sendo um problema para a futura tarefa de formar um novo governo.

Quanto tempo isso pode levar? Ninguém sabe, mas é melhor esperar sentado. O parlamento libanês levou 12 anos para aprovar um orçamento, que foi finalmente aprovado em janeiro, para tentar impedir que a crise da dívida do país ficasse fora de controle. A aprovação do orçamento também era uma exigência dos credores ocidentais para empréstimos prometidos.

Mas a aprovação do parlamento pode ter chegado tarde demais, pois a crise da dívida do país continuou a piorar ao longo do ano.

Em meio a um profundo descontentamento com o estado de paralisia contínua, as tensões aumentaram em meados de outubro, quando o governo de Hariri propôs uma taxa equivalente a US$ 0,20 por dia para chamadas de voz na internet. Embora fosse quase insignificante em comparação com os problemas maiores do Líbano, a proposta parecia resumir o sistema político quebrado que tornou os libaneses médios mais pobres - e os ricos mais ricos.

Uma questão-chave agora é qual será o papel do Hezbollah e do seu aliado Movimento Amal. Depois que seus apoiadores atacaram manifestantes anti-governo na terça-feira, as preocupações com uma escalada violenta estão aumentando.

Bolívia: 10,57%

Confronto entre apoiadores do partido de oposição Comunidade Cidadã e a polícia em La Paz, 24 de outubro de 2019 Foto: Jorge bernal / AFP
Confronto entre apoiadores do partido de oposição Comunidade Cidadã e a polícia em La Paz, 24 de outubro de 2019 Foto: Jorge bernal / AFP| AFP

Apoiadores e opositores do presidente da Bolívia, Evo Morales, têm ido às ruas desde o fim da eleição presidencial de 20 de outubro, quando Morales foi declarado vencedor, reeleito para um quarto mandato.

O tribunal eleitoral da Bolívia declarou a vitória de Morales em primeiro turno por uma margem de 10,57% em relação ao segundo colocado, o ex-presidente Carlos Mesa. A margem é apenas ligeiramente maior do que os 10% exigidos para que um segundo turno fosse evitado. Mas os números foram anunciados após um intervalo inexplicável na divulgação dos resultados que durou quase 24 horas e aumentou entre a oposição as suspeitas de fraude nas eleições.

Morales é o primeiro presidente indígena da Bolívia e preside o país há quase 14 anos. Ele tem popularidade e, com sua abordagem mais pragmática, mantém boas relações com países ocidentais. Mas o seu respeito pela democracia foi questionado após ele ter ignorado o resultado de um referendo em 2016 em que a população decidiu que ele não poderia concorrer para mais um mandato; mesmo assim, ele garantiu uma decisão judicial que permitiu a sua candidatura.

Iraque: 168/180

Manifestantes se reúnem na Praça Tahrir em protesto contra o governo em Bagdá, Iraque, 31 de outubro de 2019
Manifestantes se reúnem na Praça Tahrir em protesto contra o governo em Bagdá, Iraque, 31 de outubro de 2019| AHMAD AL-RUBAYE / AFP

Protestos também abalaram o Iraque no mês passado, quando os iraquianos expressam sua raiva por questões que parecem semelhantes às do Líbano: corrupção, infraestrutura precária e desemprego, entre outras.

Embora o Iraque seja relativamente rico em petróleo, cerca de 50% de sua receita é destinada a pagar funcionários do governo que, nas palavras do colaborador do Washington Post Max Boot, "trabalham pouco". Muitos funcionários do governo são suspeitos de usar os cofres do país para enriquecer a si mesmos e a seus patrocinadores políticos. Esse nível de percepção da corrupção colocou o Iraque entre os países mais corruptos do mundo em 2018, segundo a Transparency International. O grupo classificou o Iraque entre os últimos do globo - o 168 entre 180.

Como no Líbano, os críticos do governo têm uma agenda ampla, e muitos exigem uma reformulação do sistema político do Iraque.

Mais de 200 pessoas foram mortas desde o início do mês passado, incluindo pelo menos 83 pessoas desde sexta-feira, depois que soldados do governo abriram fogo contra manifestantes, segundo grupos de direitos humanos. Também houve confrontos entre manifestantes e milícias apoiadas pelo Irã, que ganharam mais influência no Iraque nos últimos anos.

Hong Kong: 800 quilômetros

Manifestantes gritam palavras de ordem diante de fileira de policiais (fora do quadro) ao bloquear uma passagem durante Halloween em Hong Kong, 31 de outubro de 2019
Manifestantes gritam palavras de ordem diante de fileira de policiais (fora do quadro) ao bloquear uma passagem durante Halloween em Hong Kong, 31 de outubro de 2019| ANTHONY WALLACE / AFP

Agora no seu quinto mês, o movimento de protestos em Hong Kong ainda não mostrou sinais de enfraquecimento. Para alguns em Hong Kong, a longa vida das manifestações em massa - que ainda atraem centenas de milhares de pessoas regularmente - é motivada pelos temores de que suas liberdades para expressar descontentamento com Pequim possam em breve ser reduzidas.

Muito antes dos protestos em massa deste ano em Hong Kong, os céticos já duvidavam que a China cumprisse seu princípio que ajudou a unir a antiga colônia britânica e a China continental: "Um país, dois sistemas" - um acordo que sempre incluiu o sistema de justiça.

Os otimistas sustentavam que o realismo econômico preservaria o status semi-autônomo de Hong Kong, enquanto Pequim gradualmente retirava seus mais de um bilhão de cidadãos da pobreza e Hong Kong estava atraindo negócios lucrativos. Mas, nos últimos anos, a transformação econômica chinesa rapidamente ganhou impulso, assim como o pessimismo em relação ao futuro de Hong Kong como um território semi-autônomo.

Desde que o Reino Unido entregou o controle de Hong Kong em 1997, pessimistas temem que Pequim tolere apenas temporariamente o grau único de liberdade política e econômica do território. Eles temiam que Pequim estivesse procurando uma abertura para interferir.

Uma dessas aberturas surgiu em fevereiro de 2018, a cerca de 800 quilômetros de Hong Kong, no norte de Taiwan.

Em férias em Taiwan com o namorado, uma mulher grávida foi brutalmente assassinada e seu corpo foi colocado em uma mala. O namorado dela, Chan Tong-Kai - um morador de Hong Kong - mais tarde admitiu o crime. Mas Chan não pôde ser mandado de volta para enfrentar acusações porque Hong Kong não possui um tratado de extradição com Taiwan.

O caso proporcionou uma oportunidade para a líder do executivo de Hong Kong, Carrie Lam, de borrar ainda mais a separação entre a China continental e Hong Kong, dizem seus críticos. Meses depois, ela propôs emendas à lei de extradição do território que tornariam mais fácil a movimentação de suspeitos - inclusive para a China continental.

Pequim apoiou Lam como líder do executivo de Hong Kong, e muitos críticos argumentaram que ela era apenas uma marionete do governo chinês. Para eles, o projeto de extradição era simplesmente uma manobra para permitir a Pequim maior controle sobre Hong Kong e seu povo.

Ativistas de direitos humanos, empresários e outros temiam que não mais pudessem confiar no estado de direito de Hong Kong se as emendas fossem aprovadas.

Embora a lei de extradição tenha sido retirada, críticos temem que seja apenas uma questão de tempo até que mais restrições sejam impostas a Hong Kong, especialmente porque a legislatura de Hong Kong está cheia de partidários pró-Pequim.

Chile: 30 pesos

Manifestante com bandeira Mapuche em protesto contra políticas do governo do Chile em Santiago, 29 de outubro de 2019
Manifestante com bandeira Mapuche em protesto contra políticas do governo do Chile em Santiago, 29 de outubro de 2019| Martin BERNETTI / AFP

Como no Líbano, os protestos do Chile foram - pelo menos parcialmente - desencadeados por mudanças que na superfície parecem insignificantes, mas que representaram a última gota.

No Chile, essa gota d'água foi uma alta de 30 pesos (cerca de R$ 0,16) nas tarifas do metrô, o que provocou a ira dos manifestantes sobre o que eles dizem serem deficiências nos serviços públicos e níveis perigosos de desigualdade.

Há muito que o Chile é considerado uma história de sucesso econômico na América do Sul. Mas isso teve um custo: especialmente os chilenos mais jovens dizem que não se beneficiaram com o que - no papel - parecia ser progresso.

Saúde e educação, por exemplo, foram enormemente privatizadas. As aposentadorias são insuficientes.

O Chile é o país mais desigual de todos os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Alguns manifestantes culparam a constituição da era da ditadura militar no país, a partir de 1980, que permitiu aos governos subsequentes abandonar as medidas de bem-estar social e adotar uma postura radicalmente pró-mercado.

O presidente Sebastián Piñera, no cargo desde o ano passado, foi apontado pelos manifestantes por incorporar a raiz da crise. O bilionário já adotou um movimento semelhante de privatização como presidente entre 2010 e 2014.

Espanha: 92%

Manifestação pró-independência da Catalunha em Barcelona, 26 de outubro de 2019
Manifestação pró-independência da Catalunha em Barcelona, 26 de outubro de 2019| LLUIS GENE / AFP

Os manifestantes tomaram novamente as ruas da Catalunha no fim de semana, depois de semanas de violentos confrontos na região do nordeste da Espanha. O gatilho para a indignação deles parece ser recente: eles estão se unindo contra a condenação de nove líderes separatistas catalães no mês passado, que foram acusados ​​de sedição e apropriação indébita de fundos.

Mas as questões levantadas pelos julgamentos mais uma vez expuseram um desejo profundamente enraizado entre partes da população catalã de se tornar uma nação independente.

Em outubro de 2017, os ex-líderes catalães realizaram um referendo sobre a independência da Catalunha. Apenas 43% dos eleitores registrados compareceram, mas entre esses, a esmagadora maioria - 92% - apoiou a separação da Espanha. (As pesquisas indicam, no entanto, que o movimento pela independência é muito menos popular entre a população catalã em geral. A maioria agora parece ser contra a independência, e muitos boicotaram o referendo de 2017).

Na Espanha, o governo de Madri considerou o referendo da Catalunha inconstitucional, antidemocrático e uma provocação.

O movimento pró-independência da Catalunha já pediu outro referendo, o que para alguns é uma promessa e para outros, uma ameaça. O movimento surge a partir de um senso profundo entre alguns catalães de que a região é fundamentalmente diferente da Espanha em muitos aspectos. Ela tem seu próprio idioma e distintas cultura e política - diferenças que não apenas sobreviveram, mas também foram encorajadas pela repressão espanhola no passado.

Após um dos piores períodos de supressão do ditador militar Francisco Franco, de 1939 a 1975, a Catalunha recuperou a semiautonomia.

Como um dos centros econômicos da Espanha, a região desde então atrai trabalhadores de todo o país e da Europa. Sua auto-suficiência fortaleceu a crença entre partes da população catalã de que a região seria melhor se estivesse sozinha e não tivesse que pagar impostos que, segundo críticos do governo de Madri, beneficiam sobretudo outras regiões espanholas.

Mas a recuperação econômica da Espanha nos últimos anos recalibrou um pouco a posição da Catalunha. A capital da Espanha, Madri, está rapidamente ganhando influência econômica e cultural.

À sombra crescente de Madri, muitos na Catalunha ficaram ainda mais determinados a buscar um futuro independente.

Rússia: 31,7%

Chamado de "o verão dos protestos", este ano revelou a vibração da sociedade civil russa - e uma dupla estratégia adotada pelo governo russo: às vezes, as autoridades permitiam que as manifestações prosseguissem. Outras vezes, elas as reprimiam com violência.

Alguns dos manifestantes se opõem veementemente ao presidente russo Vladimir Putin. Outros estão insatisfeitos com a deterioração da economia.

Mas não se engane: embora a confiança em Putin tenha caído de 33% em janeiro para 31,7% em maio, segundo o Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Rússia, ninguém espera o fim iminente do governo russo. (Em resposta aos baixos índices de aprovação, o instituto de pesquisas estatal da Rússia introduziu uma nova metodologia. Os índices de aprovação de Putin saltaram para mais de 70%.)

"O ano passado viu uma mudança no ânimo da população russa que, em combinação com várias outras tendências, poderia significar problemas para Putin, não fosse a incapacidade da oposição de unir os russos e contrariar a narrativa desgastada pelo governo", a jornalista e analista russa Ksenia Kirillova escreveu no Atlantic Council.

Paquistão: 2,4%

Apoiadores do partido político Jamiat Ulema-e-Islam protestam contra o governo do Paquiestão em Islamabad, 1 de novembro de 2019
Apoiadores do partido político Jamiat Ulema-e-Islam protestam contra o governo do Paquiestão em Islamabad, 1 de novembro de 2019| Aamir QURESHI / AFP

O primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, está enfrentando reação negativa devido à deterioração da economia e à violação de direitos civis, incluindo preocupações recentes sobre restrições à liberdade de imprensa.

Enquanto a economia do país se acostumou a taxas de crescimento anual acima de 4%, o número para 2020 pode cair para 2,4%, em meio a estagnação nas exportações e altas dívidas. Khan foi forçado a negociar outro resgate do FMI.

Os adversários de Khan acusam a estrela do críquete que se tornou primeiro-ministro de causar a crise econômica e administrar mal suas consequências. Os preços da energia elétrico e dos alimentos dispararam. O desemprego está em ascensão - embora a criação de mais empregos tenha sido uma das principais promessas da campanha de Khan antes de sua vitória no ano passado.

Mas o governo de Khan também enfrentou críticas sobre a maneira como lidou com a repressão da Índia na região disputada da Caxemira. A oposição alega que Khan fracassou em reunir críticas internacionais contra seu arquirrival.

Em todo o mundo: mais de 150 países

Os protestos começaram sem grande alarde e, pelo menos inicialmente, quase passaram despercebidos. Na Bélgica, 30.000 estudantes de ensino médio e universitários abandonaram suas aulas. Na Alemanha, Suíça e Austrália, outros se juntaram às marchas, que logo se espalharam pelo mundo.

Inspirados pela ativista sueca contra mudanças climáticas Greta Thunberg, que deu início a um protesto solitário matando aulas em frente ao parlamento sueco, manifestantes predominantemente jovens exigem mais ações contra as mudanças climáticas.

Thunberg e outros argumentaram que uma ação dos jovens é necessária, porque eles serão os mais afetados pelo impacto das mudanças climáticas. Com as emissões de CO2 relacionadas à energia ainda em crescimento, há poucas indicações de que os líderes mundiais genuinamente compartilhem o seu senso de urgência, argumentam.

Em setembro, protestos ocorreram simultaneamente em milhares de locais em mais de 150 países.

As manifestações pressionaram os governos a levar mais a sério as demandas climáticas. O governo alemão, por exemplo, aprovou apressadamente novas medidas de para diminuir as emissões em meio aos protestos generalizados.

Mas muitos ativistas argumentam que são necessárias medidas mais decisivas. Em alguns casos, a frustração com a inação do governo encorajou grupos mais controversos, como a Extinction Rebellion, que interrompeu o trânsito em várias capitais, incluindo Londres e Berlim, por períodos prolongados.

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