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Primeira entrega dos EUA de ventiladores pulmonares ao Brasil| Foto: Embaixada dos EUA no Brasil

A pandemia de Covid-19 mudou as prioridades nas relações diplomáticas. A resposta à doença que já matou mais de 526 mil pessoas em todo o mundo nos últimos seis meses passou a prevalecer nas conversas entre os países, seja na busca integrada de vacinas e medicamentos ou no auxílio em equipamentos e itens de segurança para o trabalho diário no combate ao vírus. Entre o Brasil e os Estados Unidos isso não foi diferente.

As parcerias na resposta à pandemia passaram a ser mais relevantes nas conversas entre os dois países, embora as ações conjuntas de segurança na tríplice fronteira estejam fortalecidas e as negociações sobre um acordo comercial bilateral continuem, timidamente - assim como as tentativas de persuasão do governo americano para que o Brasil não permita a participação da telecom chinesa Huawei em pontos sensíveis da estrutura da rede 5G brasileira.

A Gazeta do Povo conversou com o cônsul-geral dos Estados Unidos em São Paulo, Adam Shub, para saber onde estão concentradas as ações bilaterais para o combate à Covid-19, qual o posicionamento dos Estados Unidos sobre o compartilhamento de uma vacina contra a doença, a rivalidade com a China, aproveitando também para entender como estão as parcerias em outros setores.

Pandemia

Os EUA já doaram ao Brasil mais de US$ 53 milhões, a maior parte desta ajuda está vindo de doações de empresas americanas, mas o que o governo americano está fazendo para auxiliar o Brasil nesse momento de pandemia? 

Adam Shub: Podemos dividir em três categorias: ajuda direta do governo mesmo; das empresas americanas, de tecnologia, de marcas conhecidas como Ford, Cargill, Coca-cola - e esse esforço tem sido muito importante; e o terceiro eu diria é a ajuda global que a gente tem dado principalmente na área de farmacêutica. Nesta semana, os EUA fizeram uma doação de um bilhão de dólares para a companhia AstraZeneca, parceira da Oxford, para a produção de vacinas. Então essas companhias recebem ajuda do governo americano e essa ajuda beneficia todo mundo, já que a indústria farmacêutica está procurando vacina e medicamento contra a Covid-19. Os EUA estão ajudando bastante nisso de forma bastante generosa. Claro que também estamos mandando ventiladores, equipes médicas, principalmente para a Amazônia, mas também estamos doando para São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades mais afetadas.

Os EUA estão se posicionando como o país que mais está prestando auxílio a países necessitados ou que estão mais em apuros nessa pandemia. Mas no contexto atual, onde é cada vez mais forte uma percepção de divisão entre EUA e China, eu queria saber há uma competição de narrativa com a China quanto à ajuda internacional como um todo? 

Adam Shub: A doação por parte dos EUA faz parte da nossa parceria com Brasil. Estamos focando no problema da Covid-19 agora, mas temos outras parcerias entre Brasil e os Estados Unidos que estão continuando, como parcerias de comércio, apesar da atuação econômica, parceria de segurança, especialmente na região da tríplice fronteira, parceria cultural. Tudo isso está continuando. Temos uma relação de 200 anos com o Brasil, são dois países de envergadura continental, acreditamos muito nos mesmos valores, como democracia e a liberdade de imprensa, valores que a gente compartilha.

A China é um bom parceiro comercial, a gente fabrica muita coisa lá e eles mandam muita coisa para o Brasil e para os EUA. A dificuldade que a gente tem está na área de comércio recíproco, e a segunda coisa é a segurança. Falando das telecomunicações, do 5G, não é assunto comercial, é de segurança. Cada país, inclusive o Brasil, tem que avaliar de forma cuidadosa o que está comprando quando compram sistemas de um país que é francamente uma ditadura. Cada país tem o direito de fazer seu próprio futuro, mas somos uma democracia, apoiamos as outras democracias, e queremos que esses valores sejam valores universais. Isso é fundamental. Com a China vamos seguir, mas sendo realistas, olha o que está acontecendo em Hong Kong, por exemplo.

Não vamos fazer concorrência de máscaras e ventiladores. O Brasil precisa e muitos outros países precisam. Mas estamos trabalhando com outras coisas e aqui no Brasil estão vendo e apreciando isso.

China e EUA também parecem ter visões diferentes sobre a vacina contra a Covid-19. A China está prometendo compartilhar, enquanto o presidente Donald Trump diz que é preciso respeitar as patentes. Qual é exatamente o posicionamento dos EUA em relação às vacinas contra a Covid-19?

Adam Shub: Os EUA apoiam a iniciativa privada. Os EUA têm uma indústria farmacêutica inovadora, com vários casos de sucesso no passado, seja com a Sars, a Mers e outras doenças, como hepatite C. Nos EUA temos um modelo em que empresas privadas atuam em uma parceria com o governo. Muitas pesquisas de desenvolvimento têm sido feitas nos laboratórios do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, pago pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA). Todo mundo acha que é 100% privado e não é. O governo dos EUA tem uma parte muito importante nisso.

A ideia dentro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é que a empresa privada produz a melhor possibilidade de encontrar uma vacina, um medicamento, que seja contra câncer, diabetes, todo tipo de doenças. No momento, há muitas empresas competindo para produzir uma vacina. Além da Oxford e AstraZeneca, tem a Pfizer, da Gilead que, por exemplo, é uma companhia que já conhecemos e que trabalhamos juntos na produção do Tamiflu, que tem uma história de parceria com o governo americano que ofereceu produção sem pagar patente para países de pobreza extrema. Tudo é uma parceria, com investimentos e com boas práticas da OCDE e do setor privado, acho que vai dar certo.

Tecnologia

Quais são as preocupações dos EUA com a participação da Huawei na rede 5G do Brasil?

Adam Shub: A lei chinesa de inteligência nacional exige que as companhias cooperem com os serviços de inteligência e segurança, há uma linha direta para os militares e agência de inteligência. Esse é o grande problema. Se um país está querendo fazer investimento econômico na rede, tem que ter um fornecedor confiável na infraestrutura. Não temos uma empresa específica que estamos exigindo que o Brasil compre. Há três concorrentes: Ericsson, Nokia e Huawei. Não estamos querendo vender o nosso. Tomamos uma decisão de que [a Huawei] não seria confiável e outros países vão tomar a decisão deles. E vários já tomaram uma decisão contra a Huawei nas redes super sensíveis.

As empresas de telecomunicação que atuam aqui estão pressionando pela participação da Huawei, enquanto o governo brasileiro tem se mantido neutro sobre o assunto. O governo americano tem conversado com as autoridades brasileiras sobre isso recentemente?

Adam Shub: A Huawei está fornecendo equipamentos subsidiados, com preços mais baixos. Por isso estamos conversando agora com BNDES e outros bancos para tentar ajudar financiamento de redes. Para todas as operadoras no Brasil é um investimento bastante pesado, vai ser difícil passar de 4G a 5G nas cidades, no campo, entre os estados. É uma coisa séria. Sabendo a complicação que é em São Paulo para conseguir uma torre de 5G, a burocracia que precisa enfrentar, é complicado.

Nos últimos dez anos a Huawei ofereceu a outros países em desenvolvimento equipamentos totalmente subsidiados e depois subiu os preços. Então estamos tentando assegurar uma concorrência leal para esses produtos. Que seja a Ericsson ou Nokia, mas são equipamentos confiáveis e não subsidiados.

Quais seriam as implicações para o Brasil se a Huawei for autorizada a participar dos leilões? Haveria alguma sanção por parte dos EUA?

Adam Shub: Vamos ter que pensar. Houve discussões com o governo brasileiro e acho que eles se dão conta do perigo, do risco, sobretudo para assuntos de segurança nacional. Lá perto do Paraná, na fronteira com Argentina e Paraguai, tem todo o tipo de redes criminosas, estão passando de um lado a outro, pessoas, drogas, dinheiro, armas. Mas no futuro vai ser o perigo dos dados. E a gente já está enfrentando isso com a Europa e tudo que tem sido hackeado desde China, Coreia e Rússia, e o movimento de dados é super importante controlar, como armas e drogas. Convidamos o Brasil para fazer parte dos países do clube da OCDE e tem um bom número de coisas e objetivos e entendimentos comuns, como sobre a importância de proteger os dados e por razões econômicas e de segurança nacional, então acho que o Brasil poderia estar conosco.

A candidatura do Brasil à OCDE poderia ser prejudicada?

Adam Shub: Não sei. Falta tempo para chegar lá, mas acho que no Itamaraty, nos conselhos do governo federal eles estão bem conscientes dos riscos e das possibilidades se não tiver uma rede protegida para assuntos de segurança nacional.

Acordo comercial

A quantas anda o acordo comercial com o BR? Quais são as expectativas de um acordo bilateral? Parece que os EUA não estão muito interessados nesse assunto no momento, porque o representante comercial dos EUA disse que não pretende negociar um acordo com o BR neste ano. É isso mesmo? Por quê?

Adam Shub: O Brasil tem uma economia enorme e complexa. Temos com o Brasil muitas áreas em que somos competidores e outras em que somos complementares. Os EUA são o principal destino dos produtos brasileiros de valor agregado. Os EUA têm muitos investimentos no Brasil e nos últimos dez anos houve muito investimento que vai do Brasil aos EUA também. É uma relação bastante complicada e interdependente. O mercado de bens, de valor agregado, a agricultura, que é um assunto complicado, e depois investimento. Além de tudo isso tem a parte tributária. Todos esses elementos têm sido discutidos já.

Eu não sei se dentro dos próximos seis meses vai acabar, mas há discussões entre empresários, representantes do governo, da parte comercial, da parte de investimentos e da parte econômica, da parte científica, etc. Estamos avançando e vamos ver ao que chegaremos ao final desse ano. Ainda temos eleições [nos EUA] em novembro.

Mas todo esse diálogo começou na época do presidente Temer, recebeu um impulso bastante forte com a chegada do presidente Bolsonaro, mas do setor privado também. Essa história de que não é só os EUA que estão investindo aqui, mas que o BR também está investindo lá, eu acho que é uma situação bem diferente hoje do que há 10 anos ou 20 anos, na época em que Alca foi negociada.

Acho que não vai ser um acordo enorme. Vamos para fechar pequenos acordos, de maneira rápida e de maneira moderna e apropriada para os dois países nesse momento. O governo do brasil está a favor e a gente está também. Até o começo da Covid-19 tivemos várias discussões, como um fórum dos CEOs do BR e dos EUA, e a ideia é dobrar o comércio em cinco anos e acho que vai dar. Tem todo o tipo de investimento e interesse em investir por parte dos dois lados. Já firmamos um acordo de salvaguarda tecnológica para abrir uma oportunidade de lançar satélites com tecnologia americana e brasileira, que vai ser uma parceria importante. Todos os elementos são promissores. O tamanho da economia e dinamismo do mercado brasileiro é super interessante para americanos e acho que o que está acontecendo nos EUA, em tecnologia, em serviço, tudo isso é de grande interesse para investidores brasileiros.

Alguns congressistas democratas disseram que se opõem a qualquer acordo comercial com o Brasil porque o governo brasileiro demonstra “total desconsideração pelo meio ambiente e pelos direitos humanos”. Essa questão ambiental é importante para o governo americano? Isso pode ser um empecilho para o acordo?

Adam Shub: A cada acordo que fazemos sempre há um elemento importante de direitos humanos. É um elemento chave da nossa personalidade política. O meio ambiente também. Todos os acordos têm elementos para fazer valer as leis de proteção de direitos humanos e do meio ambiente. Não vai haver um avanço sem dar importância a esses temas.

Quanto à carta, e eu já várias desse tipo, é um posicionamento político e tudo é um diálogo político. No final eles vão ver o que foi negociado. Lembre-se que nos EUA a aprovação de um tratado de comércio, a política comercial, precisa ser aprovada pelo Congresso. Vamos ver depois das eleições de novembro como vai ficar o Congresso, no Senado e na Câmara, mas acho que eles vão jogar um papel super importante e sabem que no final vão querer um acordo que beneficie todo mundo, os trabalhadores, os dados, um acordo que proteja o meio ambiente. Sem dúvida, não vamos esquecer e deixar de lado e parece que o governo está consciente e trabalhando nessa área.

Terrorismo

No relatório do Departamento de Estado sobre terrorismo, a tríplice fronteira foi citada como um ponto de preocupação por causa da atuação do Hezbollah. O senhor poderia desenvolver mais sobre o assunto, explicar quais são essas preocupações? E quais ações são tomadas em conjunto para evitar que grupos terroristas atuem lá?

Adam Shub: Três ou quatro vezes já visitei o Paraná e isso foi tema de discussão em cada vez. Temos uma preocupação global pelo terrorismo e estamos agradecidos que o governo federal brasileiro e o governo estadual do Paraná também compartilham dessa preocupação.

O terrorismo e todo o tipo de rede de criminalidade se misturam hoje em dia. Ou seja, o terrorista pode lavar dinheiro através de redes criminosas, pode conseguir passaporte falso e comprar armas a partir de outras redes criminosas. É uma integração de redes criminosas como narcotráfico, terroristas do Oriente Médio.

Por isso que a nossa resposta foi dar apoio a um centro integrado de operações de fronteira, o Ciof de Foz do Iguaçu. Nós temos centros como esse em Washington, Nova York e na fronteira com o México em El Paso, que reúnem especialistas de várias áreas como de fronteira, monitoramento, e financeiros. Eles ficam nesses centros para responder de maneira integrada. Foi uma resposta nossa à integração das redes criminosas.

O ex-ministro Sergio Moro visitou esses centros há muitos anos e depois como ministro e convidou a gente para ajudar com a nossa experiência. O governador do Paraná pediu uma relação de apoio, uma parceria de segurança – e na verdade tenho que admitir que esse esforço tem sido um esforço bem paranaense.

O Ciof é uma evolução natural dessa resposta  e estamos desenvolvendo melhores técnicas, boas práticas e uso da tecnologia lá. Esse centro é uma plataforma para coletar, analisar e disseminar inteligência, discutir como responder. Também é um centro de treinamento para compartilhar táticas diferentes sobre terrorismo, meio ambiente, até a máfia mais tradicional de vários países, seja russa, italiana, libanesa, e o tráfico de drogas. Essa região [da tríplice fronteira] é super importante para os EUA. O fluxo de drogas, armas, bens e serviços, investimento, é toda uma área bem complexa para analisar e responder.

Há parcerias em nível estadual, municipal, com as polícias rodoviária, militar, agências de Brasília de inteligência. E temos recebido uma boa resposta do governador do Paraná, Ratinho Junior, e do Ministério da Justiça.

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