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Trabalhadores agrícolas no município de Pueblo Llano, na Venezuela
Trabalhadores agrícolas no município de Pueblo Llano, na Venezuela, em 27 de junho de 2019| Foto: Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times

Na Venezuela, onde a fome é generalizada, não faz muito tempo um agricultor perdeu a colheita inteira. Guiando os bois no arado pelos campos, foi catando milhares de cenouras mirradas. "Mas os caminhões que vinham buscar a safra não apareceram", conta.

A falta de combustível vem castigando o país desde maio, levando o setor agrícola já em dificuldades praticamente ao colapso, ameaçando gerar mais fome e desnutrição numa nação em que quase metade da população faz menos de três refeições por dia.

"Aí, tudo perdido", lamenta Joandry Santiago, apontando para as raízes estragadas que lhe custaram meses de trabalho.

A Venezuela é rica em petróleo, mas os anos de má gestão e corrupção do setor, agravados pelas sanções impostas pelos EUA em fevereiro deste ano, secaram as bombas de gasolina em um momento crítico. Primeiro, a escassez impediu que agricultores como Santiago levassem seus produtos para os mercados; agora, está dificultando novas semeaduras.

O "The New York Times" entrevistou dezenas de produtores. Quase todos reduziram a área de plantio este ano e alguns estão até deixando os campos em pousio, medidas que certamente prejudicarão ainda mais o fornecimento de alimentos e levarão mais gente a aumentar o fluxo de mais de quatro milhões que já deixaram o país.

Declínio da produção

  • Um trabalhador pulveriza inseticida em lavouras de milho recém-colhidas em Turen | Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT
  • Agricultores colhem batatas em Pueblo Llano | Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT
  • Agricultores colhem batatas em Pueblo Llano | Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT
  • Campos de milho em Turen, Venezuela | Foto: Adriana Loureiro Fernandez/ NYT
  • Cenouras recém-colhidas e lavadas no município de Pueblo Llano | Foto: Adriana Loureiro Fernandez /NYT
  • Cenouras recém-colhidas e lavadas no município de Pueblo Llano | Foto: Adriana Loureiro Fernandez /NYT
  • Campos de arroz em Turen | Foto: Adriana Loureiro Fernandez/ NYT

A falta de combustível é devastadora após seis anos de crise econômica sob Nicolás Maduro, cujas políticas de controles de preços, expropriações e peculato sancionado pelo Estado destruíram o setor privado do país. A repressão que promove aos adversários políticos e a retórica socialista atraíram a ira do presidente Donald Trump, que impôs duras sanções aos membros do alto escalão de seu governo e aos setores cruciais da economia.

Os agricultores dizem que tentam produzir, apesar da falta de incentivos, do controle de preços, da criminalidade, da inflação estratosférica e do colapso na demanda.

O município onde vive Santiago, Pueblo Llano, fica nos Andes, na porção oeste, e já foi responsável por 60% de toda a produção de batata e cenoura da Venezuela, mas a safra deste ano foi só metade da de 2018 por causa da escassez de gasolina e outros problemas como a falta de sementes e fertilizantes, segundo a cooperativa local, La Trinidad.

O declínio de Pueblo Llano se repete por todo o setor: nas vastas planícies do leste, por exemplo, a cana apodrece a alguns metros da refinaria e os arrozais se tornaram improdutivos pela primeira vez em 70 anos porque os agricultores não têm combustível para levar seus produtos para os centros de distribuição, nem sementes ou fertilizantes para iniciar novas plantações.

Principal associação agrícola da Venezuela, a Fedeagro calcula que a área das duas principais culturas do país, o milho e o arroz, encolherá pela metade este ano; já o órgão de cultivo de cana informa que a produção de açúcar no polo principal, no estado de Portuguesa, caiu de 11 milhões em 2018 para 4,5 milhões este ano.

"O colapso é exponencial. A única explicação possível é que o governo simplesmente não se importa", diz Aquiles Hopkins, presidente da Fedeagro.

Maduro reagiu à crise agrícola prometendo US$ 35 milhões em novos créditos em maio – programa que a associação diz ser ridiculamente pequeno, beneficiando apenas os produtores mais próximos ao governo.

Crise de combustíveis

Escassez de gasolina em um país com as maiores reservas de petróleo do mundo é só a consequência mais recente de um colapso total dos serviços sob Maduro, que deixou milhões de cidadãos sem fontes confiáveis de eletricidade, água e gás de cozinha.

Quando uma crise de importação de combustível coincidiu com a escassez nas refinarias, em meados de maio, o país mergulhou no caos, levando a pelo menos duas mortes nas filas que se formaram à espera do produto.

Desde então, o suprimento nas maiores cidades melhorou um pouco, mas permanece baixíssimo na porção ocidental venezuelana, maior região produtora de alimentos. Nos estados de Tachira e Mérida, que cultivam a maior parte dos legumes do país, os moradores estão limitados a trinta litros de gasolina por mês.

  • Centenas de carros esperam em fila do lado de fora de um posto de gasolina que estava fechado por seis dias no município de Pueblo Llano | Foto: Adriana Loureiro Fernandez / NYT
  • Um posto de gasolina fechado no município de Pueblo Llano | Foto: Adriana Loureiro Fernandez/ NYT

Em uma visita a Pueblo Llano em junho, vi 150 carros esperando na porta de um posto fechado pelo sexto dia consecutivo. A maioria dos motoristas estava dormindo nos veículos para evitar roubos, enfrentando o frio de uma altitude de 2.286 metros. Durante o dia, voltavam a pé para as propriedades, viagem que, em muitos casos, leva horas.

"Eu sentado aqui nesta fila e minha produção lá apodrecendo. Não vou ter o que colher", lamenta Richard Rondón, doando abóboras imensas empilhadas na caçamba de sua picape aos passantes.

Os economistas dizem que será praticamente impossível repor o colapso da produção nacional de alimentos com opções vindas de fora: em abril, a importação per capita caiu, ficando no menor nível desde os anos 50; de acordo com a corretora Torino Capital, não há dinheiro em circulação devido ao agravamento da crise econômica e das sanções dos EUA. Em abril, a importação totalizou apenas US$ 303 milhões em abril, 92% a menos que o mesmo mês em 2012.

Falta comida

"Com esse nível de importação e dada a destruição do setor agrícola nacional, vai ser muito difícil evitar uma deterioração significativa na disponibilidade de alimentos", afirma Francisco Rodríguez, economista da Torino Capital.

A crise dos combustíveis acontece em um momento em que grande parte dos venezuelanos já está passando fome: em dezembro, um mês antes da imposição de sanções americanas contra o petróleo venezuelano, somente 55% estavam fazendo três refeições ao dia, segundo o instituto de pesquisas Delphos.

E o impacto que causa no campo já se faz sentir nas cidades: os preços da cenoura, da batata e da banana-da-terra mais que dobraram no principal entreposto de Caracas em junho, superando até o índice de inflação mensal, calculado em cerca de 26%, de acordo com os comerciantes.

Uma saca de batata de 55 kg hoje custa cinco vezes mais que o salário mínimo nacional. Enfrentando os preços astronômicos dos custos da alimentação, a maioria da população vem reduzindo o consumo de legumes e verduras, substituindo-os por opções menos nutritivas como massa, arroz e milho processado que muitos recebem na cesta básica subsidiada pelo governo.

Somente um terço das famílias venezuelanas teve condições de comprar semanalmente outras opções vegetais que não as plantas típicas locais em 2017, segundo os dados mais recentes de uma pesquisa nutricional anual preparada, entre outras entidades, pela Fundación Bengoa. Desde então, o consumo de alimentos nutritivos caiu ainda mais, contribuindo para reforçar "a fome oculta dos venezuelanos", como explica Maritza Landaeta, pesquisadora do grupo.

"Não é possível que o país fique sem ter o que comer quando temos aqui seis mil hectares de legumes e verduras parados", desespera-se Augusto Alarcón, diretor da cooperativa La Trinidad, de Pueblo Llano.

Alto custo para produtores

  • Um transportador de morangos enche o tanque de seu caminhão com um galão de gasolina em Mérida | Foto: Adriana Loureiro Fernandez/ NYT
  • Trabalhadores plantam sementes de milho em Turen | Foto: Adriana Loureiro Fernandez / NYT

Os altos preços dos produtos nas cidades não beneficiam os produtores; apenas refletem os custos logísticos altíssimos. "O custo de levar as batatas de Pueblo Llano para Caracas triplicou nos últimos meses", conta Oswaldo García, um dos poucos atacadistas sobreviventes da região. Enquanto o combustível para os carros na bomba está quase gratuito, a escassez força as empresas de logística a compensar a diferença no mercado negro, onde um litro de gasolina chega a custar US$ 1,72.

Há dois anos, García operava uma frota de 70 caminhões para transportar 120 variações de hortifrúti; hoje, só sobraram quinze veículos.

Para lidar com a falta de gasolina, algumas transportadoras estão trocando os caminhões por outros, movidos a diesel, cujo abastecimento é um pouco melhor – só que a gasolina continua sendo imprescindível na cadeia rural da produção, incluindo o transporte e a alimentação dos trabalhadores, a operação das bombas e a aquisição de peças das máquinas.

A escassez afetou a colheita do arroz, sensível ao tempo, e a do milho no estado de Portuguesa; em maio, impediu que os agricultores plantassem novamente antes da temporada de chuvas. "Quando for a hora da colheita, daqui a quatro meses, então vamos ver a extensão do estrago dessa crise", prevê Victor Sánchez, fazendeiro de Turén, em Portuguesa.

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