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Os últimos soldados da missão alemã no Afeganistão chegaram à base aérea na Baixa Saxônia depois de serem retirados de campo, em 30 de junho de 2021
Os últimos soldados da missão alemã no Afeganistão chegaram à base aérea na Baixa Saxônia depois de serem retirados de campo, em 30 de junho de 2021| Foto: CHRISTIAN DITTRICH/Agência EFE/Gazeta do Povo

Forças militares dos Estados Unidos e de aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) deixaram nesta sexta-feira (2) a base aérea de Bagram, o principal centro de operações da coalizão no Afeganistão desde o início da guerra, há 20 anos, após os atentados de 11 de setembro de 2001.

A base aérea, construída pela União Soviética durante a invasão dos anos 1980, agora será controlada pelas Forças de Defesa e Segurança Nacional do Afeganistão. Cerca de 600 soldados americanos devem permanecer no país, segundo informou a Associated Press, para fazer segurança de diplomatas e proteger o aeroporto internacional de Cabul.

A saída das tropas americanas e dos aliados da base aérea, localizada cerca de 70 quilômetros ao norte de Cabul, faz parte de um acordo firmado com o Talibã em 29 de fevereiro de 2020, durante a presidência de Donald Trump, no qual os EUA se comprometeram a retirar todas as suas forças militares do Afeganistão até maio. Em troca, o Talibã garantia que o solo afegão não seria usado contra a segurança dos Estados Unidos e seus aliados e que iniciaria negociações com o governo em Cabul.

Quando assumiu a Casa Branca, Joe Biden ampliou o prazo da completa retirada em alguns meses, mas manteve o compromisso, informando que até 11 de setembro de 2021 todas as forças americanas terão deixado o Afeganistão. Nesta sexta-feira, a porta-voz do governo Biden, Jen Psaki, disse a repórteres que o país planeja concluir a retirada até o final de agosto, mantendo apenas uma presença diplomática no Afeganistão.

É necessário lembrar que as operações de combate da Otan encerraram em 2014, o que levou os EUA a reduzirem drasticamente o número de soldados no país. Os que ficaram – cerca de 8.500 – estavam concentrados em treinar e apoiar as forças de segurança afegãs e conduzir operações antiterrorismo contra a al-Qaeda.

Com esse processo de retirada final e sem acordos de paz, a guerra dos EUA no Afeganistão parece que vai chegando ao fim, por mais que a Casa Branca tenha se comprometido a continuar enviando apoio financeiro ao governo local (US$ 3,3 bilhões para o próximo ano) e ainda estejam considerando oferecer algum tipo de suporte aéreo às tropas afegãs, caso Cabul esteja em risco de ser tomada pelo Talibã.

O Afeganistão, por sua vez, ainda está longe de ter dias de paz.

Guerra civil

Nesta sexta-feira, o Talibã comemorou que as tropas americanas estavam deixando a base aérea de Bagram e qualificou o movimento como "um bom passo" para a paz no Afeganistão. "Acreditamos que é um bom passo para todos os afegãos e abre caminho para estabelecermos e mantermos a paz. A saída de todas as forças estrangeiras do país é benéfica tanto para os Estados Unidos quanto para os afegãos", disse o principal porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid.

Porém, há sérias preocupações entre os afegãos quanto à intenção do grupo terrorista de encerrar a guerra de 20 anos pela via pacífica. A redução das tropas internacionais em solo afegão veio acompanhada de um aumento das ofensivas do Talibã: desde o início da retirada, os insurgentes capturaram quase 80 dos 407 distritos das forças governamentais na região norte e recentemente conduziram ataques perto da capital, Cabul. Há ainda relatos de que forças de segurança afegãs se renderam sem lutar, deixando seus veículos de transporte e outros equipamentos fornecidos pelos americanos para os insurgentes. Alguns analistas de segurança na região estimam que o grupo terrorista controle 140 distritos e que tenha algum nível de influência sobre outros 170.

O comandante dos EUA no Afeganistão, general Austin "Scott" Miller, disse a jornalistas nesta semana que está muito preocupado com a possibilidade de o país entrar em uma caótica guerra civil. "A situação da segurança não é boa", disse Miller, segundo o Washington Post, citando o aumento das baixas entre as tropas afegãs em um momento em que um processo de diálogo entre o governo do presidente Ashraf Ghani e o Talibã deveria estar ocorrendo.

"É possível visualizar um caminho de guerra civil", disse o general, alertando que se a violência aumentar, o país pode "evoluir" para um estado caótico, semelhante ao que ocorreu na década de 1990 após a saída das forças soviéticas.

Soma-se a isso a previsão, feita pela comunidade de inteligência americana, de que o governo afegão poderia cair em seis meses após a retirada total das tropas internacionais. Cabul chegou a lançar nesta semana uma "Mobilização Nacional" para armar milícias anti-Talibã, o que, para observadores internacionais, é mais um sinal de fraqueza e desespero que poderia levar a uma guerra civil multifacetada, já que muitos destes milicianos são leais a seus comandantes locais e não ao governo.

Mas o governo Biden não voltará atrás. Em um encontro com Ghani na Casa Branca na semana passada, o presidente democrata disse que os EUA continuarão dando apoio às forças armadas do país, mas que os afegãos teriam que "decidir seu próprio futuro".

Contrariando algumas previsões, o presidente americano manteve o compromisso assumido por seu antecessor. Há um grande apelo popular nos Estados Unidos para que as tropas estacionadas no Afeganistão "voltem para casa" após 20 anos de um conflito que matou 2.442 soldados americanos, 3.800 contratados por empresas de segurança privadas americanas e 1.144 soldados de países da coalizão. Além da perda das milhares de vidas, o custo financeiro da guerra é estimado em US$ 2,2 trilhões, segundo o projeto Custos da Guerra, da Universidade Brown.

"A verdade da questão é tão feia quanto a própria guerra: o Afeganistão estava em estado de guerra civil antes de os militares dos EUA entrarem no país e estará em estado de guerra civil muito depois de os militares dos EUA partirem", escreveu recentemente o colunista do National Review Daniel DePetris, membro da organização Defense Priorities e a favor da retirada dos soldados americanos. "Se 140.000 soldados dos EUA e da coalizão não conseguiram resolver a guerra civil de décadas do Afeganistão, é ridículo acreditar que a presença de 3.500 soldados americanos resolverá o problema".

Conversas intra-afegãs e regionais

"A decisão dos EUA de retirar todas as forças militares até o 20º aniversário do 11 de setembro aumenta a probabilidade de que a guerra civil de quatro décadas no Afeganistão se intensifique, pelo menos no curto prazo", avalia Richard Olson, associado do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) e que já serviu como embaixador dos EUA no Paquistão durante o governo de Barack Obama.

Ele explica que o conflito no Afeganistão pode ser pensado como três círculos interligados e sobrepostos. "O círculo mais interno é o conflito entre os afegãos que está em curso desde pelo menos abril de 1979. O círculo intermediário envolve os estados regionais, muitos dos quais intervieram nos assuntos afegãos desde 1979 (e até antes). Finalmente, o anel externo constitui o envolvimento de forças internacionais desde outubro de 2001".

Com a retirada das tropas americanas e da Otan finalizada em setembro, o círculo mais externo se desfaz. As conversas intra-afegãs, entre Talibã e o governo Ghani, fazem parte do círculo mais interno, mas ainda não avançaram, mesmo depois de oito meses do começo do diálogo, em Doha. O Talibã acusa Cabul de não estar interessado no processo de paz; Cabul acusa o Talibã de não desfazer laços com a al-Qaeda e outros grupos terroristas.

Um dos problemas pela falta de avanço destas negociações é o governo disfuncional de Cabul. Ghani divide o poder com Abdullah Abdullah, seu rival político, e os desentendimentos entre os dois acabam fortalecendo o Talibã. Em entrevista à CNN nesta semana, Abdullah admitiu que "a unidade entre os líderes políticos" do Afeganistão é necessária para que uma solução pacífica seja encontrada e evite-se o colapso do governo.

Tudo isso torna o progresso das negociações intra-afegãs improvável, ao menos no curto prazo, já que o Talibã provavelmente vai testar a força militar do governo após a saída da Otan do país, intensificando os combates. Olson também afirma que, no contexto regional, é necessário que se estabeleça um fórum que reúna os principais estados com interesses no Afeganistão para que se possa encontrar uma proposta que seja bem recebida por todos.

"O objetivo inicial deve ser cimentar o consenso existente de que não deve haver retorno do emirado do Talibã e aplicar pressão sobre o Talibã para moderar sua ofensiva militar, acomodar seus rivais e se envolver em negociações substantivas sérias".

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