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Nova Iorque – A estréia do longa de ficção Rendition, com Jake Gyllenhaal, Reese Witherspoon e Meryl Streep, foi cercada de dúvidas. Era a primeira vez que o cinemão de Hollywood ousava tocar num tema delicado após o 11 de Setembro: o uso de tortura pelo serviço secreto na guerra ao terror. O filme conta a história de um jovem americano, de origem egípcia, que é confundido com um terrorista, seqüestrado no aeroporto de Washington e enviado a uma prisão secreta, num país não identificado. A maior dúvida era saber se o público iria assistir a um enredo deste tipo. Na primeira semana de exibição, o filme ficou em nono lugar e em duas semanas arrecadou US$ 8 milhões.

Nada mal para um enredo que teria tudo para ser um fracasso de bilheteria. Rendition questiona a validade das informações obtidas por meio de tortura, já que a maioria dos prisioneiros confessa qualquer coisa para livrar-se do flagelo físico ou psicológico. É a resposta das grandes produtoras de cinema às pesquisas de audiência, que revelam um público sedento por informações sobre a guerra contra o terror, o que inclui temas tabus como tortura.

"O filme é surpreendentemente corajoso para padrões de Hollywood e tem algumas semelhanças com casos verdadeiros, mas é evidente que não se vai mudar a opinião pública com duas horas de cinema", avalia Clive Sttaford Smith, advogado da organização humanitária Reprive, que representa mais de 40 prisioneiros de Guantánamo.

Rendition não é o único a tratar do tema: há uma nova onda de filmes de ficção que questionam os rumos da guerra ao terror e que inclui In the valley of Elah e The Kingdom. Também há uma nova safra de documentários, e cinco deles estão entre os mais comentados da temporada. O drama da ocupação prolongada, fotografias de tortura na prisão de Abu Ghraib, soldados convocados entre imigrantes ilegais com a promessa da cidadania, tudo passa pelo crivo dos documentaristas. É a segunda onda de documentários desde a invasão do Iraque. A primeira – que teve filmes como Gunner Palace, The war tapes, My country, my country – era produto da total imersão do tema da guerra e privilegiava o relato de experiências de combate. A segunda leva ganha um tom mais crítico. Trata-se menos de coletar depoimentos e mais de pensar as razões da guerra ao terror e os erros da ocupação no Iraque.

Um dos mais inquietantes é No end in sight, de Charles Ferguson, que trata das razões da insurgência de milícias iraquianas contra a ocupação e do fracasso da política de intervenção levada pelo interventor Paul Bremer, nomeado por Donald Rumsfeld. Ferguson é PhD em Ciência Política pelo MIT, foi pesquisador do Brookings Institute, em Washington, e é membro do Council of Foreign Relations.

Outros dois documentários tratam de tortura: Taxi to the dark side, de Alex Gibney, e Os fantasmas de Abu Ghraib, de Rory Kennedy, a filha mais nova de Robert Kennedy. O filme de Gibney tem um tom mais ácido e fala de uma outra guerra, talvez mais dolorosa, a guerra dos EUA consigo mesmo. Ou seja, como o terror exerceu impacto sobre as instituições democráticas, restringindo direitos fundamentais e eliminando a aplicação da Convenção Internacional de Genebra a prisioneiros de guerra.

O fato de que filmes como esses estejam ganhando espaço no grande circuito de salas de exibição nos EUA mostra que o público americano começa a prestar atenção a temas que antes estavam fora do debate eleitoral. A maior campanha presidencial da história dos EUA já ampliou a agenda dos assuntos que prometem mobilizar o eleitorado.

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