Depoimento
O luto de uma nação passa a fazer parte das minhas férias
Jorge Olavo, editor-assistente de Vida e Cidadania
O último pensamento que eu teria ao visitar Buenos Aires seria ver a Argentina em luto. Meu segundo dia de passeio na cidade começou com a notícia de que o ex-presidente Néstor Kirchner havia morrido. Entretanto, já estava programada uma quarta-feira atípica para o país feriado para ser feito o Censo 2010.
Por volta das 10h30, cheguei à Casa Rosada junto com emissoras de rádio e tevê locais. Acompanhei a primeira homenagem do povo. O metalúrgico Ariel Becker, 29 anos, pendurava nos portões da sede do governo argentino uma bandeira nacional, flores e uma mensagem desejando "força" a Cristina Kirchner, viúva e atual presidente.
O mais emocionante foi ver, cinco horas depois, a homenagem de Becker se juntar a outras milhares. Uma multidão se acumulou na Plaza de Mayo durante o dia, uma fila sem fim levava pessoas à Casa Rosada para prestar homenagem ao ex-presidente.
Grupos vieram de várias partes do país e diversas vozes se uniram em hinos. Um policial disse-me que 20 mil pessoas já tinham passado por ali e 5 mil estavam na praça. Minha impressão é que havia muito mais naquele momento e a contagem não pararia de aumentar... Sim, o luto de uma nação está fazendo parte das minhas férias.
Néstor Kirchner foi eleito presidente da Argentina em 2003, embora muitos argentinos tenham ouvido seu nome pela primeira vez a apenas poucas semanas das eleições que o levaram à Casa Rosada. Seus quatro anos de governo foram marcados por mudanças políticas e sociais no país, como a renovação da Suprema Corte e o estreitamento de laços com o Brasil e os demais países da América Latina. Mas o principal feito do líder peronista foi a recuperação econômica argentina.
Kirchner sucedeu Eduardo Duhalde na Presidência. O país enfrentava as consequências da crise econômica iniciada em 2001, decorrente do calote da dívida argentina e das sucessivas alterações no comando do país. O novo presidente manteve o ministro da Economia de seu antecessor, Roberto Lavagna, e também sua política econômica, priorizando a desvalorização da moeda com a compra de divisas pelo Banco Central e a elevação das exportações. O resultado foi um crescimento econômico com taxas próximas a 10% do Produto Interno Bruto (PIB).
Dívidas
A relação do governo de Néstor Kirchner com o Fundo Monetário Internacional foi conflituosa, embora ele tenha decidido antecipar o pagamento da totalidade da dívida com o organismo internacional (mais de US$ 10 bilhões). Assim, apesar das declarações públicas, o governo de Kirchner foi o que mais pagou dívidas ao FMI em toda a história argentina.
Embora seus críticos argumentem que o relativo sucesso econômico do país foi fruto mais do cenário internacional favorável e da base de comparação ruim dos anos anteriores do que dos méritos do governo, a Argentina obteve níveis de crescimento elevado a partir de 2003. Para seus opositores, a recuperação econômica não poderia se manter não fosse a queda do poder de compra do salário mínimo.
Mas nem tudo foi sucesso na gestão do peronista. Durante seu governo, o Clarín e o La Nación, principais jornais do país, foram acusados de perseguir e de promover campanhas contra o governo. "Não posso falar pelo jornal, mas o clima geral no país é de imenso pesar", diz Walter Curia, jornalista do Clarín, ao preferir não comentar o embate de Kirchner com a imprensa.
Néstor Kirchner também comprou briga com produtores rurais e parte do empresariado, mas conseguiu eleger sua esposa, Cristina, para o comando do país em 2007.
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