
Há mais de 20 anos no poder, o presidente russo, Vladimir Putin, teve como um de seus trunfos na invasão à Ucrânia uma arma que costuma acompanhar líderes que se perpetuam no poder: um legislativo subserviente.
A Assembleia Federal russa é composta de duas casas, o Conselho da Federação (câmara alta) e a Duma (câmara baixa). O partido de Putin, o Rússia Unida, tem ampla maioria em ambas: tem 142 dos 170 assentos do Conselho da Federação e 324 das 450 cadeiras da Duma.
Os parlamentares do Conselho da Federação, ao contrário do que ocorre na câmara baixa, não são eleitos diretamente: cada região federal russa tem direito a dois representantes, sendo que um senador é eleito pelos legislativos locais e outro é nomeado pelo governador regional e tem seu nome confirmado pelo parlamento local.
Na minoria nas duas casas, os partidos mais representativos são o Comunista (três assentos no Conselho e 57 na Duma), o social-democrata Somente Rússia – Pela Verdade (quatro cadeiras na câmara alta e 28 na baixa) e o Liberal Democrata, de direita (cinco no Conselho e 23 na Duma). O recém-criado Novo Povo, de centro-direita, que não tem assentos no Conselho da Federação, conseguiu 15 cadeiras na eleição para a Duma realizada no ano passado.
Essa gama de legendas pode dar a impressão de que, apesar da esmagadora maioria, Putin ao menos tem alguma oposição dentro do legislativo russo. Entretanto, um relatório divulgado no ano passado pelo Parlamento Europeu indicou que não é bem assim.
“Com o partido no poder claramente no comando, o parlamento serve como pouco mais do que um carimbo para as iniciativas do Kremlin e do governo. Dentro do sistema de democracia controlada da Rússia, o principal papel da oposição parlamentar é preservar uma aparência de pluralismo político, excluindo cuidadosamente a maioria dos críticos do regime”, destacou o documento, que apontou que as verdadeiras vozes críticas a Putin, como o ativista Alexey Navalny (preso no ano passado), são impedidas de concorrer nas eleições e sufocadas com acusações criminais, o que em muitos casos as leva a deixar o país.
Apesar de, em tese, estarem em campos políticos opostos, o Partido Comunista e o Liberal Democrata não costumam divergir quando o assunto é Putin.
“Na maioria das vezes (...), tanto os liberais democratas quanto os comunistas parecem satisfeitos em oferecer apenas oposição simbólica. Em questões de política externa, eles apoiam amplamente a agenda de Vladimir Putin, e ambos não têm muito interesse em melhorar os laços com o Ocidente. Em 2020, nenhum deputado dos dois partidos se opôs às mudanças constitucionais que deram a Putin a opção de ficar mais 12 anos no poder”, indicou o relatório do Parlamento Europeu.
O Somente Rússia – Pela Verdade é considerado pró-Kremlin e o Novo Povo foi descrito por associados a Navalny como um projeto do governo Putin, criado para dividir os votos da oposição sem prejudicar o Rússia Unida.
Críticas isoladas à invasão da Ucrânia
Apesar dessa situação extremamente controlada pelo presidente russo, esporadicamente ocorrem episódios de manifestação de dissidência, como quando três parlamentares do Partido Comunista criticaram a invasão da Ucrânia.
Oleg Smolin, deputado da Sibéria, se disse “chocado” numa rede social. “Como intelectual russo, estou convencido de que a força militar deve ser usada na política apenas como último recurso”, afirmou. “Eu não poderia votar pelo reconhecimento das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk [na região de Donbass] sem me trair.”
Mikhail Matveyev, deputado da região de Samara, escreveu também nas redes sociais que votou “pela paz, não pela guerra”, “para que a Rússia se torne um escudo, para que Donbass não seja bombardeada, e não para que Kiev seja bombardeada”. Entretanto, ele depois apagou as mensagens, alegando que estariam sendo utilizadas por outros países “para incitar o ódio mútuo”.
O último parlamentar russo a se manifestar, Vyacheslav Markhaev, senador da Sibéria, criticou no Facebook o fato de a Rússia ter escondido “planos para desencadear uma guerra em grande escala contra nosso vizinho mais próximo”.
Apesar dessas poucas vozes discordantes sobre a invasão da Ucrânia, poucos dias depois a Duma aprovou por unanimidade uma lei que prevê pena de 15 anos de prisão para quem divulgar fake news na Rússia sobre os militares do país – o que inclui, por exemplo, chamar de “invasão” ou “guerra” o que Putin descreve como uma “operação militar especial” em andamento no país vizinho.
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