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A professora voluntária Kory Hernandéz toma conta de seus alunos na Escola Fundamental Aquiles Nazoa | Wil Riera/For The Washington Post
A professora voluntária Kory Hernandéz toma conta de seus alunos na Escola Fundamental Aquiles Nazoa| Foto: Wil Riera/For The Washington Post

Um aluno rebelde de 9 anos sai correndo de sua classe, incitando um professor voluntário a persegui-lo pelos corredores. Normalmente, o estudante seria levado diretamente ao gabinete de Romina Sciaca. Mas a conselheira pedagógica se foi, parte de uma leva de funcionários que abandonou a Escola Fundamental Aquiles Nazoa, em Caracas.

A Venezuela é um estado socialista em colapso e está sofrendo uma das mais dramáticas fugas de talentos humanos na história moderna. O que ocorre na escola Aquiles Nazoa dá apenas uma ideia do que acontece quando uma nação começa a se esvair. Os imensos vazios no mercado de trabalho venezuelano estão causando uma ruptura no cotidiano e roubando um país de seu futuro. O êxodo é vasto e profundo – uma saída de médicos, engenheiros, trabalhadores de petróleo, motoristas de ônibus e eletricistas.

E professores.

Até agora, em 2018, 48 mil professores – ou 12% de todo o contingente em escolas dos ensinos fundamental e médio em todo o país – pediram demissão, de acordo com o Se Educa, um grupo educacional. A vasta maioria, de acordo com o grupo, se juntou a um enorme contingente de venezuelanos que saem do país para escapar das filas de comida e prateleiras vazias em supermercados.

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Na Escola Aquiles Nazoa – batizada em homenagem a um poeta – a conselheira pedagógica Romina Sciaca foi a primeira a sair, com destino ao Chile, um ano atrás. Reinaldo Cordero pediu demissão alguns meses depois, deixando para trás sua turma de segunda série e um salário que a hiperinflação corroeu para um valor de cerca de US$ 29, na cotação do mercado paralelo de dólar.

Esperanza Longui – que também dava aulas a uma turma da segunda série – pediu demissão em fevereiro. Ela está em casa, arrumando as malas para ir ao Peru. Para chegar lá, vai passar pelo Equador, país para o qual se mudou recentemente Maryoli Rueda, professora que lecionava para a terceira série na mesma escola. A diretora Deliana Flores tentou e falhou na tentativa de achar substitutos para os que se demitiram. Como há uma saída em massa de professores, algumas séries em escolas venezuelanas chegam a ficar meses sem aulas. Na Aquiles Nazoa, alunos da terceira série ficaram em casa por duas semanas. Desesperada, Flores está tapando os buracos no quadro de funcionários com voluntários – basicamente mães de alunos, como Kory Hernandez, de 24 anos.

Mas isto não está funcionando.

Hernandez arrastou pela manga da camiseta o aluno rebelde de 9 anos, citado no começo da reportagem, de volta para a sala de aula. Após coloca-lo de volta na carteira, ela suspirou. “Quieto”, disse impotente, enquanto a classe explodiu em rebelião aberta. 

“Por favor”, disse a voluntária. “Quando vocês vão aprender?”

“Máquina social“ emperra por falta de pessoal

Pense na Venezuela como uma grande fábrica, onde a linha de produção social não funciona mais – em parte porque há cada vez menos e menos pessoas para opera-la. Durante os primeiros cinco meses de 2018, aproximadamente 400 mil venezuelanos fugiram do país, indo atrás de outros 1,8 milhão que fizeram o mesmo caminho nos últimos dois anos, segundo a Universidade Central da Venezuela. Mesmo assim, nem esses números podem captar completamente o escopo do êxodo. Trabalhadores humanitários que lidam com a crise nas nações fronteiriças dizem que uma média de 4,6 mil venezuelanos deixam o país por dia desde o 1º de janeiro – o que colocaria o balanço de saída apenas deste ano em 700 mil.

Os venezuelanos estão fugindo de uma nação quebrada por políticas socialistas fracassadas, incompetência administrativa do governo, corrupção e baixos preços de petróleo no mercado internacional – a venda da commoditie é a principal fonte de renda do país.

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“Não é apenas por alguns médicos fugindo mais”, diz Tomas Páez, um especialista em migração da Universidade Central da Venezuela. “É sobre hospitais [com falta de pessoal] fechando andares inteiros”.

Milhares de venezuelanos – especialmente de classes sociais mais altas – começaram a deixar o país com a ascensão do líder de esquerda Hugo Chávez, que se tornou presidente em 1999. Mas, no ano passado, a economia venezuelana caiu de um despenhadeiro, o que incitou um êxodo mais drástico. Especialistas sustentam que a saída em massa vai aumentar como consequência da reeleição de Nicolás Maduro, no último dia 20 de maio. Denunciada internacionalmente como ilegítima, a eleição eliminou a qualquer possibilidade de mudança real na condução do país. Em meio a falta de comida, a fome disseminada está crescendo, em um país que já sustentou o posto de maior renda per capita da América Latina. Sem remédios, doenças tratáveis, como o HIV e a malária, estão fora de controle. Com a hiperinflação atingindo 14 mil porcento ao ano, agora são necessários cinco dias de trabalho a salário mínimo para comprar uma dúzia de ovos.

O valor dos salários está caindo dia a dia. Na metade de 2017, o pagamento mensal médio a um professor valia cerca de US$ 45. Hoje, vale cerca de US$ 8.

“Se continuarmos assim, a Venezuela não vai nem ser um país de terceiro mundo mais”, diz a diretora Deliana Flores, da Escola Aquiles Nazoa. 

Lacunas massivas na força de trabalho estão prejudicando serviços críticos no país. Nos corredores escuros de uma estação de metrô da capital Caracas, em uma tarde recente, passageiros subiam escadas rolantes quebradas e passavam por cabines de venda de passagens fechadas. As condições refletem um contingente de funcionários reduzido: no ano passado, 2.226 empregados do metrô abandonaram seus postos, segundo a Família Metro, um órgão de monitoramento de trânsito da capital do país.

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“Há uma falta imensa de empregados em operação e manutenção agora”, disse Ricardo Sansone, chefe do Família Metro. “Não há pessoas para vender as passagens em muitas estações, então passageiros frequentemente não estão pagando para usar o metrô”.

No Hospital Infantil Jose Manuel de los Rios, em Caracas, 68 médicos – ou 20% do total – se demitiram e deixaram o país nos últimos dois anos. A ala cardiológica do estabelecimento abre apenas pelas manhãs, já que três de seus seis especialistas se foram. Há cerca de 300 vagas para enfermeiras abertas. A falta de pessoal é tão severa que o hospital só consegue operar duas de suas sete salas de cirurgia.

“Agora leva de oito meses a um ano para conseguir marcar uma cirurgia”, diz Huniades Urbina, uma experiente pediatra.

Este ano, milhares de blecautes atingiram a Venezuela, escurecendo cidades, às vezes por semanas. A falta de material importado de reposição para a manutenção da precária rede de abastecimento de energia elétrica do país é um dos problemas. Mas, assim com também é “a fuga de nossos funcionários treinados”, nas palavras de Aldo Torres, diretor-executivo da Federação dos Eletricitários da Venezuela, uma associação de sindicatos de trabalhadores do setor.

“Todos os dias, nós estamos recebendo dúzias de ligações de colegas dizendo que estão indo para Colômbia, Peru e Equador”, disse Torres. “Os que saem são substituídos por pessoas que em sua maioria não são qualificadas”.

Moradores usam celulares como velas durante um blecaute no bairro de La Carlota, em CaracasWil Riera/For The Washington Post

Perda de talentos e de futuros talentos

A cerca de 11 quilômetros da Escola Fundamental Aquiles Nazoa, o campus da Universidade Simón Bolívar está estranhamente quieto. Uma vez considerado o “MIT da Venezuela”, a instituição que sacudia com alguns dos melhores engenheiros e físicos latino-americanos agora está sob o risco de virar uma cidade fantasma.

Em 2017, 129 professores – quase 16% do total – pediu demissão, a maioria para deixar o país. Isso não é surpresa, dizem funcionários. Usando a cotação do mercado paralelo do dólar, o salário mensal de docentes alcança os US$ 8 por mês, por causa da hiperinflação.

Trinta professores se aposentaram no ano passado, mas não foram substituídos, em parte pela falta de candidatos qualificados. A universidade está com uma falta de pessoal tão severa que três departamentos – línguas, filosofia e engenharia eletrônica – estão prestes a fechar. 

Assim, enquanto os jovens venezuelanos se vão em hordas, a Simón Bolívar já não é tão procurada como antes. Três anos atrás, o curso de engenharia eletrônica tinha 700 estudantes. Hoje, está reduzida a 196.

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Jesus Perez, de 20 anos, é um dos estudantes que está prestes a desistir. Ele estava estudando engenharia da computação. Mas ao longo dos últimos seis meses, perdeu 4,5 kg pela falta de comida. “Eu não posso esperar mais”, disse. “Eu tenho que fugir. Até agora, quinze dos meus amigos da universidade deixaram o país desde feveireiro”. Seus planos são de ir ao Peru, país que há duas décadas era mais pobre que a Venezuela.

Mas, o que ele fará?

“Eu não me importo”, disse Perez. “Posso ser um garçom, limpar o chão. Não posso pedir muito”. 

Após uma viagem de ônibus de 40 minutos a partir da Escola Fundamental Aquiles Nozoa, Deiriana Hernandez sentou-se no chão de sua casa, de um quarto, mexendo em sua lição de casa.

Estudante, ela está com seu terceiro professor em um ano. Um deles se aposentou. Outro se demitiu para deixar o país. E o mais recente – “senhora Kory” – é voluntária que apenas recentemente terminou o exame de equivalência do ensino médio. 

Nos últimos tempos, Deiriana passou duas semanas em casa porque sua escola não conseguia encontrar quem lecionasse para a terceira série. Com a professora voluntária, ela ao menos consegue ir para a aula. Mas, ela e os colegas de classe estão ficando para trás em termos de conteúdo.

Suas notas estão caindo, e os problemas comportamentais piorando. Deiriana tem nove anos, mas mal consegue ler.

Ela agora olha para uma lista de 16 palavras e tem instruções para separá-las em quatro grupos – animais, cores, cidades e plantas. 

Após coçar a cabeça, ela chama pela mãe. “Você não entende”, diz Yanelis Blanco, de 26 anos, que está nervosa. 

“Ela está atrasada para uma aluna da terceira série”, diz a mãe. “Ela não lê corretamente, comete muitos erros gramaticais quando escreve. É uma coisa terrível os professores dela sainda constantemente”.

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Os colegas de classe de Deiriana também estão deixando o país. No ano passado, sua turma tinha 24 estudantes. Agora, são 19.

Dois dias após Deiriana ter problemas com a lição de casa, sua mãe recebeu notícias da escola. A professora volutária, senhora Kory, tinha pedido demissão.

Para Deiriana, isto significa voltar a ficar em casa, onde sua família está discutindo uma grande mudança. Sem condições de pôr comida suficiente na mesa, seu pai está pensando em ir para o Peru em busca de trabalho.

“Talvez, pelo menos, desta forma nós consigamos pagar por escolar particulares onde, imagino eu, estão sendo melhor pagos e incentivados a ficar?”, diz Blanco. “Eu não sei”, completa ela.

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