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Protestos em Calcutá contra a nova lei de cidadania do governo da Índia, considerada discriminatória
Protestos em Calcutá contra a nova lei de cidadania do governo da Índia, considerada discriminatória| Foto: Dibyangshu SARKAR / AFP

A aprovação de uma lei que facilita o processo de cidadania na Índia com base na religião e o bloqueio ao acesso à internet na região da Caxemira há mais de quatro meses têm suscitado críticas e acusações de autoritarismo ao governo do primeiro-ministro Narendra Modi.

Uma nova onda de protestos tomou conta da Índia nesta segunda-feira (16). No dia anterior, a polícia entrou em um campus universitário na capital do país e feriu centenas de estudantes que se manifestavam contra a controversa nova lei de cidadania do país.

Estudantes disseram que policiais de Nova Déli os espancaram com cassetetes, os insultaram e usaram gás lacrimogêneo no interior do campus, após uma marcha no lado de fora da universidade ter se tornado violenta.

As manifestações ocorreram em pelo menos 17 cidades nesta segunda-feira. Os protestos são parte de uma onda de descontentamento que tomou conta da Índia após a aprovação da lei de cidadania em 11 de dezembro. A medida era uma prioridade para Modi, que venceu a reeleição em maio e passou a implementar a agenda de seu partido, que enfatiza a primazia hindu na Índia.

A lei introduziu a religião como critério de nacionalidade pela primeira vez e criou um caminho mais rápido para a concessão de cidadania a migrantes pertencentes a seis religiões - excluindo o Islã, a fé praticada por 200 milhões de indianos.

Opositores dizem que a medida é inconstitucional e marca uma ruptura com o caráter secular da fundação da Índia. O governo diz que o objetivo da lei é reduzir as dificuldades das minorias religiosas perseguidas que entraram ilegalmente na Índia vindas do Paquistão, Bangladesh e Afeganistão.

Entre os manifestantes, alguns veem a lei como inerentemente discriminatória, enquanto outros - particularmente no nordeste da Índia - temem que a medida provoque mudanças demográficas e linguísticas. Quatro pessoas foram mortas por tiros da polícia no estado de Assam, no nordeste do país, durante protestos contra a lei.

Na segunda-feira, Modi escreveu que os recentes "protestos violentos são lamentáveis e profundamente perturbadores". Ele pediu calma e pareceu culpar seus oponentes políticos pelas manifestações. "Não podemos permitir que grupos de interesse nos dividam e criem distúrbios", afirmou.

No domingo, Modi disse que os manifestantes que estavam provocando incêndios "podem ser identificados por suas roupas". Críticos disseram que a declaração era uma referência aos muçulmanos, que geralmente usam roupas distintas.

Amit Shah, o poderoso braço direito de Modi, afirmou repetidas vezes que a lei de cidadania será seguida por um registro nacional em que todos os indianos terão que fornecer documentos que comprovem sua nacionalidade, supostamente para identificar migrantes que entraram ilegalmente no país.

A reação da polícia aos protestos está provocando mais manifestações, aumentando a perspectiva de que os distúrbios se prolonguem. No domingo, um protesto perto de uma universidade em Nova Déli se tornou violento: manifestantes jogaram pedras na polícia, quatro ônibus e dezenas de motocicletas foram incendiadas.

Os policiais espancaram os manifestantes com cassetetes e dispararam gás lacrimogêneo depois de entrar na universidade. Um porta-voz da polícia de Déli, M.S. Randhawa, disse a jornalistas na segunda-feira à tarde que a equipe da polícia havia usado "máxima contenção" e "força mínima". Mais de 20 policiais ficaram feridos no confronto.

Najma Akhtar, vice-reitora da Universidade Jamia Millia Islamia, disse a jornalistas que a polícia entrou no campus sem a permissão das autoridades da universidade e que cerca de 200 estudantes ficaram feridos. A maioria dos estudantes da universidade são muçulmanos.

Um médico do Hospital Safdarjung, em Nova Déli, disse ao Washington Post que dois manifestantes foram trazidos com ferimentos de bala. Um levou um tiro no peito e o outro no pé, disse o médico, que não quis ter o nome divulgado por temer retaliação da polícia. Quatro policiais escoltaram os dois jovens "como prisioneiros", disse ele. Ambos foram tratados e estavam em condições estáveis.

Circulam pelas redes sociais vídeos que mostram a polícia atacando estudantes desarmados. Em um vídeo que viralizou, um grupo de mulheres jovens tenta proteger um rapaz de policiais que o espancam repetidamente com cassetetes. Outro vídeo amplamente compartilhado mostra estudantes se escondendo na biblioteca de uma universidade enquanto a sala se enche de fumaça. O ataque a um campus universitário deixou chocados os moradores de Déli, que não se lembram de um incidente semelhante nos últimos tempos.

O mais longo bloqueio de internet em uma democracia

A Índia impôs um bloqueio à internet na Caxemira em 5 de agosto. Chegando ao 134º dia nesta segunda-feira, esse é o bloqueio mais longo já imposto em uma democracia, de acordo com o Access Now, um grupo de defesa internacional que monitora suspensões da internet. Apenas regimes autoritários como os da China e de Mianmar já cortaram o acesso à internet por mais tempo.

O bloqueio foi imposto pela China quando autoridades indianas revogaram a autonomia da Caxemira, cortaram todas os meios de comunicação e prenderam os principais políticos da região. As chamadas telefônicas de linhas fixas e de alguns celulares foram restauradas em seguida, mas a internet permanece bloqueada - segundo autoridades da Índia, a medida é necessária para manter a segurança no conflituoso território reivindicado pela Índia e pelo Paquistão.

As 7 milhões de pessoas que vivem no Vale da Caxemira foram abruptamente levadas ao período pré-internet. Elas não conseguem operar seus negócios online ou ler artigos em sites de notícias. No início de dezembro, elas começaram a desaparecer do WhatsApp porque as contas são automaticamente deletadas após 120 dias de inatividade. Os jornalistas dependem de um centro coordenado pelo governo com apenas dez computadores para enviar seus artigos. A Câmara de Comércio da Caxemira estima perdas de US$ 1,4 bilhão até o momento.

Todas as manhãs, centenas de passageiros lotam o trem que sai às 8:15 da principal estação da capital da Caxemira, Srinagar, para a cidade mais próxima em que há sinal de internet, a cerca de 110 quilômetros. A maioria deles volta no mesmo dia com o trem que foi apelidado de "Internet Express" pelos moradores.

As pessoas fazem a viagem para resolver questões como renovar carteira de motorista, solicitar passaporte e verificar e-mails.

Raman Jit Singh Chima, diretor de políticas da Ásia-Pacífico para o Access Now, disse que o bloqueio do acesso à internet por um período tão longo e para uma população tão grande em uma democracia é "sem precedentes".

O ministro das Relações Exteriores da Índia, S. Jaishankar, defendeu o bloqueio como uma maneira de interromper as atividades de grupos militantes que teriam apoio do Paquistão, segundo acusações da Índia. "Como posso interromper as comunicações entre os terroristas e seus mestres, de um lado, mas manter a internet aberta para outras pessoas?", questionou o ministro durante entrevista para o site americano Politico em setembro.

O governo local de Srinagar instalou centros com acesso à internet para ajudar estudantes que precisam se registrar para provas e, segundo autoridades, 100 mil estudantes já usaram as instalações. Mas, para a maioria dos caxemires, o local mais próximo em que a internet de banda larga está disponível é a cidade de Banihal. Os moradores têm feito essa viagem desde que o serviço de trens foi retomado em 11 de novembro.

Khushboo Yaqoob, uma estudante de 16 anos, fez a viagem para Banihal duas vezes em dois dias, já que a internet não estava funcionando no primeiro dia. Ela tentou acessar a internet no centro instalado perto de sua casa, onde quatro computadores estão disponíveis para uma população de 1 milhão de pessoas, mas as filas estavam muito longas.

Em Banihal, Yaqoob e a mãe dela esperaram três horas em frente a uma lan house até a vez delas chegar. A adolescente iria enviar a inscrição para a prova de admissão na faculdade de medicina para a qual ela está estudando há dois anos, e o prazo final estava se aproximando. Quando ela finalmente conseguiu enviar o formulário, chorou aliviada.

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