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Russos fazem fila para entrar no McDonald's em Moscou, em fevereiro de 1992
Russos fazem fila para entrar no McDonald’s em Moscou, em fevereiro de 1992| Foto: EFE/EPA/DIMA KOROTAYEV

O fechamento das lojas do McDonald’s na Rússia, 32 anos após a chegada da rede ao país, mostra quão vivo ainda é o amor dos russos pelo hambúrguer símbolo do capitalismo ocidental. Filas semelhantes às registradas na inauguração da primeira filial em Moscou, em 1990, foram vistas na semana passada, quando as 847 unidades da empresa deixaram de operar na Rússia. A medida é parte das sanções impostas por EUA e União Europeia ao país, como represália à invasão da Ucrânia.

O último dia de operações da rede na Rússia foi marcado por aglomerações e protestos. No domingo (13), os russos assistiram a cenas como à de um homem que se acorrentou a uma das lojas e foi levado pela polícia, sob brados de “Eles não têm o direito de fechar!”.

Também houve quem tenha tentado tirar vantagem econômica da situação. Fotos de congeladores cheios de itens da marca circularam pelas redes sociais após o fechamento das lojas. Em um portal russo de classificados, caixas do McDonald’s eram oferecidas como artigo de colecionador e combos de sanduíches e batatas chegavam a custar mais de R$ 2,3 mil (com vendedor aceitando Iphone 13 no negócio).

O fechamento do McDonald’s se junta ao de outras grandes marcas ocidentais — a extensa lista inclui Apple, Coca-Cola, Starbucks, Disney e Netflix — e acende o alerta para um movimento aparentemente contrário ao registrado no fim da Guerra Fria, quando uma gradual abertura econômica possibilitou a entrada de multinacionais no bloco socialista.

A chegada do McDonald’s à Rússia, no dia 31 de janeiro de 1990, pode ser considerada um marco da entrada do capitalismo na já decadente União Soviética. Instalada a dois quilômetros do Kremlin, a primeira loja em Moscou tinha 900 lugares (a maior da rede à época e uma das maiores ainda hoje) e, ainda assim, a fila para entrar ultrapassava 400 metros. O evento televisionado impressionava pela presença de russos balançando bandeirinhas vermelhas e amarelas, ávidos por experimentar o lanche ícone do capitalismo, em plena Praça Pushkin, um marco dos desfiles militares comunistas.

O economista e doutor em Relações Internacionais Igor Lucena avalia que a saída do McDonald’s tem impactos que podem ir muito além de não poder mais consumir o hambúrguer mundialmente famoso. “O país está se fechando a empresas estrangeiras, é como o símbolo de um processo de desglobalização. O McDonald’s é um símbolo de paridade de compra, o índice Big Mac é usado como parâmetro internacional de comparação do salário mínimo. Basicamente, isso deixa de existir na Rússia. O país já não tem bolsa de valores aberta, o rublo deixou de ser negociado, não ter esse índice é muito pior do que não ter o sanduíche”, analisa.

Para o especialista, essa retirada do capitalismo ocidental do país não necessariamente será revertida após a guerra. “Se a Rússia expropriar lojas, fábricas, qual vai ser a garantia de que empresas internacionais voltem para lá? Talvez não voltem. O que vai ser do país depois disso não sabemos. Temos esse contexto em que bancos internacionais saíram, o McDonald’s que costuma funcionar no sistema de franquias também está saindo. O que será dos franqueados russos? O arcabouço internacional de confiança cai por terra”, reflete Lucena.

Com 85% de lojas próprias e apenas uma minoria de franqueados, a operação na Rússia representa 9% do faturamento global do McDonald’s. Em comunicado anunciando a suspensão das lojas, o presidente da companhia, Chris Kempczinski, informou que a rede seguirá arcando com o salário de 62 mil colaboradores no país e manterá estruturas de assistência social na região. Ele também disse que o fechamento é, a princípio, temporário, mas está sujeito a avaliações nos próximos meses.

Indícios de que a situação possa ser mais permanente do que o inicialmente anunciado começam a surgir, com a notícia de um registro da marca Tio Vanya na Rússia, em 12 de março, segundo o jornal The Washington Post. Um logotipo amarelo e vermelho que circula as redes sociais impressiona e gera piadas entre internautas, pela semelhança com os famosos arcos dourados da rede americana, só que deitados, formando o “B” do alfabeto cirílico, que corresponde, na pronúncia, ao “V” de “Vanya”.

O restaurante ainda não começou a funcionar, mas a expectativa é que assuma as mais de 800 lojas do McDonald’s fechadas no país. A marca é homônima a uma peça do século 19, escrita pelo russo Anton Chekhov.

Na semana anterior, o presidente da Duma, Vyacheslav Volodin, havia sugerido que marcas russas assumissem as estruturas abandonadas pela rede americana. “Eles anunciaram que estão fechando. Bem, ok, fechem. Mas amanhã nesses locais não deveríamos não ter McDonald's, mas o tio Vanya's. Os trabalhos devem ser preservados e os preços reduzidos", sugeriu, em depoimento reproduzido pelo Washington Post.

Teoria dos Arcos Dourados

A decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia e iniciar uma guerra sepulta de vez a curiosa Teoria dos Arcos Dourados, formulada por Thomas Friedman, colunista de relações internacionais do New York Times. Segundo ele, países com lojas do McDonald’s nunca entrariam em guerra entre si. Ou seja, o capitalismo e a liberdade econômica seriam as receitas para um mundo mais próspero e pacífico. O próprio Putin, no entanto, já havia colocado a teoria por terra ao invadir a Geórgia, em 2008.

Seria uma ilusão acreditar que abertura econômica e política se completem? O economista Igor Lucena explica que períodos de liberalismo e de neokeynesianismo, com mais intervenção, se alternam e, embora os estados tenham o crescimento econômico como base, há momentos em que a defesa da soberania nacional se sobrepõe. “De 20 dias e poucos dias para cá, adentramos em um período de realismo, em que o ponto principal das nações vai para a defesa militar de suas fronteiras. Nessas situações, as nações colocam a defesa acima de seus interesses econômicos. Por isso, vemos também os ocidentais, por meio de sanções, defendendo a democracia e a liberdade individual, acima de prejuízos econômicos”, acrescenta.

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