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| Foto: SAUL LOEB/AFP

Hillary Clinton foi oficializada nesta terça-feira (26) como candidata democrata à Casa Branca. Será a primeira mulher a concorrer por um partido grande à Presidência dos Estados Unidos. Como revés, será uma das candidatas mais odiadas dos últimos tempos, animosidade testemunhada mesmo dentro de seu partido.

Na véspera, partidários de Bernard “Bernie” Sanders, que rivalizou com ela até o fim das prévias da legenda, ensaiaram deflagrar uma “guerra civil”: vaiaram menções a Hillary e gritaram em coro o nome do senador.

A hostilidade foi mais tímida na terça, depois de o próprio Sanders discursar na noite de segunda em defesa da ex-oponente.

Num gesto simbólico, os dois foram apresentados como opção na eleição interna -ele nunca formalmente retirou sua candidatura.

A agora presidenciável oficial da legenda assistia à cerimônia de casa, segundo sua campanha, quando sua candidatura foi sacramentada -ela superou com facilidade a marca que precisava para ser indicada à vaga (2.383 delegados, que representam o voto popular em seus Estados).

Agrados aos simpatizantes de Sanders não foram poucos: no começo, oradores se revezaram para elogiar o senador, dando a impressão de que ele, e não Hillary, seria a escolha do partido para o pleito de 2016.

“Nunca senti o ‘bern’ [trocadilho com ‘Bernie’] mais forte do que o sinto agora”, disse no palco Shyla Nelson, cantora de ópera e delegada de Vermont, Estado representado pelo nova-iorquino Sanders no Senado.

Rejeição

Pesa contra Hillary uma taxa de aprovação que bate um recorde negativo em pelo menos dez eleições presidenciais, só superado pelo adversário republicano, Donald Trump, com 57,1% de rejeição.

Rechaçada por 55,6% do eleitorado, na média de várias pesquisas, Hillary tem um problema: o povo americano não confia nela.

A imagem de “desonesta” e “indigna de confiança” grudou com 67% do eleitorado, segundo sondagem CBS/”New York Times” divulgada em meados de julho.

É um número em ascensão: um mês antes, 62% reportavam a cisma com Hillary.

Nesse meio tempo, ela se livrou de ser indiciada por usar servidores privados, como @clintonemail.com, quando era secretária de Estado (2009-13) e lidava com conteúdos sensíveis.

Ganhou, contudo, uma reprimenda do diretor do FBI por ser “extremamente descuidada”, e a ausência de sanções fortaleceu a tese de que os Clinton estão acima da lei.

Acima da lei e sob as asas de Wall Street, em outra percepção popular que assombra a presidenciável.

É um dos principais gargalos com o eleitorado pró-Bernie.

Agora a seu lado, o senador de Vermont passou a campanha fustigando Hillary para que ela divulgasse a íntegra das 94 palestras que deu em instituições financeiras, de 2013 e 2015.

Um dos contratantes, Goldman Sachs, no rol de vilões da crise dos anos 2000, pagou-lhe US$ 675 mil pelo pacote de três discursos (que continuam secretos). “Deve ser uma prosa shakespeariana”, ironizou Sanders em março.

Mesmo delegados pró-Hillary concordam que ela tem de resolver suas questões de credibilidade para não arriscar uma derrota para Trump em novembro. Não há dúvidas de que Kelly Jacobs, da comitiva do Mississipi, defende a ex-senadora de Nova York.

Ela combina um vestido cuja estampa traz o casal Barack e Michelle Obama com um chapéu verde-limão, o nome da candidata bordado em prateado na parte de trás. Jacobs prefere ser pragmática: mesmo se Hillary contar “umas mentirinhas”, ainda é o nome mais qualificado para governar o país.

Também vê sexismo na birra popular: “Todo mundo em Washington faz travessuras”, mas Hillary pagaria o pato por ser uma mulher que ousa cobiçar o cargo mais alto dos EUA, diz.

Há meses, parecia improvável imaginar que ela pudesse perder para Trump. Não mais. Nate Silver, estatístico famoso por acertar quem venceria as eleições em 2008 em 49 dos 50 Estados americanos, rebaixou seu cacife eleitoral.

Hillary ainda está na frente, mas a margem estreitou. Silver calcula que Trump tenha 46,2% de chances no pleito, contra 53,7% para ela. Dez dias antes, o magnata aparecia com 33,7%, e no início do mês, 22%.

Depois de alfinetar os republicanos por uma convenção marcada por motins anti-Trump, na semana passada, Hillary teve de lidar com insurgências em casa.

O primeiro dia da Convenção Nacional Democrata teve coro por Sanders, que rivalizou com ela até o fim das prévias partidárias, e vaias para menções a Hillary. Isso do lado de dentro. Fora do Wells Fargo Center, que abriga o evento, o humor é ainda mais ranzinza quando se trata da presidenciável.

Na terça, dezenas se aglomeraram na entrada da convenção, num prenúncio de que os “sanderistas” roxos não cederão a Hillary nem se o próprio senador pedir que eles votem na ex-adversária (e ele pediu).

O grupo gritava impropérios para delegados (“Pokemons de Wall Street!”), tratados como cúmplices de um “sistema sujo”.

Alguns são céticos, como o ativista Matt Hopard, para quem “Bernie nunca ia ganhar”, mas cumpriu seu papel em empurrar o partido à esquerda -a plataforma democrata adotou algumas de suas bandeiras progressistas, como aumento salarial.

Matt publicou uma foto no Instagram que explicita um sentimento compartilhado por boa parte dos partidários de Sanders: ele não era nenhum messias, afinal. “Bernie nunca ia peidar um arco-íris mágico”, diz o cartaz reproduzido na rede social.

Sanders, contudo, tinha algo que falta a Hillary: exerce um magnetismo raro sobre uma horda predominantemente jovem, vide os comícios lotados que viraram símbolo de sua campanha.

Ex-primeira-dama, ex-senadora e ex-secretária de Estado, ela já disse que décadas em Washington não a deixaram calejada no jogo político. “Não sou uma política natural, caso não tenham notado. Não como meu marido, não como o presidente Obama”, disse em março.

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