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Polícia de choque detém um homem que participava dos protestos contra a nova lei de segurança de Hong Kong no início de julho.| Foto: DALE DE LA REY/AFP

A China deu mais uma demonstração de que não está disposta a se dobrar às pressões do Ocidente quando o assunto é Hong Kong. Nesta segunda-feira (10), mesmo dia que o governo chinês anunciou sanções contra políticos americanos, a polícia de Hong Kong prendeu o dono do popular jornal de oposição Apple Daily, Jimmy Lai, dois filhos dele e outros executivos da Next Digital, grupo ao qual pertence o tabloide. A justificativa para a detenção? Suspeita de “conluio com país estrangeiro”, uma violação prevista na lei de segurança nacional de Hong Kong, empurrada goela abaixo pelas autoridades do Partido Comunista da China e em vigor na cidade desde 1º de julho.

A prisão de Jimmy Lai é a de maior repercussão nesses últimos 40 dias. Veio acompanhada de uma operação de busca e apreensão na sede da Next Digital que envolveu mais de 200 oficiais e durou nove horas, segundo a imprensa local. A redação do Apple Daily, no segundo andar do prédio, também foi vasculhada -  embora os policiais tenham dito que não estavam lá por algum crime relacionado ao trabalho jornalístico da empresa.

A suspeita de conluio surgiu de uma investigação sobre um grupo que estaria fazendo lobby junto a lideranças políticas estrangeiras para que fossem aplicadas sanções contra Hong Kong. A investigação está sendo liderada pelo escritório de segurança nacional, uma agência recém criada para garantir que a lei de Pequim seja respeitada na ex-colônia britânica.

Apesar de as ações terem sido tomadas pela polícia de Hong Kong, elas obedecem às demandas do Partido Comunista Chinês. Um porta-voz do Gabinete de Relações com Hong Kong e Macau, do governo chinês, disse nesta segunda-feira que Lai e seus colegas são uma “facção que subverte a China e promove o caos em Hong Kong”. Lai apoia publicamente os protestos pró-democracia que vem ocorrendo em Hong Kong desde o ano passado, inclusive já foi preso anteriormente por participar de manifestações ilegais. No ano passado, esteve com o secretário de Estado, Mike Pompeo, e o vice-presidente, Mike Pence. O jornal que ele fundou tem um forte viés contra Pequim e o governo da chefe executiva de Hong Kong, Carrie Lam. Agora, Lai disse que não sabe sobre o futuro da publicação, mas o chefe de redação disse que nada muda no departamento editorial.

Outros ativistas pró-democracia também foram detidos pela polícia de Hong Kong nesta segunda-feira, acusados de incitar os honcongueses a participar da tradicional vigília em homenagem às vítimas do Massacre da Praça da Paz Celestial, que neste ano foi proibida - pela primeira vez em trinta anos - por causa da pandemia de Covid-19.

Mas este não foi o primeiro ataque orquestrado pelo governo central chinês com base na nova lei de segurança nacional. A cidade passou por transformações nos últimos 40 dias que a fizeram perder o status de semiautônoma aos olhos do Ocidente. A primeira foi imediatamente visível nos protestos após a aprovação da legislação. O medo de ser preso e levado a julgamento na China continental fez líderes políticos da oposição moderarem o discurso, já prevendo uma artilharia pesada das autoridades pró-Pequim. Cartazes que pediam por democracia ou independência, ou que criticavam o governo, foram substituídos por cartazes em branco, porque no texto vago aprovado pelo Partido Comunista Chinês o que constitui um crime de subversão fica à critério da interpretação das autoridades policiais e da justiça.

Porém, uma das mudanças mais importantes em Hong Kong até agora, com impactos significativos no futuro da cidade e das liberdades civis até pouco pouco tempo atrás garantidas pela política “um país, dois sistemas”, foi a proibição da candidatura de vários políticos pró-democracia no pleito eleitoral mais importante da cidade insular, que aconteceria em setembro, mas foi adiado em um ano por causa da pandemia - mais uma decisão criticada pela oposição e que parece ter a mão do governo chinês por trás.

Os protestos de 2019 deram popularidade ao movimento pró-democracia. Nas eleições distritais realizadas em novembro passado, os políticos da oposição conquistaram 17 dos 18 distritos em disputa e houve participação recorde da população, o que foi visto como uma vitória acachapante e um aval da população às reivindicações dos manifestantes. Outra demonstração de apoio veio nas eleições primárias não oficiais dos partidos opositores, que mobilizou 600 mil pessoas - cerca de 13% da população de Hong Kong.

Temendo que o sucesso se repetisse nas eleições parlamentares de 2020, Pequim resolveu agir e, assim, baniu alguns dos principais candidatos pró-democracia de concorrer, alegando que eles violaram a lei de segurança nacional basicamente porque se opuseram a ela antes da aprovação. Um dia depois veio o anúncio, trazido pela mensageira de Pequim, Carrie Lam, do adiamento da eleição por um ano. (Não há sufrágio universal na escolha dos legisladores da cidade e o sistema é desenhado para garantir a vitória dos políticos pró-Pequim, sendo necessária uma vitória muito grande para que a oposição para conquiste a maioria no Conselho Legislativo, mas esse era o objetivo declarado dos opositores, que ainda prometiam bloquear todas as ações do governo Lam).

Neste fim de semana, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia emitiram uma declaração conjunta pedindo que as autoridades de Hong Kong realizem as eleições o quanto antes e criticando o adiamento como uma manobra para “minar o processo democrático”.

“Pequim prometeu autonomia e liberdade sob o princípio ‘Um país, dois sistemas’ ao povo de Hong Kong na Declaração Conjunta Sino-Britânica, um tratado registrado na ONU, e deve honrar seus compromissos”, disseram os países.

Porém, o governo chinês não está dando sinais de que vai ceder à pressões diplomáticas e nem às econômicas, visto que a importância de Hong Kong para a economia chinesa diminuiu consideravelmente depois que o país foi integrado ao comércio mundial - passou de 18% em 1997, quando a ilha foi entregue aos chineses, a 2,7% no ano passado.

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