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Membros da Geração Identidade, grupo de jovens de extrema direita, em sua sede em Halle, Alemanha. | LENA MUCHA/NYT
Membros da Geração Identidade, grupo de jovens de extrema direita, em sua sede em Halle, Alemanha.| Foto: LENA MUCHA/NYT

Canções natalinas tocavam e o aroma de gengibre pairava no ar fresco de dezembro. Os estudantes vendiam compota orgânica de ameixa e serviam vinho quente em copos biodegradáveis feitos de cana-de-açúcar. E havia os cartões postais. 

"Islamização? Aqui não!", dizia um deles. "Defenda-se! Este é seu país", declarava outro. "Fortaleza Europa", dizia um terceiro. "Fechem as fronteiras." 

Esse não era um mercado de Natal qualquer: foi promovido pelo Geração Identidade, um movimento jovem de extrema-direita que é observado por diversos serviços de inteligência europeus. Parte hippie, parte hipster, os ativistas do Geração Identidade são o resultado de uma grande transformação da imagem da extrema-direita nos últimos anos.

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Mais bem vestidos, mais educados e menos revoltados que os skinheads de outros tempos – pelo menos em público –, eles se veem na linha de frente de uma contrarrevolução travada por uma rede cada vez mais bem formada de personagens da política, de editoras, da sociedade civil e dos negócios que se intitulam "a nova direita". 

Seu objetivo: derrubar políticas progressistas e libertar a Europa de imigrantes não europeus. 

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A "nova direita" procura se distanciar da "velha direita", que na Alemanha significa neonazistas. Muitos analistas e autoridades consideram isso pouco mais que uma mudança de estilo inteligente. Mas se preocupam com a possibilidade de que grupos como o Geração Identidade atraiam jovens para suas fileiras. 

O número de seguidores comprometidos com o Geração Identidade na Alemanha é relativamente pequeno, estimado pelo serviço de inteligência interno do país entre 400 e 500, e talvez alguns milhares por toda a Europa. As autoridades afirmam, porém, que o número de simpatizantes é muito maior. 

Alex Malenki, à direita, e sua esposa, Ingrid Weiss, no mercado de Natal da Geração Identidade.LENA MUCHA/NYT

O “rosto amigável do extremismo”

Apesar de ter sido banido do Facebook, o que privou o grupo de uma importante plataforma de campanha e de angariação de fundos, o grupo e seus membros continuam ativos no YouTube, no Twitter e na plataforma russa VK, onde uma eficiente mudança de imagem amplifica sua mensagem. 

"Eles deram um rosto amigável ao extremismo", disse Stephan Kramer, chefe da inteligência doméstica do estado da Turíngia. 

Vários ativistas do grupo têm um passado em círculos neonazistas, mas seus métodos vêm diretamente de um manual de esquerda. 

Eles estudam Gandhi e Gene Sharp, um guru da resistência não violenta. Experimentam a vida comunal e a jardinagem orgânica. E, como os rebeldes estudantes esquerdistas na década de 1970 ou os militantes ambientalistas na década de 1990, promovem protestos no estilo flash mob em busca de atenção.

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No ano passado, interceptaram um barco no Mediterrâneo para impedir que refugiados chegassem à Europa. Este ano, contrataram helicópteros e fecharam temporariamente uma passagem alpina na França. Uma vez em Viena, cobriram uma estátua da imperatriz Maria Teresa com uma burca. Em Berlim, subiram no Portão de Brandemburgo para pendurar uma faixa que dizia "Fronteiras seguras – futuro seguro". 

"Somos uma espécie de Greenpeace da Alemanha", disse Philip Thaler, 25 anos, estudante de Ciência Política e cofundador da filial do Geração Identidade em Halle. 

Quando se trata de migração, eles excluíram o racismo bruto de suas falas. Em vez de "A Alemanha para os alemães" ou "Estrangeiros fora", eles pedem "remigração" – o que significa o envio de imigrantes não assimilados de volta para seus lares ancestrais. 

Eles se denominam "etnopluralistas", argumentando que todas as culturas prosperariam ao se manter amplamente homogêneas, e acusam os políticos progressistas de planejar uma "grande substituição" para que os muçulmanos suplantem os europeus brancos. 

Comprada pela secreta fundação Titurel, criada por um rico doador da Bavária, a sede da Geração Identidade também abriga um bar, uma biblioteca e um espaço comunitárioLENA MUCHA/NYT

Ligações políticas

Nessa visão de mundo, são os progressistas que minam a democracia ocidental ao ampliar o estado de bem-estar social e ao permitir a entrada do Islã fundamentalista no país. 

"A utopia do multiculturalismo foi uma experiência, mas falhou", diz Martin Sellner, o carismático líder austríaco de 29 anos do movimento, cuja noiva é uma YouTuber americana ligada à direita alternativa. "Como o comunismo, o cosmopolitismo falhou."

O verniz intelectual do que, em última análise, é um argumento contra o pluralismo é típico da nova direita, diz Kramer. "Quando você o esmiúça, ele não passa de teorias raciais que existiam sob os nazistas.”

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As diferentes camadas da extrema-direita são perfeitamente cristalizadas no edifício de apartamentos de quatro andares em frente ao campus universitário em Halle, que sediou o recente mercado de Natal. 

Lá existe uma organização de crowdfunding chamada "One Percent" e uma marca de roupas de extrema-direita. Há também um escritório do Instituto para a Política Estatal, um think-tank de extrema-direita cofundado pelo famoso editor Götz Kubitschek, o padrinho intelectual da nova direita da Alemanha. 

Até dois meses atrás, Hans-Thomas Tillschneider, legislador do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), também tinha seu escritório aqui. Ele se mudou preventivamente, quando o serviço de inteligência doméstica avaliava a hipótese de também começar a observar o partido. 

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Oficialmente, o AfD não tem ligação com o Geração Identidade, mas em Halle, em uma tarde recente, eles foram abertamente elogiados. 

"Temos ativistas de rua, temos um think-tank, temos uma editora e temos um partido político no Parlamento", disse Simon Kaupert, do One Percent. 

Kaupert trabalhava para o AfD. Em geral, "dezenas" de apoiadores do Geração Identidade trabalham para o partido, disse ele. 

Franziska Schreiber, que deixou o AfD no ano passado e escreveu um livro sobre o partido, estima que "pelo menos metade dos membros da ala da juventude do AfD são seguidores do Geração Identidade". 

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Essa conexão com o AfD, agora o principal partido de oposição no Parlamento alemão, causou preocupação em círculos de inteligência, principalmente depois que protestos de rua na cidade de Chemnitz em meados de 2018 mostraram o partido e cidadãos comuns marchando lado a lado com extremistas. Os ativistas da Geração Identidade também estavam lá. 

Thomas Haldenwang, o novo chefe da inteligência interna, fala de uma "nova dinâmica da direita" e anunciou recentemente que iria aumentar em 50 por cento o número de agentes que lidam com a extrema-direita. Em janeiro, seu escritório vai decidir se o AfD será observado. 

"Sabemos há muito tempo que muitos seguidores do Geração Identidade trabalham para o AfD em diferentes parlamentos", disse Konstantin von Notz, legislador do Partido dos Verdes e vice-líder da comissão parlamentar que supervisiona os serviços de inteligência. "Uma infiltração deliberada em instituições democráticas está sendo realizada." 

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Embora tenham amenizado sua linguagem, disse von Notz, "eles são profundamente antidemocráticos, muitas vezes antissemitas e abertamente racistas". 

No recente mercado de Natal, os ativistas negaram isso. Mas manifestaram abertamente sua admiração pelo primeiro-ministro da Hungria, Victor Orban, e pelo vice-primeiro-ministro nacionalista da Itália, Matteo Salvini. 

"Não queremos ser minoria em nosso próprio país", disse Alex Malenki, 26 anos, aluno do curso de Administração que publica vídeo-blogs no YouTube. 

"Somos uma espécie de Greenpeace para a Alemanha", diz Philip Thaler, 25, ao centro, co-fundador da divisão Halle da Geração Identidade.LENA MUCHA/NYT
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