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O presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da China, Xi Jinping, se cumprimentam durante encontro em Pequim, 9 de novembro de 2017 | Qilai Shen / Bloomberg
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da China, Xi Jinping, se cumprimentam durante encontro em Pequim, 9 de novembro de 2017| Foto: Qilai Shen / Bloomberg

Há quarenta anos, o líder chinês Deng Xiaoping e eu normalizamos as relações diplomáticas entre a República Popular da China e os Estados Unidos, pondo fim a três décadas de hostilidade. Isso levou a uma época marcada pela paz no leste da Ásia e na região do Pacífico. O crescimento econômico espetacular da China, em conjunto com sua integração contínua com a expressiva economia americana, permitiu que os dois países se tornassem motores da prosperidade global. Os intercâmbios científicos e culturais floresceram e os Estados Unidos se tornaram, desde então, o principal destino estrangeiro de acadêmicos e turistas chineses. O 40º aniversário desta relação é um testemunho da capacidade de países com diferentes histórias, culturas e sistemas políticos trabalharem juntos para o bem maior. No entanto, hoje, esse relacionamento crítico está em risco. 

Eu ouço as elites chinesas alegando que os americanos estão conduzindo uma “conspiração maligna” para desestabilizar a China. Eu ouço americanos proeminentes, desapontados porque a China não se tornou uma democracia, alegando que a China representa uma ameaça ao estilo de vida americano. Relatórios do governo dos EUA declaram que a China está empenhada em desafiar a supremacia dos EUA, e que está planejando expulsar os Estados Unidos da Ásia e reduzir sua influência em outros países ao redor do mundo. 

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Se autoridades do alto escalão do governo adotarem essas noções perigosas, uma guerra fria moderna entre as duas nações não é inconcebível. Neste momento delicado, percepções equivocadas, erros de cálculo e falhas em seguir regras cuidadosamente definidas de envolvimento em áreas como o Estreito de Taiwan e o Mar do Sul da China podem se transformar em conflitos militares, criando uma catástrofe mundial. 

A imposição pelos EUA de tarifas no valor de US$ 200 bilhões sobre bens chineses, e as tarifas de retaliação da China, contribuem para a deterioração do relacionamento, prejudicando os dois países. 

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A pausa de 90 dias na escalada de tarifas, acordada na cúpula do G20 na Argentina, oferece a possibilidade de se chegar a um acordo permanente sobre o comércio entre os EUA e a China. O que podemos fazer para aproveitar esse progresso e reparar e relação EUA-China? 

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Em primeiro lugar, as reclamações antigas dos Estados Unidos – sobre desequilíbrios comerciais, roubo de propriedade intelectual, transferências forçadas de tecnologia e barreiras injustas aos investimentos e operações comerciais dos EUA na China – devem ser tratadas com rapidez e eficácia. Nenhum dos dois países deve usar a “segurança nacional” como desculpa para obstruir as atividades comerciais legítimas do outro. A China precisa de concorrência para que sua economia inove e cresça; buscar uma relação justa e recíproca é a única maneira de os dois países permanecerem economicamente fortes. 

Em segundo lugar, os americanos devem reconhecer que, assim como a China não tem o direito de interferir nos assuntos dos EUA, não temos o direito inerente de ditar à China como governar seu povo ou escolher seus líderes. Embora até mesmo países com os mais próximos laços possam criticar uns aos outros às vezes, tais envolvimentos nunca devem se tornar diretivas ou decretos; em vez disso, eles deveriam servir como uma via de mão dupla de diálogo aberto. As conquistas da China de sustento do crescimento econômico, de diminuição da pobreza extrema e de fornecer assistência para o desenvolvimento de outros países precisam ser comemoradas. Ao mesmo tempo, não podemos ignorar suas deficiências na censura da Internet, em políticas voltadas às minorias e em restrições religiosas – que devem ser registradas e criticadas. 

Essa abordagem equilibrada é fundamental para garantir que os Estados Unidos e a China continuem a trabalhar juntos para resolver alguns dos problemas globais mais intratáveis. Apesar das atuais tensões sobre outras questões, o apoio chinês tem sido essencial em nossos esforços contínuos para desnuclearizar a Península da Coreia. Pequim também poderia oferecer ajuda crucial na reconstrução pós-conflito no Oriente Médio e na África, combatendo o terrorismo e o extremismo e mediando outras disputas internacionais. 

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Os Estados Unidos devem retornar ao acordo climático de Paris e trabalhar com a China em questões ambientais e de mudanças climáticas, já que a enorme luta contra o aquecimento global requer participação ativa de ambas as nações. Mas acredito que o caminho mais fácil para a cooperação bilateral está na África. Ambos os países já estão fortemente envolvidos no combate às doenças, na construção de infraestrutura e na manutenção da paz na região – às vezes de maneira cooperativa. No entanto, cada nação acusou a outra de exploração econômica ou manipulação política. Os africanos – como bilhões de outras pessoas ao redor do mundo – não querem ser forçados a escolher um lado. Em vez disso, eles acolhem a sinergia que vem do agrupamento de recursos, compartilhamento de conhecimentos e elaboração de programas complementares de ajuda. Ao trabalhar em conjunto com os africanos, os Estados Unidos e a China também ajudariam a si mesmos a superar a desconfiança e a reconstruir esse relacionamento vital. 

Em 1979, Deng Xiaoping e eu sabíamos que estávamos avançando a causa da paz. Embora os líderes de hoje enfrentem um mundo diferente, a causa da paz permanece tão importante quanto antes. Os líderes devem trazer nova visão, coragem e inventividade a novos desafios e oportunidades, mas acredito que também precisam aceitar nossa convicção de que os Estados Unidos e a China precisam construir juntos seus futuros, para si mesmos e para a humanidade em geral. 

*Jimmy Carter foi o 39º presidente dos Estados Unidos, de 1977 a 1981, e é fundador do Carter Center, organização sem fins lucrativos.

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