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Casa Rosada, o palácio presidencial e a sede do Ministério da Economia da Argentina, em Buenos Aires, 14 de agosto de 2019
Casa Rosada, o palácio presidencial e a sede do Ministério da Economia da Argentina, em Buenos Aires, 14 de agosto de 2019| Foto: JUAN MABROMATA / AFP

O governo do argentino Mauricio Macri lançou mão de mais uma cartada econômica durante o período eleitoral ao anunciar nesta quarta-feira (28), por meio do ministro da Economia, Hernán Lacunza, a renegociação dos pagamentos da dívida que o país tem com o Fundo Monetário Internacional (FMI), bancos, seguradoras e outras instituições financeiras.

Para as dívidas de curto prazo (títulos da dívida em peso ou dólar) com pessoas jurídicas, o governo está propondo pagar 15% no vencimento, 25% após três meses do vencimento, e 60% após seis meses do prazo original. Estarão “a salvo” os investidores individuais, que detém 90% dos títulos, embora essa porcentagem não corresponda ao montante total da dívida de curto prazo que chega a US$ 10 bilhões, segundo o jornal La Nación.

O governo diz que está adotando esta medida de curto prazo para que possa redirecionar essas reservas do Banco Central que seriam destinadas aos pagamentos da dívida do Tesouro para aumentar o estoque de dólares disponível para a compra no mercado, segurando a desvalorização do peso. É uma decisão do governo.

Já as dívidas de médio e longo prazo, como o empréstimo cedido pelo FMI, serão renegociadas com um pedido de ampliação de prazo, mas sem que haja aumento de juros. Neste caso, a adesão dos credores é voluntária, segundo o governo argentino. Essa medida, porém, depende de aprovação do Congresso argentino. O FMI já indicou que deve aceitar a proposta da Argentina de renegociar o empréstimo de US$ 56 bilhões.

Se trata de uma moratória então? Depende do ponto de vista.

Tecnicamente não se trata de um calote. “Em direito internacional público, a moratória é a suspensão do pagamento de uma dívida. O que o Macri quer fazer é simplesmente adiar o pagamento e fazer uma renegociação voluntária”, diz Vinicius Vieira, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mas há quem defenda que, na prática, trata-se de uma moratória, já que “o governo está assumindo que a Argentina é incapaz de honrar suas dívidas, inclusive as que vencem neste ano”, segundo Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Apesar de ir de encontro com a postura liberal assumida por Macri durante os primeiros três anos de seu governo - e que começou a erodir em 2019, quando a Argentina se viu em mais uma grave crise econômica - este anúncio do governo argentino já era esperado pelo mercado.

Prova disso foi a cotação do dólar, que chegou a ser negociado a 62 pesos argentinos no início da manhã desta quinta-feira (29), mas rapidamente baixou dos 60 pesos.  “Esta ‘provável moratória’ já foi absorvida pelo mercado com a derrota do Macri nas eleições primárias. A partir daquele momento, o mercado percebeu que o presidente provavelmente não será reeleito, o que fez com que a moeda argentina perdesse muito valor”, explica Stuenkel. Após as primárias de 11 de agosto, o peso ficou muito desvalorizado, com a cotação atingindo o pico de 63 pesos. “A dívida que a argentina tem é em dólar e tornou-se insustentável, ficou evidente. Por isso não houve uma movimentação grande nos mercados com esse anúncio”.

Por que o Macri falou em renegociar a dívida com o FMI agora? Economicamente ele está pressionado, suas opções estão acabando. Politicamente, ele pode estar flertando com uma parte do eleitorado que já votou no kirchnerista Alberto Fernández nas primárias. “É uma tentativa desesperada de tentar salvar sua candidatura, sinalizando para eleitorado mais de centro ou de esquerda, que já não estava com ele, que ele está sendo mais duro com credores internacionais”, diz Vieira, acrescentando que a questão da dívida internacional com o FMI tem um peso negativo muito grande entre o eleitorado argentino por conta das crises pelas quais a Argentina passou nos últimos anos, começando em 1999 sob a presidência de Fernando de La Rúa. “Eles associam muito mais que os brasileiros essa intervenção estrangeira a uma intervenção na economia local e em suas vidas e muitas vezes a situação de penúria não é atribuída aos governos, mas sim às organizações internacionais - o FMI notadamente”, explicou.

Mas as chances de uma reeleição de Macri são praticamente inexistentes. A vitória acachapante de Fernández nas primárias de 11 de agosto será muito difícil de reverter, mesmo com as medidas populistas que Macri tem adotado desde então - além da renegociação da dívida argentina, o congelamento de preços de alimentos, aumento do salário mínimo e ampliação da faixa isenta do imposto de renda. Para o eleitorado de Macri, mais à direita, esses anúncios de caráter mais populista não são coerentes com a agenda política da campanha anterior, em 2015, quando foi eleito prometendo abandonar o legado econômico anterior, que foi fundamentado no excesso de intervenção por parte do estado.

É preciso lembrar também que a renegociação da dívida com o FMI já estava sendo cogitada pelos opositores ao governo, como Roberto Lavagna, o candidato da “terceira via”, e a chapa de Fernández e Cristina Kirchner. Portanto, como escreveu o jornalista argentino Néstor O. Scibona para o La Nación, o governo, prevendo uma derrota nas urnas em outubro, buscou antecipar essas ações - a sua maneira - para dar mais previsibilidade aos mercados.

A dívida externa da Argentina saltou de 36,7% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2017, para 51,8%, no fim de 2018. Como o governo tem usado financiamento estrangeiro para cobrir seus gastos, a dívida pública se mistura perigosamente com a dívida externa. Principalmente por isso, o país depende do financiamento negociado com o FMI. Romper definitivamente o acordo com o Fundo pode significar insolvência.

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