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Pessoas fazem homenagens às vítimas de atentado em frente à Basília de Notre-Dame em Nice, França, 29 de outubro
Pessoas fazem homenagens às vítimas de atentado em frente à Basília de Notre-Dame em Nice, França, 29 de outubro| Foto: Valery HACHE / AFP

Não se passaram duas semanas desde que o professor Samuel Paty foi decapitado por um terrorista de 18 anos após ter mostrado charges do profeta Maomé publicadas pelo jornal satírico Charlie Hebdo em sala de aula (mesmo tendo permitido que alunos muçulmanos se retirassem da sala antes da exibição, caso a imagem lhes ofendesse de alguma forma) e mais três de seus conterrâneos foram vítimas do mesmo tipo de ataque na França.

Duas mulheres e um jovem sacristão foram mortos na Basílica de Notre-Dame de Nice pelo terrorista Brahim Aouissaoui, um tunisiano de 21 anos que degolou uma senhora idosa e deixou vários fiéis feridos antes de ser baleado por policiais e levado para um hospital. De acordo com o prefeito da cidade, Christian Estrosi, ele gritou "Allahu Akbar" (Deus é grande) diversas vezes antes de ser preso.

Uma das vítimas do atentado é a brasileira Simone Barreto Silva, nascida em Salvador, que morava na França havia 30 anos e deixou três filhos, confirmou o Consulado do Brasil em Paris.

No mesmo dia - que coincide com as festividades do Mulude, o aniversário do profeta Maomé -, a polícia francesa matou um homem que ameaçava pedestres em Montfavet, perto de Avignon, no Sul do país, e também bradava "Allahu Akbar", segundo informações da rádio Europe 1.

Em Lyon, um afegão armado com uma faca de 30 centímetros foi preso perto de uma estação ferroviária. A quase cinco mil quilômetros da França, na cidade de Jedá, na Arábia Saudita, um guarda do Consulado francês foi atacado por um homem não-identificado que, tal como nos ataques mencionados, portava uma faca.

De cara, os episódios de 2020 se diferem em muito de outras ocorrências relativamente recentes, como o ataque ao jornal Charlie Hebdo em 2015, o atropelamento em massa em Nice, em 2016, e o bombardeio da saída do estágio de Manchester, em 2017.

Para o professor Simon Reich, do departamento de Ciência Política da Universidade de Rutgers, em Newark, há uma mudança no modus operandi do terror. "Os investimentos recentes em inteligência e vigilância tornaram mais difícil organizar operações coordenadas em maior escalas", explica o especialista. "Por outro lado, a pandemia de Covid-19 levou a um maior controle das fronteiras e menor liberdade de movimento. Taticamente, isso encoraja as operações dos 'lobos solitários'", avalia.

A suposta derrota do Estado Islâmico, anunciada em março do ano passado por forças combatentes da Síria, ligadas aos Estados Unidos, também está entre os componentes que explicam o "novo modelo" dos ataques, diz o professor Bruce Newsome, professor de Ciência Política da Universidade de San Diego. "O problema é que, mesmo que eles tenham sido derrotados no campo de batalha, continuam a inspirar remotamente - e um indivíduo competente e isolado é quase impossível de ser previsto. O Ocidente, obcecado com o coronavírus, acaba sendo complacente com o risco contínuo do terrorismo", diz o especialista.
A análise dos últimos ataques demonstra a complexidade do combate ao terror contemporâneo. "A julgar por casos prévios, as chances são de que estes episódios sejam protagonizados por imigrantes de segunda geração ou convertidos ao Islã, subempregados, homens, criminosos vitalícios com uma escalada constante de pequenos crimes para crimes violentos", avalia Newsome.

Ocorre, entretanto, que o autor dos ataques de Nice nunca fora fichado como radical. "Sempre é tolice especular, mas no auge dos ataques do Isis nos Estados Unidos, geralmente havia apenas uma conexão tênue entre os perpetradores e a organização. Alguns declararam sua lealdade pouco antes de realizarem os ataques", diz o historiador James Gelvin, da Universidade da Califórnia. Some-se a isto a tática do grupo terrorista de assumir a autoria de ataques sem que o autor tivesse se declarado membro ou seguidor.

Some-se a esta equação o fato de o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ter comparado o tratamento dado aos muçulmanos na França ao antissemitismo nazista, e o processo que o país moveu contra o jornal Charlie Hebdo, elevando os ânimos do radicalismo. Como se não bastasse, o ex-premiê da Malásia, Mahatir Mohamad, afirmou que os muçulmanos "têm direito de matar milhões de franceses".

Tudo isto acende um sinal vermelho para os próximos meses na Europa. "Com a chegada da vacina e o fim do isolamento, o terrorismo doméstico de pequena escala deve ressurgir no Ocidente", prevê Reich. E a luta contra os "lobos solitários" depende de atores diferentes. "É claro que a vigilância é a chave, mas também é essencial  construir confiança entre as comunidades e governos. Em algumas cidades americanas - Nova York, por exemplo - a polícia realiza reuniões regulares com líderes comunitários muçulmanos", sugere Gelvin.

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