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O canadense Michael Spavor, que administra intercâmbios culturais com a Coreia do Norte, foi detido na China na segunda-feira (10) | WANG ZHAO/AFP
O canadense Michael Spavor, que administra intercâmbios culturais com a Coreia do Norte, foi detido na China na segunda-feira (10)| Foto: WANG ZHAO/AFP

Um segundo canadense foi detido na China sob acusação de "suspeita de envolvimento em atividades que colocam em risco a segurança nacional da China", aumentando os temores de que Pequim esteja tomando reféns em retaliação à prisão de uma alta executiva chinesa em Vancouver, no Canadá. 

A mídia chinesa, citando autoridades de segurança locais, informou que tanto Michael Kovrig, analista da ONG International Crisis Group, quanto Michael Spavor, que administra intercâmbios culturais com a Coreia do Norte, foram detidos na segunda-feira (10). 

Os dois trabalharam para organizações não-governamentais e parecem ter sido apanhados por violar as novas regras rígidas da China que visam controlar o trabalho que as ONGs estrangeiras fazem na China, parte de uma repressão mais ampla à sociedade civil e à liberdade de expressão.  

O ministro das Relações Exteriores do Canadá se recusou a traçar um paralelo entre a detenção dos homens e a batalha judicial para garantir a fiança a Meng Wanzhou, diretora financeira da Huawei Technologies, presa para ser extraditada aos Estados Unidos. 

Mas analistas dizem que está se tornando cada vez mais evidente que esses são atos de represália. Em um vídeo publicado na quinta-feira, Hu Xijin, editor do jornal nacionalista Global Times, alertou em inglês que a vingança da China contra o Canadá "será muito pior do que deter um canadense".  

Chrystia Freeland, ministra das Relações Exteriores do Canadá, disse que "o Canadá está profundamente preocupado" e levantou os casos diretamente com autoridades chinesas.  

O governo canadense está aconselhando a equipe da embaixada na China a tomar precauções extras e pediu à China que reforce a segurança fora da embaixada do país em Pequim, segundo funcionários do governo disseram a repórteres. Até agora, Ottawa não mudou suas orientações de viagem para os canadenses que visitam a China. 

A prisão da chinesa Meng  Wanzhou

O impasse diplomático foi provocado pela prisão de Meng, filha do fundador da Huawei, em Vancouver, no dia 1º de dezembro. Ela é procurada em Nova York para enfrentar acusações de fraude relacionadas à suposta violação das sanções americanas contra o Irã. 

Depois de uma audiência de três dias, Meng foi libertada na terça-feira depois de pagar uma fiança de 7,4 milhões de dólares. Ela é obrigada a usar um monitor eletrônico de tornozelo e estará sob vigilância 24 horas por dia. 

O caso abriu uma nova frente na guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, mas Pequim, aparentemente ansiosa para chegar a um acordo com o governo Trump, dirigiu sua ira contra Ottawa, em vez de Washington. 

Esta imagem de TV fornecida pela CTV mostra a CFO da Huawei, Meng Wanzhou, deixando o tribunal após a audiência de fiança em Vancouver, British Columbia, em 11 de dezembro-AFP

A China está indignada com a possibilidade de Meng ainda enfrentar extradição para os Estados Unidos e está ameaçando "consequências graves" para o Canadá se Meng não for libertada. 

Segundo o tratado de extradição entre o Canadá e os Estados Unidos, os funcionários dos EUA têm 60 dias a partir da data da prisão de Meng para fazer um pedido de extradição completo. O Canadá terá então 30 dias para determinar se deve iniciar o processo de extradição.  

Mais de 90% dos pedidos de extradição dos Estados Unidos são concedidos, segundo dados do governo canadense. 

As prisões dos canadenses 

Tanto Spavor quanto Kovrig estão sendo investigados pelas agências locais do aparato de segurança do Estado, em vez da polícia regular, enfatizando a gravidade da situação. Em ambos os casos, a mídia local informou que eles estavam sendo mantidos "sob suspeita de pôr em perigo a segurança nacional da China". As autoridades chinesas não confirmaram as reportagens. 

Spavor foi preso na cidade de Dandong, no norte do país, onde vive e opera a Paektu Cultural Exchange, uma organização que promove intercâmbios esportivos, comerciais e culturais com a Coreia do Norte. Ele esteve envolvido na organização da primeira viagem do ex-astro do basquete americano Dennis Rodman à Coreia do Norte e conheceu o líder Kim Jong-un na época.  

Mais recentemente, ele vem tentando promover investimentos empresariais na Coreia do Norte, já que o ambiente diplomático se tornou mais favorável.  

Spavor deveria chegar a Seul na segunda-feira para falar em uma conferência sobre a Coreia do Norte na noite de terça-feira. "Estarei em Seul na segunda-feira, por alguns dias, para um novo trabalho de consultoria", escreveu ele no Twitter na segunda-feira. 

Mas ele nunca chegou ao seu destino, informou o site NKNews, citando várias pessoas familiarizadas com seu itinerário. 

Kovrig, ex-diplomata canadense que trabalha na China, no Japão e na Península Coreana para o think tank International Crisis Group, foi preso em Pequim na segunda-feira

O canadense Michael Kovrig, ex-diplomata que trabalha na China, foi preso pelas autoridades chinesas na segunda-feiraJULIE DAVID DE LOSSY/AFP

Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China disse que a ONG não estava registrada legalmente junto às autoridades chinesas, sugerindo que isso significava que a Kovrig estava violando as leis chinesas. "A organização relevante violou as leis chinesas porque não está registrada na China", disse o porta-voz Lu Kang em uma entrevista coletiva na quarta-feira. 

Um alto funcionário do governo canadense disse, antes das notícias da detenção da Spavor, que o Canadá não tinha acesso consular a Kovrig e não sabe o paradeiro dele. O International Crisis Group também disse na quarta-feira que não conseguiu entrar em contato com a Kovrig. O grupo pediu sua libertação imediata.

A Paektu Cultural Exchange, do grupo Spavor, se identificou como uma organização internacional não governamental. Mas não está claro se ela está registrada no governo chinês ou se esse é o motivo pelo qual o Spavor foi detido. 

Leis chinesas mais restritas

A China reforçou suas regras sobre organizações não-governamentais que operam no país, parte de uma repressão mais ampla à sociedade civil e à liberdade de expressão. 

Segundo uma lei que entrou em vigor no início de 2017, ONGs estrangeiras foram colocadas sob a supervisão da Secretaria de Segurança Pública, em vez do Ministério de Assuntos Civis, que tradicionalmente as administrava. O objetivo é impedi-los ostensivamente de minar a segurança do Estado – o que poderia ser qualquer coisa considerada uma ameaça ao Partido Comunista. 

Leia também: Prisão de executiva chinesa vira caso de espionagem, orgulho ferido e guerra comercial

As ONGs estão agora sujeitas a verificações pontuais pela polícia e à estrita supervisão de suas atividades e orçamentos, e enfrentam a constante ameaça de serem fechadas. 

Grupos cívicos, governos ocidentais e lobbies de negócios condenaram as novas regras, dizendo que elas sufocariam a liberdade de expressão. 

Há um precedente para os canadenses serem detidos em retribuição ao tratamento dado a um cidadão chinês. Em 2014, as autoridades chinesas detiveram um casal canadense que viveu na China por 28 anos. Eles eram trabalhadores humanitários cristãos e operavam um café em Dandong, na fronteira com a Coreia do Norte. 

Eles foram presos depois que o Canadá deteve um homem chinês procurado para ser extraditado aos Estados Unidos em um caso de espionagem industrial. A mulher, Julia Garrett, foi detida por seis meses, mas seu marido, Kevin Garrett, ficou preso por dois anos.

Relação com a guerra comercial

Embora o momento pareça coincidência, já que o mandado de prisão de Meng tinha data de 22 de agosto, a China vê a prisão da executiva como uma tentativa de garantir influência na guerra comercial entre EUA e China e pediu a libertação imediata de Meng.

Nesta semana, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez comentários que em nada contribuíram para desfazer esta percepção. Em entrevista à Reuters, ele disse que poderia intervir no caso do Departamento de Justiça contra a executiva da Huawei Technologies, Meng Wanzhou. 

"O que quer que seja bom para este país, eu faria", disse ele à agência de notícias. "Se eu achar que é bom para o que será certamente o maior acordo comercial já feito – o que é uma coisa muito importante, o que é bom para a segurança nacional – eu certamente interviria se achasse necessário", disse o presidente, referindo-se às negociações em andamento com a China, que buscam colocar um ponto final na guerra comercial.

William Reinsch, ex-funcionário do Departamento de Comércio do governo Clinton, disse que a declaração do presidente "ridiculariza o princípio do Estado de Direito e não nos torna melhores que os chineses". Se Trump quiser intervir no caso como uma tática de negociação comercial, Reinsch disse que "ele deve ficar de boca fechada até que Xi venha até ele e peça ajuda".

Oficialmente, desde que Meng foi levada sob custódia, os Estados Unidos disseram pouco sobre a prisão. A embaixadora dos EUA no Canadá, Kelly Knight Craft, negou que o caso fosse político. "Isso faz parte do nosso processo judicial", disse ela a repórteres em Ottawa.

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