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Um manifestante levanta o braço durante um protesto contra o projeto de lei de ‘segurança global’, cujo artigo 24 criminalizaria a publicação de imagens de policiais em serviço, com a intenção de prejudicar sua ‘integridade física ou psicológica’, em Paris, em novembro 28, 2020| Foto: ALAIN JOCARD/AFP

Depois dos protestos dos coletes amarelos, das marchas contra a reforma previdência, mais uma proposta de lei do governo de Emmanuel Macron despertou a fúria de uma parcela da população francesa. Desta vez trata-se da “Lei de Segurança Global”, aprovada pela Assembleia Nacional na semana passada. A proposta, se sancionada, restringiria a publicação de imagens que mostrem o rosto ou a identidade de um policial em serviço "com o objetivo de prejudicar sua integridade física ou psicológica".

Com o argumento de que a mudança legislativa tornaria mais difícil registrar a violência policial e restringiria a liberdade de expressão e de imprensa, dezenas de milhares de franceses saíram às ruas de Paris e outras cidades para protestar. A marcha ganhou um peso ainda maior porque na quinta-feira passada, dois dias após a aprovação do projeto na Assembleia, uma câmera de vigilância flagrou o produtor musical Michel Zecler sendo espancado por três policiais, dois dos quais estão presos.

Manifestantes – convocados por sindicatos, pelos coletes amarelos e por associações de imprensa – carregavam cartazes com frases como “salve vidas, filme a polícia”. Houve tumulto e depredação por parte de alguns manifestantes, e a polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar os protestos. Também houve relatos de violência policial e contra jornalistas. Em todo o país, 81 pessoas foram presas e 62 policiais ficaram feridos, informou o Ministério do Interior da França.

Qual é a proposta de Macron

Deputados do En Marche, partido de Macron, apresentaram o projeto de lei no fim de outubro. O texto, apoiado pelo governo, cobre uma série de questões relativas ao policiamento, dando mais poderes aos policiais municipais, por exemplo. A proposta vem dias depois de um ataque com fogos de artifício a uma delegacia de polícia nos subúrbios de Paris. O ministro do Interior, Gerald Darmanin, disse, no início do mês, que o objetivo da emenda é "proteger aqueles que nos protegem".

A divulgação de vídeos amadores que mostram policiais em serviço, dizem os policiais e defensores da lei, torna mais fácil a identificação dos oficiais e os coloca na mira de pessoas que querem causar danos a eles.

“Vídeos mostrando os rostos dos policiais colocam os policiais e suas famílias em risco de retaliação”, disse Denis Jacob, secretário-geral do sindicato da Polícia Alternativa em entrevista à emissora BFMTV. “Esposas de oficiais foram agredidas no passado por causa disso. As famílias não devem ter medo de ter um policial entre elas", disse Jacob.

O artigo controverso

A passagem mais controversa da proposta é o artigo 24, que proíbe de “divulgar, por qualquer meio, com o objetivo de prejudicar sua integridade física ou mental, a imagem do rosto ou qualquer outro elemento identificador de um oficial da polícia nacional ou membro da gendarmaria nacional em atuação durante uma ação policial”. Quem violar a cláusula pode ser condenado a um ano de prisão e ter que pagar uma multa de 45 mil euros (cerca de R$ 280 mil).

Críticos – entre eles o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos nas Nações Unidas – afirmam que este trecho da lei fere a liberdade de imprensa e de expressão.

O escritório vinculado à ONU alertou a França que o projeto “poderia levar a violações significativas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, em particular o direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão”.

Já a Comissão Europeia disse, na semana passada, que vai verificar o projeto final para se certificar de que ele esteja em conformidade com a legislação europeia. "Num período de crise, é mais importante do que nunca que os jornalistas possam fazer o seu trabalho livremente e em total segurança", afirmou um porta-voz da Comissão Europeia.

Por mais que a lei não proíba que um policial seja filmado ou fotografado, o texto não define o que seria uma divulgação “mal-intencionada” das imagens, deixando a classificação aberta a interpretações que podem levar a erros de avaliação, conforme afirmou a organização Repórteres Sem Fronteira ao se posicionar contra a proposta.

Os críticos afirmam ainda que muitos casos de violência policial ficariam impunes se não fossem gravados pelas câmeras dos jornalistas ou pelos telefones dos cidadãos. Grupos de esquerda afirmam que o projeto de lei é inconstitucional e um sinal do autoritarismo do presidente Emanuel Macron.

Após a repercussão negativa, o texto foi alterado para incluir que a lei não pode interferir na liberdade de imprensa. O governo chegou a defender que veículos de imprensa borrassem o rosto de policiais em imagens publicadas e que jornalistas fossem previamente credenciados para cobrir manifestações, mas após pressão, abandonou as ideias.

Embora a proposta tenha sido aprovada com 388 votos a favor e 104 contra na Assembleia Nacional, há dúvidas sobre se o texto, da maneira como está, será aprovado pelo Senado em janeiro, especialmente após a pressão popular demonstrada neste fim de semana.

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