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Entrevista

No Oriente Médio, "um conflito não resolvido contamina o entorno"

Agência O Globo

Lakhdar Brahimi, de 80 anos, parece um diplomata de cinema: elegante, com uma dignidade tranquila e um currículo impressionante, repleto de missões dificílimas. Talvez a mais impossível tenha sido a de representante da ONU nas negociações para acabar com a guerra na Síria. Renunciou em maio, convencido de que não havia interesse na paz. "Isso não mudou", diz numa entrevista em seu apartamento em Paris, ao lado do Senado da França.

Depois que o senhor renunciou, a guerra na Síria continuou e o Estado Islâmico cresceu. E agora?

Um conflito doméstico não resolvido contamina o entorno. Até agora não existe um projeto de paz, são projetos de guerra.

O que fazer com o Estado Islâmico (EI)?

É ridículo dizer que eles enviaram uma tropa de Toyota e com isso invadiram e ocuparam a segunda cidade mais importante do Iraque em uma noite. Não é possível. Eu disse ao Conselho de Segurança que essa organização passou do Iraque para a Síria, mas jamais parou de agir no Iraque, meus amigos iraquianos dizem que o Daesh [termo árabe para se referir ao EI] está muito mais ativo no Iraque do que na Síria. Se eles fazem dez operações na Síria, fazem 100 no Iraque. Ou seja, estavam presentes em Mossul, essa caravana de Toyotas foi só um espetáculo, foi do interior de Mossul a tomada da cidade — eles estavam fortes porque o governo do ex- premiê Nouri al-Maliki era tão sectário que os árabes sunitas aderiram ao Daesh.

Como seria possível desarmar todo um exército e tomar uma cidade de 2 milhões de habitantes?

É resultado dos erros do Ocidente no Iraque.

Mediar conflitos é difícil. Sobretudo quando envolve países, facções políticas ou grupos religiosos, que em disputas por poder colocam em risco populações inteiras. Essa é a responsabilidade que têm os mediadores designados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para buscar soluções pacíficas para alguns dos confrontos mais violentos do planeta. Apesar do esforço da diplomacia, não raro o trabalho termina sem grandes avanços.

Professor de Relações Internacionais e doutorando em Responsabilidade Jurídica, Gutenberg Teixeira enumera alguns atributos desejáveis para o mediador da ONU: estar muito bem informado, ser paciente e equilibrado no enfoque, além de extremamente discreto. "No geral, os mediadores possuem uma margem considerável para fazer propostas de procedimento e para gerenciar o processo. Eles se oferecem como o ‘amortecedor’ dos choques diplomáticos, infundem confiança e a convicção de que uma solução pacífica é viável", diz.

"O mediador da ONU deve atuar como um facilitador, não como manipulador", define Maíra Siman, coordenadora adjunta da Unidade do Sul Global para Mediação (GSUM), grupo criado para discutir e estimular a mediação internacional. Para ela, as características que pesam a favor dos mediadores vão desde a personalidade até o conhecimento em diferentes áreas. "Mas, acima de tudo, as partes precisam estar preparadas", observa, ao lembrar que muitos conflitos mediados ficam sem solução porque os envolvidos não se dispõem a entrar em consenso.

Má-fé

As diretrizes da ONU recomendam que os mediadores se retirem caso percebam que uma das partes está usando de má-fé, que a solução proposta está em desacordo com as normas legais ou que outros atores estão manipulando o processo. "Essa é uma decisão na qual precisam ser pesados os riscos da retirada e a possibilidade de manter as partes à mesa, buscando meios alternativos para uma solução pacífica", ressalta a organização.

Boa vontade

Talento diplomático é, às vezes, insuficiente para resolver impasses

Por mais habilidoso que seja o mediador, nem sempre é possível chegar a um acordo com as partes envolvidas em um conflito.

Um dos casos mais emblemáticos é o da Síria, onde a guerra civil — em que rebeldes combatem o regime de Bashar al-Assad — já contabiliza mais de 200 mil mortos em três anos e milhões de refugiados.

Os dois últimos enviados especiais das Nações Unidas para buscar uma solução para o conflito renunciaram ao posto alegando dificuldades para chegar a um entendimento: Koffi Annan em 2012 e Lakhdar Brahimi neste ano (leia entrevista com ele nesta página).

Ucrânia

Outro episódio recente foi na Crimeia, região de influência russa que declarou a separação da Ucrânia, o enviado especial cancelou a missão em março, após ter sido detido por homens armados. "Em muitos casos, não é que os mediadores não são efetivos. Eles não conseguem executar o processo de mediação porque as partes não estão abertas para uma solução", opina Maíra Siman, coordenadora adjunta da Unidade do Sul Global para Mediação (GSUM).

Forças

O professor de Relações Internacionais Gutenberg Teixeira argumenta que, nos casos da Síria e da Crimeia, há uma forte dimensão regional e internacional na qual os envolvidos não abandonaram a posição de medir forças. "Talvez seja necessário buscar outras iniciativas para conter o conflito e diminuir o sofrimento humano sem perder o foco para identificar possíveis oportunidades de mediação futura", diz.

Tópicos

O professor Gutenberg Teixeira explica os critérios aplicados pela ONU em um processo de mediação.

Preparação

Deve combinar o conhecimento e a capacidade individual do mediador com uma equipe coesa de especialistas, além de contar com apoio político, econômico e administrativo.

Consentimento

Como um processo voluntário, o mediador necessita do consentimento das partes envolvidas para que exista cooperação, boa fé e comprometimento.

Imparcialidade

A parcialidade do mediador afetará o processo para a solução do conflito, levando as partes a constatar que o mediador não atua de maneira justa.

Caráter inclusivo

Será determinante na medida que as opiniões e as necessidades das partes se representem e interajam, determinando as causas do conflito e assegurando que as necessidades dos afetados sejam atendidas.

Implicação nacional

O trabalho irá se basear dentro dos parâmetros estabelecidos pelas regras e normas que foram impostas, sempre dentro do marco do direito internacional que envolve a situação em questão.

Coerência

Exige enfoques acordados e coordenados.

Complementariedade

Se refere à necessidade de uma clara divisão de funções entre os agentes e os diferentes níveis de interferência no processo de mediação.

Acordos de qualidade

Se baseiam no grau de compromisso das partes, na aceitação da população e principalmente no fato de suportar as tensões durante a execução.

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