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Presidente argentino, Alberto Fernández, discursa durante reunião de presidentes do Mercosul em 26 de março de 2021| Foto: ESTEBAN COLLAZO / Presidência Argentina / AFP

Verborragia e barulho voltaram a aparecer em uma cúpula de presidentes do Mercosul. Infelizmente, esta foi a vez do presidente argentino, Alberto Fernández, que convidou o homólogo uruguaio, Luis Lacalle Pou, a retirar o Uruguai do bloco se considerasse que a Argentina estava o atrapalhando. Difícil de acreditar, mas aconteceu.

Em uma cúpula diplomática, Fernández se comportou como se nossos países fossem sócios de um bar em vez de protagonistas de um dos blocos comerciais mais importantes do mundo. E quando não é Fernández, é Bolsonaro. Ou Lacalle Pou, sugerindo que a posição argentina quanto à flexibilização do Mercosul atrapalha o processo. Houve muita pirotecnia verbal em uma cúpula que deveria ter servido para criar os espaços institucionais essenciais de que o Mercosul necessita para refletir sobre seus rumos futuros. Nossos países têm interesses comuns, independentemente da afinidade ideológica dos atuais presidentes. Tais interesses explicam por que o Mercosul sempre se caracterizou como um projeto estratégico. É como se estivéssemos em um navio que, nesta fase de desorientação estratégica, não vai a lugar nenhum, mas de onde, por precaução, e além da pirotecnia verbal, ninguém quer desembarcar.

Se analisarmos a trajetória do Mercosul desde sua criação pelo Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991, podemos diferenciar três períodos históricos: 1) a abertura dos anos 90 que acentuou a liberalização do comércio intrazona, mas que, logo depois de eliminar as tarifas de importação, encontrou um osso duro de roer em outros tipos de obstáculos; 2) o protecionista, já no novo século, que aprofundou as restrições comerciais existentes, mas tentou uma nova agenda em termos de integração social e desenvolvimento de infraestrutura, embora sem conquistas significativas; 3) e a estagnação dos últimos anos em que - com exceção do Acordo com a UE - não houve conquistas significativas e em que, como dito antes, se evidencia uma notória desorientação estratégica quanto ao futuro do processo.

Agora, faz sentido continuar focando os debates sobre os rumos do Mercosul na polêmica “abertura vs. protecionismo comercial”, típica dos primeiros tempos da globalização? Até que ponto a centralidade das questões comerciais "se encaixa" no atual contexto internacional? Será conveniente "perder massa muscular" com cada um negociando por conta própria no novo cenário? O mundo do livre comércio que deu origem ao Mercosul após a queda do Muro de Berlim não existe mais. O que temos visto é uma competição entre os EUA e a China pela hegemonia do sistema internacional de nações. Um cenário complexo e instável, como qualquer período de transição de poder de uma potência a outra, em que os países do Mercosul devem aguçar sua visão estratégica para decifrar em quais áreas estão as oportunidades de desenvolvimento de suas nações.

Desconsiderar essa perspectiva sistêmica enfraquece as bases para qualquer debate sério sobre os rumos futuros do Mercosul, porque, desde Francisco de Miranda no início do século XIX até os dias atuais, os incentivos à integração sul-americana sempre foram dados pelos desafios que vêm do cenário internacional e não pela escassa complementaridade de nossas economias.

Com base no que foi dito, as questões comerciais e, em geral, as relacionadas com a economia e o desenvolvimento, deveriam ser analisadas do ponto de vista geopolítico. Poderíamos conseguir com a geopolítica o que não foi possível com a "mão invisível" do mercado ou com as clássicas medidas protecionistas. Deveríamos nos perguntar se ainda não chegou a hora da realpolitik no Mercosul.

Isso não significa que temos que nos alinhar automaticamente com um dos centros de poder que lutam pela hegemonia. Pelo contrário, é urgente analisar a possibilidade de uma estratégia flexível que nos permita aproveitar as oportunidades que surgem de um lado ou de outro. Porque somos necessários para proteger a segurança hemisférica dos Estados Unidos, mas também para garantir a segurança alimentar e energética de Pequim. Não vamos esquecer que muitos dos grandes exportadores de alimentos são aliados naturais de Washington. Isso não oferece uma janela de oportunidade para desenvolver uma geopolítica alimentar que nos permita deixar de ser meros exportadores de matéria-prima para nos tornarmos exportadores de alimentos processados ​​para o gigante asiático? E não poderíamos também aproveitar o novo cenário para desenvolver nichos interessantes em termos de serviços ou novas indústrias a partir de nossa riqueza mineral e energética? Por que ainda estamos atolados na estratégia chinesa de negociar em nível de país em vez de tentar negociar como um bloco? É tão difícil entendermos que, se continuarmos com essa estratégia, seremos meros fornecedores de matéria-prima como fomos para os ingleses no século XIX?

São muitas as questões que deveriam ser desencadeadas a partir do 30º aniversário do Mercosul, em vez de se perder tempo com brigas verbais. É necessário um período de reflexão para examinar as oportunidades oferecidas pelo novo contexto internacional. Os presidentes devem ser parte das soluções, em vez de protagonizar mais problemas. E nunca devem se esquecer de que o divórcio não é uma opção. Que os governos do momento não separem o que uniu geografia e história.

*Flavio González é professor de Direito da Integração na UBA (Universidade de Buenos Aires).

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