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Familiares das vítimas compareceram ao julgamento | Norberto Duarte/AFP
Familiares das vítimas compareceram ao julgamento| Foto: Norberto Duarte/AFP

Um tribunal argentino condenou nesta sexta-feira (27) o ex-ditador Reynaldo Bignone e o coronel uruguaio reformado Manuel Cordero a 20 e 25 anos de prisão, respectivamente, por sua participação na Operação Condor, um sistema criminoso de coordenação repressiva adotado pelas ditaduras do Cone Sul nos anos 1970 e 1980.

Dos 18 acusados, um morreu há alguns dias, 15 foram condenados e dois, absolvidos. As penas, por “associação criminosa” e outros delitos, vão de 8 a 25 anos de prisão.

Bignone e Cordero não estiveram presentes na leitura do veredicto.

Os envolvidos, a maioria sentenciados por outros crimes, deram forma a um plano de sequestro, tortura e assassinato de opositores durante regimes ditatoriais em Brasil, Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia.

Bignone, 88, foi condenado a 20 anos como autor “penalmente responsável por associação criminosa na chamada Operação Condor”, disse o juiz Oscar Almirante, ao ler o veredito.

Manuel Cordero, 77, foi condenado a 25 anos como “partícipe necessário, penalmente responsável por privação de liberdade em onze casos”, segundo a sentença.

Bignone foi o último presidente da ditadura argentina, que entre 1976 e 1983 deixou 30 mil desaparecidos, segundo organismos humanitários. Manuel Cordero, extraditado em 2007 do Brasil à Argentina, era o único estrangeiro processado.

Alguns familiares de vítimas viajaram do Paraguai para ouvir em Buenos Aires a sentença, como Federico Tatter, jornalista de 56 anos, filho de um militar paraguaio desaparecido depois de passar pelo centro de tortura argentino Olimpo.

Segundo os arquivos, a maioria dos “presos do Olimpo” foram lançados ao Rio da Prata de aviões militares.

No Uruguai, María del Carmen Martínez, que esteve presa durante uma semana no conhecido centro clandestino militar Automotores Orletti, na capital argentina, na década de 70, disse estar “satisfeita” com o veredito. “Tenho uma sensação de paz”.

“Não queria uma condenação mais severa ou mais branda. Gostaria que nada disto tivesse ocorrido. Foram condenados a 25 anos, poderia ser 150, daria no mesmo, diante da idade que têm não fará diferença. Foi bom, finalmente a justiça chegou”.

Precedente

Entre as vítimas deste sistema, coordenado entre países vizinhos, 89 pessoas foram sequestradas na Argentina, mas também ocorreram desaparecimentos no Paraguai (5), Uruguai (4), Bolívia (4) e Brasil (3).

“Esse é o primeiro julgamento na América Latina que consegue chegar a uma sentença que dá como certo o que sabemos há décadas: a existência do plano criminoso representado pela Operação Condor”, destacou a advogada Luz Palmas, do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), ong argentina de direitos humanos que representa várias famílias autoras de denúncias.

Este é considerado o primeiro processo “que permitiu desentranhar a Operação Condor como sistema criminal e institucionalizado”, disse Palmas.

Segundo a investigação, os militares se comunicavam com uma espécie de telex batizado de “condortel”, ensinado pelo Exército dos Estados Unidos na Escola das Américas no Panamá.

O terror

No início do julgamento, em 2013, entre os acusados estava o ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla (1976-1981), que morreu pouco depois em sua cela, aos 87 anos.

A repressão na Argentina deixou 30 mil desaparecidos, segundo organizações humanitárias. O país detém o maior número de condenações a repressores da época, em comparação com seus vizinhos.

Trezentas testemunhas participaram do processo, inédito também pela quantidade de documentos de prova.

Foram analisados milhões de fotogramas pertencentes ao “arquivo do terror” encontrado no Paraguai em 1992, dezenas de milhares de documentos desclassificados pelos Estados Unidos sobre Chile e Argentina, além de outros revelados em Buenos Aires na última década.

No banco dos réus também estava um ex-agente civil de inteligência argentino, Miguel Angel Furci, acusado em um caso paralelo que se somou a este julgamento, batizado Automotores Orletti II, com outras 67 vítimas.

Orletti foi um centro clandestino de detenção que funcionou em uma antiga oficina mecânica no Oeste de Buenos Aires. Em 1976 foram torturados estrangeiros sequestrados no âmbito da operação.

Pelo Orletti passaram María Claudia García e Marcelo Gelman, nora grávida e filho do poeta argentino Juan Gelman, falecido em 2014. Sua neta, Macarena, entregue a uma família cúmplice da ditadura uruguaia, recuperou em 2000 sua identidade aos 23 anos.

A mão de Kissinger

Na época, Henry Kissinger era o chefe da diplomacia americana e os Estados Unidos viam nas ditaduras um freio ao avanço da esquerda no contexto da Guerra Fria.

A advogada Luz Palmas mencionou que foi encontrada uma correspondência entre um ministro argentino e Kissinger sobre a Operação Condor, em que o ministro expunha a Washington a “necessidade de maximizar os esforços contra o marxismo”.

“Se algo deve ser feito, façam rapidamente. Mas devem retomar rapidamente os procedimentos normais”, respondeu Kissinger.

A operação tinha três etapas: a identificação dos opositores, sua eliminação ou sequestro nos países sul-americanos e, finalmente, a neutralização dos exilados fora da região, explicou a advogada.

O plano foi suspenso após o assassinato de Orlando Letelier, ex-chanceler do presidente chileno Salvador Allende, em Washington, em setembro de 1976, pelas mãos de um ex-agente da inteligência do Chile e da CIA.

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